Aprendi com um amigo
jornalista que o fato dele escrever bem devia-se muito menos por talento e
muito mais por treino. Na verdade, segundo ele, o jornalista aprende a escrever,
na escola, para que consiga produzir textos claros, simples e objetivos. Desta
forma, é uma habilidade como a de qualquer profissional de outra área, seja um
neurocirurgião que consegue abrir um crânio e fazer incisões com precisão
milimétrica, um pianista que executa com perícia uma obra-prima de qualquer
compositor erudito ou um engenheiro que calcula, com acurácia, as proporções
dos materiais utilizados na construção de uma ponte. Há os que erram, em todas
as profissões, mas são casos de exceção, não regra.
Se, no caso dos
jornalistas, escrever bem quando estão fazendo reportagens é uma técnica
aprendida, o mesmo não ocorre quando se arriscam na ficção. Tão difícil quanto
um competente pianista compor uma obra com qualidade é um jornalista escrever
um bom romance. Aí, já estamos entrando no domínio da arte e, mais do que perícia,
treino e dedicação, é necessário, ainda, um ingrediente fundamental: o talento.
Justamente por isso, é pra
se comemorar quando um jornalista se arrisca a escrever ficção e obtém um bom
resultado. E este foi o caso de Fernando Scheller e seu primeiro romance O amor segundo Buenos Aires. Trabalhando,
atualmente, como repórter do Estadão, ele já foi jornalista da Gazeta do Povo,
da TV Globo e da Deutsche Welle, na Alemanha. Escreveu um livro reportagem
sobre o Paquistão, mas esta é sua primeira incursão na ficção.
Nas raríssimas vezes
que eu me aventurei a escrever alguma ficção, só consegui fazê-lo na primeira
pessoa. Não sei se isso é mais fácil para qualquer um ou se é uma deficiência
minha, mas esta é uma técnica que traz duas dificuldades fundamentais. A
primeira, é que o leitor tende a ficar com a convicção de que se trata de um
texto autobiográfico e a segunda, está no fato de que, escrevendo assim, fica
mais difícil expor o que se passa na cabeça das outras personagens da história.
Scheller conseguiu se
livrar destas dificuldades de maneira muito criativa. Em cada capítulo, assume
a pessoa de uma das personagens, falando a respeito de uma outra. Com isso,
consegue que o leitor compreenda o que se passa na mente de cada uma delas e,
também, logra estabelecer as relações interpessoais, sem precisar se utilizar
do expediente do diálogo.
O que achei mais
interessante, na utilização desta técnica, é que, partindo da voz de cada uma das
personagens, ele consegue contar a história sem tecer nenhum juízo de valor. Na
trama não há mocinhos nem bandidos. Todos têm uma motivação para fazer o que
fazem. E cada um tenta lidar com seus medos e fantasmas da maneira que consegue.
A história fala,
sobretudo de amor (e de desamor). Trata, aliás, de tipos de amor e mostra que
toda a forma é lícita e possível. E, enquanto eu lia o livro, ia me lembrando
da canção Paula e Bebeto, de Caetano
Veloso e Milton Nascimento, em que é cantada, repetidamente, a frase que talvez
pudesse resumir este livro: “qualquer maneira de amor vale a pena”.
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