Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Por fora do poder

Assim que terminei de ler A Mosca Azul, de Frei Betto, escrevi um post falando do livro, da forma com que o autor descrevia sua visão de mundo e de como o poder pode deturpar ideais e corromper pessoas. Gostei do viés filosófico que ele escolheu para expor as idéias e justificar suas crenças. Lembro-me, entretanto, que senti falta, naquele livro, de uma narrativa mais factual, já que ele havia passado dois anos dentro do governo, numa função de assessor especial de Lula, sem status de ministro, mas com muita proximidade do presidente.

Pois agora, acabo de ler o livro O Calendário do poder, em que ele narra exatamente esta experiência que teve durante estes dois anos. E utiliza um formato de diário em que coloca suas impressões a respeito de tudo o que acontecia no dia-a-dia do governo.

Sem esconder sua discordância em relação à condução da política econômica pela dupla Palocci-Henrique Meireles, ele nos revela, também, as agruras para se relacionar com os ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, investidos de super poderes e contaminados pela típica arrogância que o poder propicia.

Mostra sua luta inglória para impedir que o programa Fome Zero não fosse encarado como um programa assistencialista, o que acabou acontecendo por absoluta incompetência do próprio governo em mostrar sua verdadeira face. Mostrou como os dois ministros que estiveram à frente das políticas sociais, Francisco Graziano e Patrus Ananias, foram ineptos para conduzi-las.

Em sua narrativa, o que se percebe é uma pessoa absolutamente ideológica e com ações conduzidas na direção de conquistas para a parcela mais miserável do nosso povo. Não encontrou eco em nenhuma outra esfera do poder federal, esferas nas quais identificou claramente a ideologia neo liberalista, herança dos governos tucanos de Fernando Henrique Cardoso. Sem encontrar este eco, dois anos depois, cansado desta luta e convencido que, ele próprio, não tinha vocação para o serviço público, resolveu se afastar, sem, entretanto, romper formalmente com o governo.

É perceptível, também, uma certa dose de ingenuidade no trato da política de bastidores. Fica a sensação de um cordeiro no meio de uma matilha. Um cordeiro imperceptível que nem provoca a fome dos lobos, interessados em rebanhos maiores e mais suculentos.

Termina o livro reafirmando, claramente, sua fé no socialismo, mas reconhecendo as dificuldades em se lutar contra os interesses das elites dominantes. Reconhece, demonstrando certo cansaço, que não vê saída para questões tão primárias que ainda assolam o nosso país como a reforma agrária, a violência urbana, a defesa da natureza e a fome, que, inacreditavelmente, muita gente ainda insiste em negar a existência.

11 comentários:

Anônimo disse...

Arnaldo
vim conhecer teu blog, via seu comentário no Dito Assim do Jayme.
Coincidência, nossas dicas são as mesmas : meu último post é sobre o livro do João Saldanha.
abraço

Vivien Morgato : disse...

Arnaldo, fiquei curiosa pra ler.
Claro que admiro a conduta ética e em nenhum momento eu defenderia sacanagens, propinas e essas merdas todas.
Msa como vc mesmo disse, ser um cordeiro, tb não adianta.De alguma forma - com um estõmago de ferro, concordo - há que se lutar dentro do território inimigo.
Diferentemente do fre Betto, que admiro, não creio no Socialismo. Minha questão nem é com a base teórica, mas com a práxis.
Outro dia ouvi um discurso e li um textto sobre a Revolução de 17, ignorando totalmente, de forma mais deslavada, todas as questões posteriores, todo o movimento pós-89.
Isso me incomoda.
Um grande beijo pra vcs três.

Vivien Morgato : disse...

Deveria ter dito "não creio MAIS no socialismo."
beijocas

valter ferraz disse...

Arnaldo, da mesma forma que o Peri vim aqui através de seus comentários lá no Dito Assim.
Frei Beto é uma figura que sempre me provocou curiosidade. Por estar sempre alinhado com o petismo, frequentemente eu o olhava com uma certa má vontade. Mas, de tempos para cá venho lendo tudo o que ele escreve e ví alí um homem decepcionado com as bandeiras que desfraudou a vida inteira.
Não sou a melhor pessoa para indagar as razões pelas quais ele ainda professa a fé no socialismo,
mas tenho sentido nos textos que escreve essa decepção que vc assinala. Não lí esse livro, mas os artigos na Folha, sim. Parece-me amargurado e insatisfeito. Diria impotente ante os homens em quem confiou.
Um abraço

Graziana Fraga dos Santos disse...

eu quero muito ler este livro, já tinha comentado isso até!
e a próxima dica tamb´´em, super bacana!

