Leonardo Padura é um
escritor cubano, internacionalmente reconhecido como um dos maiores autores do
gênero policial. Confesso que este não é o meu tipo de literatura preferido. Já
li, na juventude, uma ou outra coisa de Arthur Conan Doyle ou Agatha Christie,
autores britânicos, considerados os papas deste tipo de história.
O típico romance
policial, normalmente, envolve um misterioso crime que só é desvendado no
final, no último capítulo, quando o leitor descobre a identidade do criminoso e
os motivos que o levaram a cometê-lo.
O Homem que amava os Cachorros, de Padura, o primeiro que li deste escritor,
é um romance policial em que, tanto o autor quanto os motivos do crime, são
conhecidos antes mesmo de se começar a ler o livro. Mesmo assim, a narrativa é
eletrizante e, tivesse eu todo o tempo do mundo, teria lido suas quase 600
páginas, de uma vez só.
Misturando ficção com
realidade, o texto trata de um famoso assassinato e se alterna em 3 ambientes,
o da vítima, o do assassino e o do narrador da trama, esta terceira parcela, a
ficcional. O crime é o assassinato do líder político soviético Leon Trotsky
pelo militante comunista catalão Ramon Mercader, na cidade de Coyoacán, no
México, em 1940.
Qualquer pessoa
interessada em história geral conhece, ao menos superficialmente, os fatos mais
emblemáticos deste assassinato. O que seduz, no livro, entretanto, é a riqueza
dos detalhes que levaram ao seu desfecho, partindo-se da realidade, tanto do
assassino quanto da vítima, até chegar no ápice, com o golpe de machado, fatal,
na cabeça do velho revolucionário ucraniano.
A partir de um trabalho
excepcionalmente meticuloso de pesquisa, o autor nos dá uma mostra bastante
clara do ambiente político na União Soviética anterior à segunda Guerra, a
rivalidade entre Trotsky e Stalin e a sede com que o ditador soviético perseguiu
o criador do conceito da Revolução Permanente, até aniquilá-lo. Mostra como
Stalin, após a morte de Lenin, empreendeu esforços para assumir a liderança da
União Soviética e implantar uma política de perseguição aos rivais que ficou
conhecida como “O Grande Expurgo”. Mostra como esta política atingiu, inclusive
antigos aliados e, também, como a perseguição a Trotsky foi incansável,
impingindo ao intelectual marxista um périplo extenuante por vários países da
Europa até terminar no México, onde foi acolhido pelo artista plástico Diego
Rivera e sua esposa Frida Kahlo (com quem chegou a ter um envolvimento
amoroso).
O segundo ambiente retratado
no livro, mostra as conexões de Ramon Mercader com outros agentes espanhóis
cooptados pelo serviço secreto soviético (NKDV) como Caridad Mercader (sua mãe)
e Africa de las Heras. Revela sua atuação na Guerra Civil espanhola, o que o
credenciou a ser preparado pelas autoridades soviéticas para executar o inimigo
mais importante do regime stalinista, e demonstra o quanto a disputa pelo
poder, entre os aliados republicanos que lutaram contra Franco, foi fundamental
para que a vitória fosse impossível (esta disputa, aliás, é narrada no ótimo
livro Lutando na Espanha, de George
Orwell, sobre o qual já escrevi aqui).
Na parcela ficcional do
texto, narrado em primeira pessoa, Padura aproveita para mostrar o ambiente na
União Soviética após a morte de Stalin, sua imagem desmascarada pelo governo de
Khrushchov e a posterior tentativa de reabilitação sob o governo de Brejnev, no
período ápice da Guerra Fria.
É esta oportunidade,
também, que o autor utiliza para fazer suas críticas ao regime cubano,
principalmente no que diz respeito à falta de liberdade política. Apesar destas
críticas, seu livro foi publicado na ilha sem nenhum tipo de censura.
Enfim, O homem que amava os cachorros, título
que é uma referência tanto à vítima, quanto ao assassino (e, também ao
narrador) é um livro delicioso para quem gosta de conhecer a história com mais
profundidade de detalhes, mesmo sabendo, superficialmente, tudo que é narrado
nele. E para aqueles que não têm este conhecimento, nem mesmo superficial (ou
não têm este interesse), pode, ainda, ser lido como um ótimo romance policial.
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