Frei Betto é um escritor
que acredita em deus e no socialismo. Eu não acredito numa coisa nem noutra.
Isso não quer dizer que eu discorde dele. Não é necessário compartilhar das
mesmas crenças para ter os mesmos valores e, neste sentido, coincidimos.
Minha relação com a
religiosidade se dá a partir de 3 óticas. A primeira delas é a fé. Gosto muito
de uma frase da escritora Rachel de Queiroz, ateia como eu, que costumava dizer
o seguinte: “Eu não tenho fé, porque deus não me deu”. É mais ou menos o que se
passa comigo. Simplesmente não tenho. Quando sabem que não acredito em deus,
aliás, a reação das pessoas é sempre a mesma, ou seja, perguntam-me: “então,
quer dizer que você não acredita em nada?”. É claro que acredito. Acredito no
amor, na generosidade e na solidariedade, como forma de melhorar o mundo, por exemplo.
Aprendi, com o passar
dos anos, a entender e respeitar a fé que as pessoas sentem por deus. Por
qualquer deus. E neste sentido, respeito os que sentem fé em Cristo, sejam eles
católicos ou evangélicos e os que têm fé em Buda. Respeito a fé judaica e a fé
islâmica, assim como os que professam sua fé nos orixás e os índios que
adoravam Tupã. Respeito esta fé pois vejo que ela é sincera, na maior parte
dos casos. E percebo, sobretudo, que ela pode fazer bem às pessoas. Grande
parte delas, aliás, agarra-se na fé como uma forma de suportar as agruras da
vida.
A segunda ótica através
da qual eu enxergo a religiosidade é a religião em si. Neste caso, meu respeito
está restrito a alguns valores que algumas religiões procuram
propagar. Nem todos, entretanto. E reconheço que grande parte das pessoas de fé
sente-se mais confortável em poder seguir um caminho, um roteiro, uma receita, um rol
de ensinamentos, seja na Bíblia, no Alcorão ou na Torá. Percebo, também, que,
apesar da fé sincera que sentem, muitas pessoas têm dificuldade de seguir a
maior parte dos ensinamentos.
A terceira ótica é a
igreja. Aí, deste ponto de vista, minha resistência é enorme. Na maior parte
dos casos, o que consigo enxergar é a igreja manipulando a fé das pessoas
através de uma interpretação da religião que atenda a interesses espúrios. Seja
a igreja católica com a inquisição, com as cruzadas, com a catequização dos
índios na América, seja a igreja islâmica cooptando jovens muçulmanos a
vestirem casacos recheados de explosivos, seja o pastor vendendo o encontro com
deus e facilitando o pagamento em cheque, cartão ou boleto, e até mesmo o pajé
amedrontando os índios e enfraquecendo o poder do cacique.
Toda esta longa
explanação foi pra falar sobre o livro Paraíso perdido: viagens ao mundo socialista, de Frei Betto, no qual o escritor
narra suas viagens a diversos países, ao longo de sua vida, no qual interagiu
com agentes dos governos e das igrejas locais. Questionador como ele só, Frei
Betto, em cada viagem, cobrava, de cada representante de estado socialista, a
falta de liberdade para as pessoas professarem sua fé e dos líderes das igrejas
locais, a falta de compromisso com os pobres.
Adepto da Teologia da
Libertação, Frei Betto é um crítico ácido daquela igreja que se alia aos
poderosos. Para isto, ele se guia pelo discurso de Cristo. A partir dos
evangelhos, tanto os canônicos quanto os apócrifos, ele sempre pregou o
acolhimento dos menos favorecidos. E é com este tom crítico e questionador, ora
sobre a igreja, ora sobre os governantes socialistas, que a narrativa do livro
se desenvolve.
Apesar disso, o escritor acredita na ideia do socialismo. Acredita na possibilidade de um mundo em
que as pessoas tenham as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. Num mundo
em que um homem não escravize e nem explore seu semelhante.
Eu, infelizmente, não
acredito que um mundo assim seja possível.
Minha falta de fé no
socialismo não se dá pelo fato dele não ter sido implantado em nenhum país com
sucesso (até mesmo, porque o capitalismo também não foi). Eu descreio do
socialismo, pois ele me parece um sistema muito perfeito para ser implementado
pelo ser humano e suas infinitas imperfeições.
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