Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

2008 não. 2007 até o fim.

Há alguns anos, quando minha avó já tinha mais de oitenta, ela vivia dizendo que estava ficando velha, que não sabia se passaria mais um natal, se emplacaria o ano novo. Todo ano ela dizia isso, todo ano ela emplacava. Tanto que até virou motivo de brincadeira, na família, quando ela começava com esse tipo de papo. E quando começava com esse tipo de papo eu a lembrava que já tinha ultrapassado, estatisticamente, a média de vida do brasileiro. Estava, portanto, levando vantagem. Alguém estava morrendo mais cedo pra ela poder ficar acima da média. Dizia que ela estava com o prazo de validade vencido. Todo mundo ria destas piadas de mau gosto, principalmente ela.

Em abril deste ano, escrevi um post muito emocionado em que eu falava dela, aos 93 anos, com a saúde debilitada. Falei da conversa que tivemos sobre a morte. Falei de como era nossa relação.

Este ano foi muito difícil pra ela. Ficando mais tempo em hospitais do que em casa, cada vez mais debilitada, cada vez com um problema diferente. Este ano ela não falou que não emplacaria o ano novo. Mas ninguém tinha dúvidas. Nem ela.

Acabo de voltar do seu enterro, em São Paulo. Mas a imagem de seu corpo no caixão não é a que vai ficar em minha mente. As imagens que ficarão em minha cabeça são como esta, tirada mais de quinze anos atrás:


Ela com seus bisnetos, na páscoa, em sua casa.

Gosto desta imagem pois mostra bem como ela era. Ela e sua mania de esconder ovos de chocolate pra que nós os encontrássemos. Fez isso com os netos. Fez isso com os bisnetos.

Há muitas outras imagens. Muitas delas passaram em minha mente hoje. Todas ótimas de lembrar. Vão ficar estas imagens, assim como a música que ela punha na vitrola pra tocar, quando eu tinha 2 ou 3 anos.



Minha avó não vai emplacar 2008. Mas freqüentou 2007 até o último dia.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Ouvir poesia

Eu já fui de ler poesia. Faz tempo isso. E naquele tempo, até cometi umazinhas que minha autocrítica soterrou, para o bem da humanidade. A poesia que me seduzia era a poesia rimada. E é por isso que eu gostava mais de Vinícius do que de Drummond. Depois, percebi que o que eu gostava mesmo era a poesia que se confundia com letra de música, até perceber que eu gostava mesmo era de letra de música. Até cometi outrazinhas que a mesma autocrítica salvou a mesma humanidade.

Elegi Paulo Cesar Pinheiro como minha referência. Em letra de música e em poesia. E comprei o LP com alguns poemas do seu livro Poesia Morena, declamadas por ele. O livro, muitos anos depois consegui comprar e nele a Clélia buscou uma dedicatória do autor. Percebi que preferia a poesia declamada à lida. Ouvir poesia a ler poesia. Confirmei isso ouvindo a Antologia Poética de Vinícius e de Drummond em disco.

Faz tempo que não ouço disco com poesias declamadas. Antes, cada LP que tivesse a participação de Paulo Cesar Pinheiro, tinha uma ou duas faixas com ele declamando. Nos discos antigos de Bethânia também sempre tinha. Por isso, fiquei surpreso ao ouvir o CD Paralelas de Alzira Espíndola e Alice Ruiz.

Alzira, eu conheço bem, de discos solo ou duetos com a irmã Tetê. É daquela turma de Mato Grosso da qual faz parte Almir Sater. Alice Ruiz é poeta e letrista. Parceira de Itamar Assunção, Chico Cesar, Zeca Baleiro.

Este CD mescla poemas de Alice com canções de sua autoria em parceria com Alzira. É um disco fundamentalmente feminino. Poderia se chamar Para Elas, título, aliás, de uma das canções do CD.

É bom ouvir poesia. É bom ouvir música com letra bonita. Dá uma vontade danada de se soltar, de se aventurar.

É bom que eu me contenha. Para o bem da humanidade.

sábado, 29 de dezembro de 2007

Ano Novo

Apesar de ter escrito um post sobre o natal, não me animei em escrever nada sobre o ano novo, mesmo porque, eu não conseguiria escrever algo tão bom como o que escreveu a Maristela.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Cantoras


O Brasil é prolífero em vozes femininas. Sempre tivemos cantoras excelentes para interpretar nossa rica música. Desde Dalva de Oliveira e Elizeth Cardoso, passando por Clara Nunes, Elis Regina e Maria Bethânia, todas verdadeiras divas. Mas não é só das cantoras conhecidas que se constrói este universo. Há uma infinidade, Brasil adentro, de maravilhosas vozes absolutamente desconhecidas. Algumas ansiando gravar o primeiro disco. Outras que, tendo o disco gravado, não conseguem a devida exposição na mídia, tanto por não terem um esquema poderoso de marketing por trás, quanto por não compactuarem com o esquema de jabá que impera no rádio e TV no Brasil.

