Rolava o ano de 1974. A
ditadura militar e sua companheira inseparável, a censura, dominavam os
cenários político e cultural do Brasil. Um ano antes, o compositor Chico
Buarque escrevera, com Ruy Guerra, a peça Calabar,
o elogio da traição, cuja montagem foi proibida, como foi proibida a menção
do nome do personagem principal em qualquer veículo. Com isso, o disco Chico canta Calabar, com as canções da
peça, teve que ser lançado com o título Chico
Canta, com a maioria das letras mutiladas.
O cerco se fechava em
torno do autor e foi ficando claro que mesmo se ele colocasse melodia na poesia
batatinha quando nasce, seria
censurado. A única saída, portanto, foi lançar um disco em que cantava músicas
de outros autores, intitulado Sinal
Fechado, mesmo nome de um samba de Paulinho da Viola, última faixa do LP
(quem não souber o que isso significa, pergunte ao pai ou ao avô).
Entre canções de
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim e outros nomes consagrados da música
popular brasileira, figurava um samba de dois autores desconhecidos, Julinho da
Adelaide e Leonel Paiva. O samba chamava-se Acorda
Amor. O disco foi liberado sem maiores problemas, já que a censura não
descobriu que a dupla, na verdade, fora inventada por Chico e que o samba era,
na realidade, de sua autoria. Apesar de toda a truculência da época, a
criatividade do artista encontrou espaço para este tipo de molecagem com os
gorilas. Maior molecagem que esta, entretanto, foi a ideia do escritor Mario
Prata, em meio ao sucesso do disco (e do samba), de entrevistar Julinho da
Adelaide e publicá-la, no jornal Última Hora, em plena edição de 7 de setembro,
dia da pátria. Pra quem vivia nos subterrâneos do país e sabia o que estava
acontecendo, a entrevista foi hilária.
Lembrei-me desta
história e da habilidade do escritor em entrevistar personagens fictícios
quando comecei a ler seu mais novo livro, Mario Prata entrevista uns Brasileiros. São 22 entrevistas que vão de Pedro
Álvares Cabral a Rui Barbosa, passando por Dom João VI, Dom Pedro I,
Tiradentes, Xica da Silva, entre outros. Todos já mortos, há décadas.
Como criatividade pouca
é bobagem, uma das melhores entrevistas é a que ele faz com Bentinho,
personagem do livro de Machado de Assis, Dom
Casmurro, talvez o único entrevistado vivo, já que uma personagem de tal
importância na nossa literatura, não morre nunca. Há anos que a grande
discussão acadêmica nos meios literários é a de saber se Capitu deu pra Escobar
ou não. Na entrevista, esta questão não é nem sequer abordada. Através de
trechos cirurgicamente pinçados do livro, o entrevistador consegue mostrar que
o ciúme que Bentinho sentia, talvez não fosse de Capitu e sim de Escobar, o que
faz o entrevistado ficar numa situação de saia justa.
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