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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Maria Bonita


A primeira coisa que se percebe ao ler o livro Maria Bonita –sexo, violência e mulheres no Cangaço, de Adriana Negreiros, é a facilidade com que o leitor consegue se transportar para o ambiente do sertão nordestino. Esta, aliás, é a principal característica dos grandes relatos.

Livros sobre cangaceiros e, sobretudo sobre Lampião, há muitos. Alguns mais fantasiosos, em que se busca encontrar algo de romântico e aventureiro no cangaço, outros, tendenciosos, em que se tenta classificar cada bandido como uma espécie de Robin Hood sertanejo e, felizmente, há aqueles sustentados por criteriosa pesquisa historiográfica. Nesta última classificação é possível enquadrar Guerreiros do sol de Frederico Pernambucano de Mello, por exemplo.

O livro sobre Maria Bonita se enquadra, também, nesta categoria, mas o que ele traz de novidade é a visão da autora sobre a participação feminina no cangaço. Com isso, o principal mito que ela derruba é a crença que imperou, nos últimos 80 anos, de que as mulheres que entravam no cangaço o faziam por vontade própria, movidas por uma visão romântica (neste sentido, talvez o cinema nacional tenha prestado um grande desserviço à história).

Na narrativa, a autora mostra que a grande maioria das mulheres que “caíram” no cangaço foram raptadas e, sucessivamente, violentadas por homens extremamente cruéis, que as tratavam como se fossem seus donos. Relata a ética prevalecente no cangaço (e na sociedade da época, em todo o sertão) em que a mulher não tinha direito a voz ou a vontade. Não se furta, entretanto, a ressaltar que, em pouquíssimos casos, houve sim, mulheres que se uniram aos bandos de cangaceiros por vontade própria, sendo, inclusive, o caso de Maria Bonita.

Corajosamente, não há, na narrativa, uma tentativa de dourar a pílula quando se trata de relatar os casos de extrema violência, o que ajuda a deixar as coisas sem nenhuma sombra de dúvida. Mostra, além disso, que esta extrema violência não está restrita às atitudes dos cangaceiros, mas é aplicada, também, por agentes da polícia, em igual dose de crueldade daquela praticada pelos bandidos, contra velhos, mulheres e crianças.

E por falar em polícia, aliás, o livro escancara as relações promíscuas existentes entre os bandoleiros e as autoridades e os grandes fazendeiros.

Eu me interesso muito pela história do sertão nordestino da primeira metade do século passado, já que, na caótica profusão de diferentes nacionalidades que corre em minhas veias, há uma parcela de sangue pernambucano e sertanejo. Talvez por isso, eu tenha achado o livro tão delicioso.

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