Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 16 de dezembro de 2018

O Tiradentes


Termino de ler a biografia de Tiradentes, escrita por Lucas Figueiredo, convicto dele ter sido um dos livros mais interessantes que li este ano. Construído sobre um processo magnífico de pesquisa, tem o rigor de um trabalho acadêmico, mas o resultado é o de um folhetim que prende o interesse do leitor do começo ao fim. O rigoroso cuidado com a ordem cronológica dos fatos, mesmo quando o cenário muda de cidade ou até de continente, é um dos fatores que garantem a fluidez do texto.

A enorme quantidade de detalhes, devidamente comprovados em quase cem páginas de notas bibliográficas, utilizada para contar esta história, em nenhum momento se mostra exagerada, já que, cada um destes detalhes vai ter, em algum momento do texto, sua razão de ser.  

Escapando da armadilha em que muitos biógrafos costumam cair, o autor não se comporta como um fã ardoroso do biografado. Mostra discernimento para pontuar características positivas e negativas do personagem e, com isso, deixa uma margem saudável para que o leitor possa refletir e tirar, ele mesmo, algumas conclusões.

Um evento que me provocou reflexão foi a interação que, em dado momento da história, um brasileiro adepto da independência brasileira do reino de Portugal, interage, na Europa, com Thomas Jefferson, principal autor da declaração de independência dos Estados Unidos. O texto desta declaração será fonte fundamental para a disseminação das ideias libertárias dos inconfidentes mineiros.

Um dos trechos deste texto dizia: “Todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais se contam a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. É curioso que, apesar do caráter extremamente libertário desta declaração, o tema do fim da escravatura não tenha passado perto das preocupações de Thomas Jefferson, nem da maioria dos conjurados mineiros, nem mesmo de Tiradentes. Como se diz de maneira anedótica, todos os homens nascem iguais, mas uns são mais iguais que outros.

Dividido em partes, que vão da origem à execução de Joaquim José da Silva Xavier, a trama, ocorrida na segunda metade do século XVIII, nos remete, inúmeras vezes, ao Brasil de tempos mais modernos. É impossível não pensar no que ocorreu com Vladimir Herzog, no auge da ditadura militar, quando lemos sobre a cena do, mais que suspeito, “suicídio” de Cláudio Manuel da Costa.

Já as características do processo de julgamento dos inconfidentes com manipulações de provas e o uso das delações como principal motor das investigações (nas quais o bônus do delator é mais fácil de ser conseguido quanto mais perto seu relato estiver do desejo daquilo que o inquiridor deseja ouvir) nos remetem a um Brasil muito mais atual.

Enfim, se eu puder indicar um livro para se presentear, neste natal, esta é minha indicação: O Tiradentes, de Lucas Figueiredo.