Conceitualmente, não sou
contra a ideia de privatizações. O que me preocupa é a privataria. Explico.
Imaginemos a seguinte
situação:
Uma família bem
convencional: pai, mãe, filhos, netos, irmãos, cunhados, genros, noras, primos,
todos vivendo numa mesma casa. Uma casa suficientemente grande pra acomodar tão
numerosa família. Alguns com bons empregos, alguns com empregos nem tanto, outros
procurando emprego. Convivência, ora pacífica, ora turbulenta. Conversas, por
vezes, serenas, outras vezes intempestivas. Tudo dentro da normalidade de uma
família como qualquer outra.
Tempos de crise
econômica, o pessoal se virando, tentando se equilibrar. Apesar da felicidade
de ter a boa casa, herdada do bisavô, que acolhe a todos, a vida está dura, está
difícil. Todo mundo tentando ajudar, como pode, nos gastos da casa. Até que
alguém se lembra do carro.
Sim, há um carro na
garagem. Um carro potente, bonito, vistoso. Um carro importado, caro, custoso.
Um carro que ninguém utiliza, gasta muito combustível. Difícil de pagar o
imposto, o seguro, a manutenção. Melhor deixar na garagem, dizem uns. Não,
melhor seria vender, dizem outros. As opiniões divergem, as discussões se
acaloram. Argumentos pululam:
- O carro era o xodó do
nono, diz uma tia.
- Ele está ocupando
muito espaço na casa, pontua um genro.
- A cor é horrível, protesta a sobrinha, contribuindo para a discussão.
Um ou outro sopapo é
desferido. A turma do “deixa disso” apazigua os ânimos.
Melhor votar. Afinal, a
escolha da maioria ainda é o menos pior entre os critérios quando se sabe que o
consenso nunca vai ser alcançado. Votação apertada, a decisão de vender o carro
vence. Alguns protestam, querem refazer a votação. Voto de cunhado não vale.
Enfim, passado o momento de exaltação, concluem, vencedores e vencidos, que é
melhor assim. O dinheiro vai ajudar na manutenção da casa.
Alguém tem que assumir
esta tarefa. Escolhem um primo:
- Ele é bom de lábia,
salienta uma irmã.
- Pena que não a usa
pra arrumar um emprego, alfineta a sobrinha.
- Vi numa tabela que
vale muito.
- Tem que anunciar na
Internet.
- Podíamos pintar de
rosa, pra valorizar.
O primo agradece as
contribuições e declara: - deixa comigo!
Encontrar um comprador
acaba por se mostrar tarefa fácil. De fato, o carro é valioso. Bastante gente
mostra interesse. Valor bem maior do que todos esperavam. Faz a escolha pela
melhor oferta e pronto. 'bora fechar o negócio.
Na hora de selar o
acordo, vem a ideia mirabolante na cabeça do diligente primo:
- Eu te dou um desconto
de 5% se você topar colocar, no recibo, a metade do valor.
- Como assim? E o resto?
- A outra metade você
paga pra mim, por fora.
- Isso está errado.
Assim eu não topo.
- Então não tem negócio.
Procura um outro
interessado, que havia feito a segunda melhor oferta. O sujeito também não aceita.
O terceiro topa. Fecham o negócio.
O primo volta pra casa
com o cheque visado pelo banco. Ar de vitorioso. O valor é um pouco menor do
que todos esperavam. Fazer o que? É a crise.
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