Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 18 de outubro de 2015

Lusofonia

“O pai agarrou nele e levou-o ao quarto de uma empregada, a mais nova e a mais bonita da casa.
– Agora vais fazê-la, aqui, à minha frente.
A criadita estava assustada, claro, mas o estranho é que parecia que ela estava assustada com ele, e não com o pai: era o facto de Lenz ser um adolescente que assustava a criadita e não a violência com que o pai a disponibilizava ao filho, sem qualquer pudor, sem sequer ter o cuidado de sair. O pai queria ver.
 – Vais fazê-la à minha frente – repetia.
Estas palavras do pai marcaram Lenz durante anos. Vais fazê-la.”

Este é o primeiro trecho do livro Aprender a rezar na Era da Técnica, de Gonçalo M. Tavares. Encontrei-o numa livraria de Lisboa, procurando título de outro Tavares, o Miguel Sousa, e peguei-o por erro. Bastou ler este primeiro trecho para decidir comprá-lo.

Os portugueses são muito ciosos de seus escritores e tecem loas aos mais clássicos e famosos, como Camões, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e José Saramago. Há nas estantes de suas livrarias, entretanto, espaço para muitos outros escritores de língua lusófona, inclusive brasileiros, diferentemente das lojas daqui. Com isso, é possível encontrar nas livrarias da capital portuguesa obras de escritores de Angola, como Gonçalo.   

Escrito em três partes, Força, Doença e Morte, mostra o protagonista, Lenz Buchmann em dois momentos, primeiro como o médico mais competente da cidade e, depois, como um político poderoso e influente. Cada parte do livro é dividida em vários capítulos e cada capítulo, também, subdividido em outros. Isso torna a leitura ágil e dinâmica, sem tirar-lhe a intensidade.

Ao longo de toda a narrativa, ou seja, em qualquer das três partes e em qualquer dos dois momentos, o traço mais marcante do caráter do personagem manteve-se intacta: sua arrogância. Por isso, nem quando ele estava salvando vidas com sua perícia cirúrgica e nem quando estava enfraquecido, à beira da morte, o leitor é levado a ter qualquer sentimento de simpatia ou piedade por ele.

Não só no Brasil, a literatura feita em língua portuguesa mostra-se pungente. Nada como viajar para descobrir isso e, assim, abrir-se para uma viagem mais poderosa que é a leitura.

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