“O
pai agarrou nele e levou-o ao quarto de uma empregada, a mais nova e a mais
bonita da casa.
– Agora
vais fazê-la, aqui, à minha frente.
A
criadita estava assustada, claro, mas o estranho é que parecia que ela estava
assustada com ele, e não com o pai: era o facto de Lenz ser um adolescente que
assustava a criadita e não a violência com que o pai a disponibilizava ao
filho, sem qualquer pudor, sem sequer ter o cuidado de sair. O pai queria ver.
– Vais fazê-la à minha frente – repetia.
Estas palavras do pai
marcaram Lenz durante anos. Vais fazê-la.”
Este é o primeiro
trecho do livro Aprender a rezar na Era da Técnica, de Gonçalo M. Tavares.
Encontrei-o numa livraria de Lisboa, procurando título de outro Tavares, o
Miguel Sousa, e peguei-o por erro. Bastou ler este primeiro trecho para decidir
comprá-lo.
Os portugueses são
muito ciosos de seus escritores e tecem loas aos mais clássicos e famosos, como
Camões, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e José Saramago. Há nas estantes de suas
livrarias, entretanto, espaço para muitos outros escritores de língua lusófona,
inclusive brasileiros, diferentemente das lojas daqui. Com isso, é possível
encontrar nas livrarias da capital portuguesa obras de escritores de Angola,
como Gonçalo.
Escrito em três partes,
Força, Doença e Morte, mostra o protagonista, Lenz Buchmann em dois momentos, primeiro
como o médico mais competente da cidade e, depois, como um político poderoso e influente.
Cada parte do livro é dividida em vários capítulos e cada capítulo, também,
subdividido em outros. Isso torna a leitura ágil e dinâmica, sem tirar-lhe a
intensidade.
Ao longo de toda a
narrativa, ou seja, em qualquer das três partes e em qualquer dos dois
momentos, o traço mais marcante do caráter do personagem manteve-se intacta:
sua arrogância. Por isso, nem quando ele estava salvando vidas com sua perícia
cirúrgica e nem quando estava enfraquecido, à beira da morte, o leitor é levado
a ter qualquer sentimento de simpatia ou piedade por ele.
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