Quem acredita que conseguirá ter isenção suficiente, devido à perspectiva histórica, ao ler um livro 30 anos depois dele ter sido escrito, narrando fatos ocorridos 10 anos antes, está redondamente enganado. 40 anos não significam nada, mesmo numa vida curta como a nossa. Podem curar a miopia, mas não cicatrizam feridas.
Foi isso que ocorreu comigo, na semana passada, quando peguei pra ler o livro Os carbonários, de Alfredo Sirkis. Por algum motivo, não o li quando comprei, há 30 anos. E agora, escolhido a esmo na estante, devorei, rapidamente, suas páginas já amareladas.
O relato fala do movimento estudantil nos anos mais brabos do regime militar, entre 1968 e 1969. Mostra como uma parcela da juventude, da classe média da época, resolveu embarcar numa canoa que, os fazia crer, levaria a um mar de águas mais limpas e, sobretudo, mais justas. A mesma classe média, que havia marchado com deus e a família, estava agora dando alguns de seus filhos para a aventura da luta armada. Desiludida com a redentora, vendo a água chegando aos seus pés, a mesma água que já tinha afogado muita gente, reagiu a seu modo, ensaiando uma indignação efêmera, pra depois abandonar os filhos à própria sorte. De repente, eram alguns gatos pingados, desviados do caminho, mas a vida segue, o que se há de fazer?
O livro nos mostra o quanto aquela geração acreditou neste caminho e o quanto não foi capaz de ganhar a população para a sua luta. Não ganhou os próprios pais, não ganhou a esquerda engessada (às vezes auto-engessada), não sobreviveu. Mostra a divisão entre os diversos grupelhos de esquerda, minúsculos, sectários, inconciliáveis, e como a repressão fez uso disto com muita facilidade. O livro escancara a bravura, a inocência e a ilusão de uma legião de meninos sinceramente bem intencionados. Depois da derrota, nunca mais conseguimos produzir meninos assim no nosso país. Depois da derrota veio a desilusão, o desbunde, a apatia. Ler o livro com 30 anos de distância só ajudou a compreender, mais facilmente, o quanto era inglória aquela empreitada, o quanto era óbvia a incapacidade de vitória, o quanto foram ingênuos aqueles meninos guiados por pessoas tão experientes quanto irresponsáveis.
Tivesse lido o livro à época do lançamento, à beira da abertura, teria praticamente a mesma reação que tive ao lê-lo agora, 30 anos depois. Uma reação carregada de indignação com as atrocidades que os detentores do poder foram capazes de patrocinar. Morte, tortura, sofrimento desmedido. A distância pode ajudar a curar a miopia, mas não é suficiente para diminuir a indignação. Esta, acho, nem 100 anos conseguem isolar.
Foi isso que ocorreu comigo, na semana passada, quando peguei pra ler o livro Os carbonários, de Alfredo Sirkis. Por algum motivo, não o li quando comprei, há 30 anos. E agora, escolhido a esmo na estante, devorei, rapidamente, suas páginas já amareladas.
O relato fala do movimento estudantil nos anos mais brabos do regime militar, entre 1968 e 1969. Mostra como uma parcela da juventude, da classe média da época, resolveu embarcar numa canoa que, os fazia crer, levaria a um mar de águas mais limpas e, sobretudo, mais justas. A mesma classe média, que havia marchado com deus e a família, estava agora dando alguns de seus filhos para a aventura da luta armada. Desiludida com a redentora, vendo a água chegando aos seus pés, a mesma água que já tinha afogado muita gente, reagiu a seu modo, ensaiando uma indignação efêmera, pra depois abandonar os filhos à própria sorte. De repente, eram alguns gatos pingados, desviados do caminho, mas a vida segue, o que se há de fazer?
O livro nos mostra o quanto aquela geração acreditou neste caminho e o quanto não foi capaz de ganhar a população para a sua luta. Não ganhou os próprios pais, não ganhou a esquerda engessada (às vezes auto-engessada), não sobreviveu. Mostra a divisão entre os diversos grupelhos de esquerda, minúsculos, sectários, inconciliáveis, e como a repressão fez uso disto com muita facilidade. O livro escancara a bravura, a inocência e a ilusão de uma legião de meninos sinceramente bem intencionados. Depois da derrota, nunca mais conseguimos produzir meninos assim no nosso país. Depois da derrota veio a desilusão, o desbunde, a apatia. Ler o livro com 30 anos de distância só ajudou a compreender, mais facilmente, o quanto era inglória aquela empreitada, o quanto era óbvia a incapacidade de vitória, o quanto foram ingênuos aqueles meninos guiados por pessoas tão experientes quanto irresponsáveis.
Tivesse lido o livro à época do lançamento, à beira da abertura, teria praticamente a mesma reação que tive ao lê-lo agora, 30 anos depois. Uma reação carregada de indignação com as atrocidades que os detentores do poder foram capazes de patrocinar. Morte, tortura, sofrimento desmedido. A distância pode ajudar a curar a miopia, mas não é suficiente para diminuir a indignação. Esta, acho, nem 100 anos conseguem isolar.
3 comentários:
Oi, Arnaldo. Eu só discordo de vc em um ponto: os mais velhos não eram irresponsáveis, eles acreditavam no que estavam fazendo, acreditavam na revolução. O contexto da década de 60 era revolucionário e belicoso, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Tanto que hoje, pessoas que naquela época eram liderança, ou simplesmente militantes que entraram na luta armada ou viveram na clandestinidade, reconhecem que não havia condições de se sustentar uma guerrilha contra o Estado ditatorial.
Muitos morreram lutando, um bom exemplo disso e talvez o mais famoso foi Mariguela, militante desde a década de 30.
Eram outros tempos, Arnaldo...
Não se deve lamentá-los, mas sim celebrá-los como verdadeiros heróis anônimos que morreram buscando, de fato, um país melhor para todos.
Não, o tempo não cura a indignação, e é bom mesmo que seja assim. Se deixarmos de nos indignar com as atrocidades, o terror e a barbárie que foi a ditadura militar isso será um mal sinal. Será o sinal de que o terror de Estado está naturalizado, um sinal de embrutecimento.
Abraço
Viviane,
Eu não disse que os mais velhos não acreditassem no caminho da luta. O problema é que, num determinado momento, ficou muito claro que aquele caminho era inviável. Em toda luta, como em toda guerra, em qualquer batalha, é necessário saber o momento de recuar. Recuar, não para fugir ou desistir, mas, recuar para voltar mais forte, pra tirar ensinamentos, na luta.
Nunca li esse livro, tenho vontade de ler. Farei isso! Obrigada, Arnaldo. Abraços
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