A primeira coisa que se
percebe ao ler o livro Maria Bonita –sexo, violência e mulheres no Cangaço, de Adriana Negreiros, é a facilidade
com que o leitor consegue se transportar para o ambiente do sertão nordestino.
Esta, aliás, é a principal característica dos grandes relatos.
Livros sobre
cangaceiros e, sobretudo sobre Lampião, há muitos. Alguns mais fantasiosos, em
que se busca encontrar algo de romântico e aventureiro no cangaço, outros,
tendenciosos, em que se tenta classificar cada bandido como uma espécie de
Robin Hood sertanejo e, felizmente, há aqueles sustentados por criteriosa
pesquisa historiográfica. Nesta última classificação é possível enquadrar Guerreiros do sol de Frederico
Pernambucano de Mello, por exemplo.
O livro sobre Maria Bonita
se enquadra, também, nesta categoria, mas o que ele traz de novidade é a visão
da autora sobre a participação feminina no cangaço. Com isso, o principal mito
que ela derruba é a crença que imperou, nos últimos 80 anos, de que as mulheres
que entravam no cangaço o faziam por vontade própria, movidas por uma visão
romântica (neste sentido, talvez o cinema nacional tenha prestado um grande
desserviço à história).
Na narrativa, a autora
mostra que a grande maioria das mulheres que “caíram” no cangaço foram raptadas
e, sucessivamente, violentadas por homens extremamente cruéis, que as tratavam
como se fossem seus donos. Relata a ética prevalecente no cangaço (e na
sociedade da época, em todo o sertão) em que a mulher não tinha direito a voz
ou a vontade. Não se furta, entretanto, a ressaltar que, em pouquíssimos casos,
houve sim, mulheres que se uniram aos bandos de cangaceiros por vontade própria,
sendo, inclusive, o caso de Maria Bonita.
Corajosamente, não há,
na narrativa, uma tentativa de dourar a pílula quando se trata de relatar os
casos de extrema violência, o que ajuda a deixar as coisas sem nenhuma sombra
de dúvida. Mostra, além disso, que esta extrema violência não está restrita às
atitudes dos cangaceiros, mas é aplicada, também, por agentes da polícia, em
igual dose de crueldade daquela praticada pelos bandidos, contra velhos,
mulheres e crianças.
E por falar em polícia,
aliás, o livro escancara as relações promíscuas existentes entre os bandoleiros
e as autoridades e os grandes fazendeiros.
Eu me interesso muito pela
história do sertão nordestino da primeira metade do século passado, já que, na caótica
profusão de diferentes nacionalidades que corre em minhas veias, há uma parcela
de sangue pernambucano e sertanejo. Talvez por isso, eu tenha achado o livro
tão delicioso.
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