Telejornalismo Fabico disse...

*



todo relato auto-biográfico tende a louvação pessoal.
frei beto se pinta de cordeiro ingênuo pra não parecer um lobo da matilha.
é óbvio que um pequeno grupo realmente mais interessado nas causas socias, base do que um dia foi o pt, não teria voz no governo. e não teve e não terá.
mas o pt que subiu ao poder já era outro.
inclusive frei beto.
de qualquer forma, toda crítica é valida, e toda revelação de uma parte da história ajuda a não deixar as mentiras se perpetuarem tão facilmente.




*

Anônimo disse...

Arnaldo, que honra ler-me ali. Obrigada.

Sim, as mulheres ainda usam bobes. :)

Deve ser um livro muito interessante, embora política seja um assunto que me estresse.

Fiquei encantada com o seu relato de viagens. Pude imaginar a Alemanha, limpa, organizada e ordeira, mesmo que sob severas penas. Está aí a prova de que quanto mais se exige de um povo, mais qualidade dele se tem. Não é à toa que eu não gosto desse assistencialismo e dessa falta de respeito generalizada que, infelizmente para todos, rege o Brasil.
Bom fim de semana.

Anônimo disse...

Arnaldo, como vc deve saber, sou palpi de palpiteira, rs. Assim sendo, por que não coloca os comentários em formato de janela? Fica mais fácil para os leitores. Quer experimentar? Então, faz como o meu amigo Jôka P. ensinou:

Faz o login do seu blog, vai em CONFIGURAÇÕES, clica na aba COMENTÁRIOS, desce até MOSTRAR COMENTÁRIOS NUMA JANELA POP-UP, marca SIM.
Aí os comentários vão abrir numa janela menorzinha, ao invés de abrirem assim, nessa páginona que cobre tudo.
Tá legal? Fácil, né?!

Eu acho que todos vão adorar, até vc. ;)

Anônimo disse...

E ficou ótimo! :)
Beijo

ninguém disse...

Concordo com Sean. Vi Frei Betto durante uma Jornada Literária em Passo Fundo e não consegui, por mais que quisesse, evitar de ver em seu discurso um certo gosto de passado ou ultrapassado com o tom ainda da Igreja, mesmo sendo da teoria da libertação. É difícil julgar quem é "cooptado" pelo poder, às vezes o cara tenta mesmo ser o correto e não tem jeito. Mas em se tratando do PT, não há ingenuidade que chegue a tempo. Vou ler este livro.
Também quero convidar você pra blogagem coletiva dia 17 pela flavia do flaviavivendoemcoma. Odele, a mãe da menina, precisa da ajuda de todos. O selo está no blog.
conto contigo.
abração

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Peri,

Estou no meio do livro do João Saldanha. Estou gostando bastante. Ele é um personagem magnífico.


Vivien,

O Frei Betto tem muito conhecimento. Conhecimento histórico e filosófico. O que me incomoda, nele, é uma certa crença no ser humano que eu já deixei de ter há muito tempo.


Valter,

É justamente por estar alinhado com o petismo que a figura do Frei Betto me inspira alguma simpatia. Mas acho que ele está um passo á frente do PT. Ou ele representa aquilo que o PT deixou de ser.


Graziana,

Acho que vale a pena ler os dois.


Sean,

Pois é. Isso é uma das coisas que me incomodam no Frei Betto. Esta auto-louvação é meio exagerada.


Palpi,

Os assuntos que me estressam são justamente aqueles pelos quais eu mais me interesso. Que bom que gostou do blog. Fiz a mudança que você sugeriu e parece que deu certo. Sou meio “ anarfa” nessas questões de informática.


Maristela,

Eu não discordo em nada das posições filosóficas do Frei Betto. Acho importante que alguém se preocupe com a questão social, neste mundo cada vez mais tomado pelo critério do “cada um cuida do seu”. O que me incomoda, no Frei Betto, é sua dificuldade de enxergar esse mundo e suas regras.