Por tudo isso é que me incomoda que uma cantora como Maria Rita tenha tanto espaço. Confesso que até me interessei por seu primeiro disco. Movido pela curiosidade e bombardeado pelo maciço marketing que se fez no lançamento do CD, gostei de algumas coisas, principalmente ouvir canções de Marcelo Camelo sem ter que escutar Los Hermanos. Seu segundo disco não me interessou. Soou repetitivo e sem sal. Aliás, repetitiva e sem sal como é a sua voz. Muita gente gosta de dizer que ela canta como Elis Regina. Quem diz isso, ou não ouviu sua mãe cantar ou tem grave problema de audição. Chega a parecer sacrilégio dizer tal insanidade.

E agora, em seu terceiro CD, Maria Rita propõe emprestar sua voz enjoada pra cantar samba. E provando que não é do ramo, resolve inovar cantando samba sem batucada, cantando samba como se fosse toada, estragando composições, até que de qualidade, de Arlindo Cruz e outros compositores de algum talento. Não é a praia dela. Aliás, qual será? Será que sem este pedigree ela teria este espaço na mídia? Será que sem essa maciça campanha de marketing que acompanha cada lançamento de um disco seu, ela conseguiria vender ao menos uma centena de cópias? Acho que não. Não fossem essas ferramentas, ela seria mais uma cantora a embalar ébrios e desatentos ouvintes num boteco qualquer.

E enquanto isso, em cada boteco deste país, uma infinidade de boas cantoras mostra suas vozes pra platéias desatentas e, quase nunca merecedoras e ouvi-las. E enquanto isso há cantoras como Mariana Aydar, Fabiana Cozza, Juliana Diniz, Roberta Sá, Ana Costa, entre muitas outras, todas com ótimos discos lançados, repertório primoroso, sem a devida e merecida exposição na mídia. Eu, felizmente, tenho curiosidade suficiente pra ficar garimpando nas prateleiras das lojas e na internet, a procura destas preciosidades. E tenho tido a sorte de encontrar muita coisa de qualidade.

Mais sorte ainda eu tive, ao receber um e-mail de Andréa Dutra, com uma gravação onde ela canta um dos sambas de Paulo Cesar Pinheiro que mais gosto, em parceria com Mauro Duarte. Andréa, blogueira das melhores, é uma cantora ímpar. Faz parte do Arranco de Varsóvia e lançou um ótimo CD, acompanhada por Marcus Nabuco. Esta sim, merece brilhar.

Imbuído do tal espírito natalino, vou dividir este presente com vocês.

domingo, 23 de dezembro de 2007

João sem medo

João Saldanha foi muito popular entre as décadas de 1950 e 1970, muito conhecido como jornalista esportivo. Pois acaba de sair o livro João Saldanha - uma vida em jogo de André Iki Siqueira e, nesta biografia, mostra-se uma faceta menos conhecida de João que foi a militância. Sim, pois além de sua paixão pelo futebol, João alimentava outra que era a política.

João militou no Partido Comunista Brasileiro durante toda sua vida, sempre leal a ele e sempre muito próximo de seu comitê central. Era um militante dedicado e corajoso, tendo cumprido muitas tarefas complexas e perigosas. Foi muito ligado a Prestes, mas, quando este rompeu com o partido, João manteve-se fiel ao PCB.

A maior virtude do livro é mostrar, claramente, todas as facetas de João, o João sem medo. O João contador de histórias, nem todas verídicas, mas sempre emocionantes. Brigador, mas terno com a família e os amigos, ele não levava desaforo pra casa e não precisava de muito pra pegar um revólver e resolver alguma parada. Deu tiros a torto e a direito, mas, o único certeiro não foi dado e sim levado por ele, perfurando seu pulmão, numa invasão da UNE pela polícia.

A parte mais fascinante do livro é a que narra sua atuação como técnico da Seleção Brasileira que iria disputar o título mundial de 1970. Ele formou e treinou aquele time que depois foi entregue, de mão beijada, a Zagallo para ser campeão. O livro mostra como é difícil entender por que este comunista, em pleno regime militar, foi convidado para ser técnico da seleção, classificou-a para a Copa sem perder nenhum jogo e foi demitido alguns meses antes de ir ao México. Como o próprio João declarou: “O difícil não é entender por que fui demitido mas, sim, por que fui contratado”.

É um livro que se lê em 2 dias, apesar de suas 550 páginas. Nele percebemos que entre militante político, brigão e contador de histórias, a melhor faceta de João era a de jornalista esportivo. Foi o melhor jornalista de futebol que o Brasil já teve. Ele entendia de futebol por ter sido jogador e técnico. E entendia, sobretudo, por ser torcedor fanático do Botafogo, o que fazia com que percebesse o que se passava na cabeça do povo e, com isso, conseguia se comunicar diretamente com ele, usando a sua linguagem.

