Todo texto linear, bem
ordenado, com princípio, meio e fim, oferece muito conforto para qualquer
leitor, até mesmo os menos treinados neste hábito. Características assim são
muito boas de se encontrar em textos jornalísticos, livros didáticos ou bulas
de remédio. Em literatura, porém, alguma dose de inovação, um pouco de
divagação, enfim, qualquer coisa que desafie o leitor a sair da linha reta e
force a mente a pensar fora da caixa é sempre bem-vinda.
Lembro-me do
desconforto que senti ao ler meu primeiro Saramago. Acho que foi O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Aquela
forma de utilizar as vírgulas e as letras maiúsculas, em lugar do travessão,
para indicar os diálogos, causaram-me algum susto, mas, depois, aquilo passou a
parecer normal, minha mente se acostumou e o prazer com a leitura se instalou
em mim.
Pois foi exatamente
esta mesma sensação que experimentei ao ler Mamma,
son tanto Felice, de Luiz Ruffato, o primeiro dos 5 volumes que compõem a
coleção Inferno Provisório.
Lançado em 2005, este
primeiro livro não foi fácil de ser encontrado, já que estava esgotado em todas
as livrarias que procurei (reais e virtuais). Já havia adquirido os demais
volumes e para iniciar a leitura pelo começo apelei para um site de livros
usados, a Estante Virtual. O dono anterior, ao que parece, não se interessou
nem mesmo por folheá-lo, já que o livro chegou em estado impecável. Talvez
tenha ganhado de presente do amigo secreto da firma. Talvez preferisse ter
ganho um livro de autoajuda. Enfim, pude colocá-lo à frente dos outros quatro
na minha estante.
O pouco que conhecia do
texto de Luiz Ruffato eram suas colunas no jornal El País Brasil. Gosto de
lê-las e, a partir de uma entrevista no rádio, interessei-me pelo projeto Inferno Provisório, cujo objetivo é
falar da formação e evolução do proletariado brasileiro, desde os anos 50 até o
início do século 21, por meio da saga de uma comunidade de imigrantes italianos
e seus descendentes, no interior de Minas Gerais e na cidade de São Paulo,
conforme li numa reportagem sobre o escritor.
Este primeiro volume
presta-se a mostrar a formação desta comunidade e a forma que o autor encontrou
para evidenciar a disparidade entre os personagens foi apresentá-los de maneira
destacada de uma narrativa linear e encadeada. Reside aí a razão do desconforto
inicial com a leitura. A história de cada personagem é quebrada para dar início
à narrativa de uma outra, repetidamente.
Aos poucos, porém, esta
sucessão de quebras deixa de incomodar e, em lugar disso, colabora para que se
construa uma crescente curiosidade a respeito do que virá nos próximos volumes.
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