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domingo, 30 de setembro de 2018

Histórias musicais


A música brasileira que mais me interessou, ainda na infância, foi aquela que se convencionou chamar de MPB e que surgiu nos festivais da TV Record, em meados da década de 60, no século passado. Naquele momento, uma geração de jovens compositores, todos ao mesmo tempo, despontaram no cenário musical ostentando uma criatividade inacreditável.

No resto do mundo, aquele período era o prenúncio de uma época iluminada, do desabrochar das liberdades individuais, e que culminaria com maio de 1968. Enquanto isso, no Brasil, mergulhávamos num período de sombras, culminando com o AI-5, em dezembro daquele mesmo ano.

Mais tarde, eu fui perceber que a música produzida por aquela geração genial não teria acontecido se não fosse o samba e a Bossa nova. Sem o samba e a Bossa nova, provavelmente não teríamos a MPB e, se não tivesse existido Pixinguinha, Noel Rosa, Ismael Silva, Tom Jobim e João Gilberto, arrisco-me ao palpite de que Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, teriam sido um arquiteto convencional, um obscuro crítico de cinema e um gestor de empresas engravatado e careta, respectivamente.

Wilson das Neves classificava a Bossa nova como um sub estilo do samba, mas essa é uma análise muito simplista. Nascida no Rio de Janeiro, seria impossível ela não ter os genes do samba em seu DNA, mas sofreu, também, uma enorme influência do jazz americano.

Tanto o samba quanto a Bossa nova têm seus personagens emblemáticos e, nos dois casos, são infinitas as histórias que os envolvem. Duas boas oportunidades para conhecer algumas destas histórias são os livros O Barquinho Vai... – Roberto Menescal e suas histórias, escrito por Bruna Fonte e Taberna da Glória e Outras Glórias – mil vidas entre os heróis da música brasileira, organizado por Ruy Castro.


Os personagens destes dois livros, Roberto Menescal e Hermínio Bello de Carvalho, respectivamente, têm quase a mesma idade (80 e 82), podem ter cruzado suas trajetórias em diversos momentos da vida, mas vêm de origens bem diversas e trilharam caminhos distintos, no cenário da nossa música. Enquanto Hermínio, filho de empregada doméstica, chegou ao topo da carreira à custa de muito trabalho infantil e passando necessidades, Menescal sempre foi um típico representante da classe média alta, com todos os privilégios que, ainda hoje, beneficia esta casta, no Brasil.

A música a que cada um deles se associa tem, também, características distintas. Enquanto o samba tem seu caráter de resistência, de luta do povo pobre, principalmente o negro, pela busca da dignidade na sociedade, a Bossa nova foi uma música produzida e consumida pela parcela da sociedade mais afortunada.

Apesar destas diferenças socioeconômicas, ambas têm sua sonoridade particular, complexa e extremamente importante para a identidade estética de nossa música.

Os dois livros têm uma característica em comum. Nenhum deles foi escrito, diretamente, por seu personagem. O livro com as histórias de Hermínio Bello de Carvalho é uma compilação de textos publicados em outros livros de sua autoria, já fora de catálogo, além de textos esparsos recolhidos pelo incansável Ruy Castro, exímio autor de biografias importantes (Garrincha, Nelson Rodrigues, Carmem Miranda). Já as histórias de Menescal foram contadas, verbalmente, para Bruna Fonte que as transcreveu, mantendo o relato na primeira pessoa e, com isso, dando um caráter muito intimista a ele.

No livro de Hermínio desfilam personagens como Pixinguinha, João da Baiana, Cartola, Dona Zica e Dona Neuma, Elizeth Cardoso, Emilinha Borba, Isaurinha Garcia, entre tantos outros. O capítulo mais interessante é o que discorre sobre seu convívio com Aracy de Almeida, no qual se consegue enxergar a real importância desta cantora (a mais fiel intérprete de Noel Rosa) e o quanto sua imagem, estereotipada, da ranzinza jurada de programas de calouros, como os de Chacrinha e Silvio Santos, foi uma imagem fabricada para dar audiência aos programas, estratégia à qual Aracy aquiesceu e foi conivente.

No livro de Menescal, como não poderia deixar de ser, os personagens presentes são os precursores e os fundadores da Bossa nova. Interessante perceber a diferença das duas frentes em que ele atuou, no cenário musical, primeiro como músico (compositor e instrumentista) e, depois, como produtor musical e como diretor de uma importante gravadora de discos, à época. É interessante, também, verificar, nesta trajetória, o momento em que abandonou a carreira de executivo extremamente bem pago, para pegar a estrada e voltar a fazer shows pelo mundo todo, depois de 15 anos sem tocar em um violão.

Uma característica que me agrada muito, em ambos os livros, é o fato de que os relatos sobre a vida privada dos dois são praticamente inexistentes. Eu, particularmente, quando leio sobre um artista, tenho muito pouco interesse em sua intimidade. Me interessa muito mais a sua obra. E isso, os dois livros têm de sobra.


Um comentário:

zabanacager disse...

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