Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 12 de julho de 2014

Arrebatamento e emoção, com cuidado

Faz tempo que um disco novo não me arrebata. Faz tempo que uma nova canção não me emociona. Faz tempo. Aliás, fazia. Acabei de ser arrebatado pelo novo CD de Maria Bethânia, Meus Quintais.

São 13 canções, algumas inéditas, outras conhecidas, todas tratadas com um requinte extremo pela voz límpida da cantora, o que surpreende, dada sua idade avançada. Aos 68 anos, é raro que qualquer cantor consiga manter a qualidade da voz e mais raro ainda, que melhore. O único exemplo que eu conhecia era Frank Sinatra. Maria Bethânia é o outro exemplo.

Além da voz, o tratamento instrumental que as canções recebem é de extremo bom gosto. Cada arranjo, cada acorde, a escolha dos músicos, tudo muito bem cuidado. Aliás, cuidado é a palavra que melhor expressa a sensação que se tem ao ouvir o disco.

Alguma voz foi a canção que me emocionou. Não sei se é a melodia simples de Dori Caymmi, a letra impecável de Paulo César Pinheiro, a voz tocante de Bethânia ou o piano singelo de André Mehmari. Provavelmente tudo isso junto. Tudo pra emocionar, tudo pra arrebatar. Finalmente.

Alguma voz (Dori Caymmi - Paulo César Pinheiro)

sábado, 5 de julho de 2014

Som conservador

escrevi, aqui no blog, um texto em que eu assumia que a idade está me tornando, em termos de música, um cara nostálgico e conservador. E o pior é que escrevi este texto há mais de 5 anos. Imaginem agora, então. Por isso mesmo, tenho tido certa má vontade com a maioria das “mudérrrnidades” que vivem inundando o nosso cenário musical. E essa má vontade faz com que eu fique afastado, imagino, de alguma música boa que possa estar sendo criada. Paciência. É o preço que eu pago para ficar livre de todas as porcarias que se produzem por aí, numa quantidade infinitamente maior que as eventuais coisas boas, disso eu tenho certeza.

Desta maneira, quando quero consumir alguma novidade, acabo procurando discos novos de artistas antigos que eu imagino que não vão representar riscos ou, então, artistas novos interpretando compositores clássicos que eu admire. E foi nesta procura que me pareceu absolutamente seguro comprar o CD GilbertosSamba, no qual Gilberto Gil canta temas consagrados na voz de João Gilberto. Fui sem pestanejar, admirador que sou destes dois Gilbertos.

O resultado não poderia ser mais decepcionante, para mim. Onde eu esperava um Gilberto Gil cantando um ótimo repertório do mestre da Bossa Nova, acompanhado apenas de um singelo violão, numa solução simplista, o que, pra mim seria virtude, acabei encontrando uma reunião de faixas onde o acompanhamento à uma maltratada voz é executada por instrumentistas que abusam da utilização de recursos eletrônicos para produzir o som.

Intrigado, percebi na ficha técnica a presença, em várias faixas, de uma geringonça chamada MPC e, ao pesquisar no Google, descobri que vem a ser um sequenciador de pistas gerador de sons e sampler digital, ou seja, uma engenhoca que produz sons com o mesmo timbre de instrumentos de verdade, muito utilizado pelos DJs da vida. No disco de Gil, foi utilizado à guisa de percussão, cujo resultado acabou sendo chocho e sem emoção.

Uma novidade, que poderia ser boa, é a última faixa, da qual sai o nome do CD, a única inédita. É uma boa canção, mas nela se encontram todos os ingredientes negativos aos quais me referi.

Uma pena que tenha, também, feito isso com ótimas canções como Aos pés da Cruz, Doralice ou Eu vim da Bahia. Uma verdadeira blasfêmia. Imagino, porém, que há muita gente que goste destas soluções tecnológicas e, ao ler este post, vá me acusar de nostálgico e conservador. Nem precisa perder o tempo. Afinal, esta acusação eu já me fiz, no primeiro parágrafo do texto.

Gilbertos (Gilberto Gil)