Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Setenta anos

Já escrevi no blog, neste post e também neste outro, que me incomoda a ideia de idolatrar alguém. Sendo assim, o que mais se aproximaria de ídolo, pra mim, são algumas figuras que construíram meu gosto musical. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Paulinho da Viola estão todos com mais de 70 anos, mas são suas canções as que mais me emocionam, ainda. Embora estejam em plena atividade, fazendo shows, gravando discos ou escrevendo, noto que suas criações mais recentes perderam o viço dos tempos áureos. Isso não é uma reclamação. Com 15 anos a menos que eles, já sei muito bem o quanto o tempo é cruel com a nossa vitalidade. A obra que produziram é muito mais que suficiente para que sejam lembrados para sempre.

E foi por ter esta compreensão que fiquei positivamente surpreso com o lançamento do CD Setenta Anos, de Dori Caymmi, em que ele comemora a efeméride, com 13 músicas novas, todas com letra de Paulo César Pinheiro, um de seus parceiros mais constantes.

O disco tem, ainda, uma característica que muito me encanta: é um disco de voz e violão, simples, limpo, minimalista, como só conseguem ser aqueles que reproduzem música de primeira linha.

A música de Dori é e sempre foi de primeira linha, assim como a poesia de Paulo César Pinheiro. Ambos têm nos encantado há 50 anos com suas criações e é um verdadeiro alento perceber que continuam criando maravilhosamente.

À toa (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro) - Dori Caymmi


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Início de um novo ano, início de um novo governo

Sei que há quem vai estrilar com o título deste post, inaugural, do blog em 2015. Já me explico: após o anúncio do novo ministério de Dilma, não consigo manter o ânimo e nem reconheço continuidade no modelo de governo que ela tentou imprimir no primeiro mandato. Se nesta primeira tentativa os avanços sociais já foram tímidos, a configuração do ministério atual mostra uma inclinação mais acentuada para o lado direito do espectro político, o que dificulta mais ainda estes avanços. Desta forma, a razão da minha crítica vai na direção contrária à de quem votou no projeto tucano, nas eleições do ano passado.

Estas últimas eleições, aliás, me causaram mais descrença na raça humana do que as anteriores. A participação do eleitorado, via redes sociais, mostrou o quanto a veiculação (e multiplicação) de dados falsos se sobrepôs à desejável discussão conceitual do que cada um entende como mais apropriado pra nossa sociedade. A enxurrada de manifestações de intolerância com as opiniões adversas beirou os limites do intolerável, com o perdão do trocadilho infeliz.

O que ficou evidente, de lado a lado, foi o claro posicionamento dos eleitores do lado direito e esquerdo do pensamento político. Mais do que as próprias candidaturas, imbuídas do pragmatismo típico das campanhas, as manifestações dos eleitores foram bastante reveladoras da posição de cada um, nem sempre de maneira respeitosa.

Passado o ápice, com a revelação do resultado das urnas e, talvez devido à estreiteza da diferença de votos, restou, entre os eleitores, um ranço de rancor de difícil digestão. De minha parte, encaminhei minhas reflexões para o tema da dicotomia esquerda-direita e para auxiliar-me, recorri ao pensador Italiano Norberto Bobbio e seu livro Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política. Escrito há 20 anos, durante a campanha eleitoral italiana de 1994, este pequeno livro, como o próprio autor se refere a ele, é absolutamente atual e aderente à realidade brasileira de hoje.

A primeira metade da obra dedica-se à tarefa de justificar a continuidade do uso da díade direita-esquerda na política, em resposta às inúmeras tentativas de desacreditar esta divisão. Após comprovar a pertinência de seu uso, trata de definir o que caracteriza cada um dos pensamentos na segunda e mais instigante parte do livro. Nela, o pensador italiano demonstra que o que caracteriza o pensamento de direita e o de esquerda não é a questão da presença maior ou menor do estado na economia e, portanto, na vida das pessoas e nem a questão da democracia ou autoritarismo de um estado.

A conclusão a que o livro chega é muitíssimo parecida com a minha concepção, ou seja, o que define um pensamento de direita ou de esquerda é o que se refere à questão da igualdade entre as pessoas. Faz uso, para isso, de uma eficiente comparação entre os pensamentos de Rousseau e Nietzsche no que diz respeito à distinta postura que um e outro assumem perante a naturalidade e a artificialidade da igualdade e da desigualdade. Com isso, acaba por mostrar que ambas as posições, direita e esquerda, são lícitas, expressando a ideologia de cada um.

O livro toma o cuidado de demonstrar como as posições extremas, tanto de um lado quanto de outro, têm similaridades. Faz isso aproximando a díade direita-esquerda de outra, qual seja, a que contrapõe liberdade e autoridade.

Concluo, assim, que a concepção moderna de um pensamento democrático de esquerda é a que defende um estado que garanta um mesmo grau de oportunidades e que, para isso, conte com uma oferta de educação, saúde e segurança igual para todos. Arrisco-me, ainda, a concluir que, na prática, o que mais se aproxima deste conceito é a Social Democracia.

Pensando em tudo isso, após a leitura de suas poucas 130 páginas, eu fico a imaginar o quão difícil é encontrar, dentro do balaio de partidos políticos que temos no Brasil, alguma proposta que seja, verdadeiramente, de esquerda e democrática.

Entre os partidos mais hegemônicos, temos o PSDB que é Social Democrata apenas no nome, mas, na realidade, defende um modelo liberal. Temos o PT que tem um discurso Social Democrata, mas não se assume como tal. Temos o PMDB que representa o que há de mais fisiológico e arcaico na forma de fazer política e os partidos nanicos, à esquerda e à direita que, mais que qualquer outra coisa, servem para emprestar suas legendas aos partidos maiores nas épocas de eleições.

Enfim, não há nada no horizonte que consiga me animar.