João Saldanha é de um tempo em que não era necessário ter diploma pra ser jornalista. Um tempo em que era necessário saber escrever direito pra ser jornalista. Bons tempos, aqueles.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Final do ano

Aproxima-se o fim do ano e começam a pipocar, aqui e ali, posts sobre o natal. Em alguns blogs eu comentei, falando sempre a mesma coisa. O natal não me diz nada. Por não ser religioso e por não achar nenhuma graça nisso mesmo. Simples, assim.

Já gostei do natal. Quando eu era criança, esperava ansioso por essa noite. Ansiava pelos presentes, pela mesa farta de coisas, pelo avô vestido de papai Noel. Depois disso, eu me desinteressei.

Voltei a gostar do natal quando as crianças nasceram. Quando a Cecília, a Bá e o Cauê acreditavam que não era eu que estava naquela roupa vermelha e quente. Mas as crianças foram crescendo e a coisa perdeu a graça, novamente. Faz tempo que já não suporto as mesas fartas sempre com as mesmas coisas. E os almoços com as sobras da mesa farta do jantar do dia anterior.

Este ano resolvi inovar. Chamei meu pai, minha irmã, meu cunhado e as crianças pra virem aqui pra casa. Quero fazer um jantar sem peru, sem pernil, sem bacalhau. E quero fazer um almoço que não lembre em nada o jantar da noite anterior. Estou excitado pra exercitar minha criatividade na cozinha.

O que eu tenho ansiado fortemente é pelo final do ano. Tenho ansiado as duas semanas que terei de férias, pra ver se consigo descansar um pouco, pra ver se consigo relaxar um muito. Pra colocar leitura e discos em dia. Eu esperava que esta última semana, antes das férias, seria um prenúncio deste relaxamento. Que eu iria poder desacelerar o ritmo, que eu poderia levar o trabalho em banho-maria, sem tanto estresse, sem muita briga, sem nenhuma viagem.

Qual nada. Viajo, ainda hoje pra Marabá, no Pará, e só volto no meio da semana. Tenho que encarar mais essa. A última do ano. Assim espero.


domingo, 9 de dezembro de 2007

Fome de São Paulo

Estávamos em São Paulo. Engarrafados, enrolados, ocupados com milhões de coisas. E aí, de repente, bateu aquela fome. Uma fome arretada, uma fome nordestina. Uma fome que só uma carne de sol com jerimum e macaxeira resolveria. Fomos, então, ao Andrade.

O Andrade é, há muitos anos, o maior reduto da comida nordestina em São Paulo. Lá se pode comer bem e fartamente qualquer comida do nordeste. É a melhor carne de sol da cidade e o melhor baião-de-dois que eu já provei. Fomos na tarde de sábado, 3 da tarde, já. Pouca gente, do jeito que nós gostamos. Isso não é normal, por lá. Nas noites que se aproximam do final de semana e no almoço do domingo aquele lugar fica apinhado de gente. Gente que vai pra comer e pra ouvir e dançar forró. O forró autêntico. Como deve ser.

O bom de estar em São Paulo é poder aproveitar as oportunidades. Mesmo estando enrolado, mesmo estando atrapalhado. É em São Paulo que eu mato as minhas fomes.


domingo, 2 de dezembro de 2007

Porque torci contra o Corinthians

Eu nunca torço contra. Quem já leu algum texto meu, aqui neste blog, falando de futebol, sabe que eu gosto muito mais do jogo do que de torcer. É claro que eu gosto de ver meu time vencer, mas eu só gosto quando o São Paulo vence jogando bem. E gosto quando o São Paulo vence os times mais fortes. Por isso, não me empolguei nem um pouco quando ele foi campeão com tantas rodadas de antecedência. Nenhum jogo do São Paulo, neste campeonato, me empolgou. E não tenho essa coisa de rivalidade. E se tivesse, gostaria de ver sempre os rivais do meu time em boas condições, pra poder vencê-los. Nunca achei graça em bater em bêbado ou chutar cachorro morto.

Mas, como eu disse, esse negócio de rivalidade não me pega. Minha torcida segue uma lógica regional, diferente da maioria das pessoas. Torço pro São Paulo contra qualquer outro time. Torço pra qualquer time do estado de São Paulo contra o de qualquer outro estado. Torço pra qualquer time brasileiro contra qualquer time estrangeiro. Torço pra Argentina contra um time da Europa.

Nunca torço contra, mas hoje torci contra o Corinthians. Torci pra que ele caísse pra segunda divisão. E não foi por rivalidade e nem por ser anti-corintiano. Não sou anti-nada. Torci pra que ele caísse porque gosto de futebol. Torci pra que ele caísse pra que não fosse premiada uma fórmula que buscou o sucesso fácil através de um dinheiro escuso. Torci contra a maracutaia, contra a falta de ética. Torci contra a máfia russa. Torci contra uma fórmula que privilegia os fins sem se importar com os meios.

Senti tristeza ao ver, na TV, o choro honesto de alguns jogadores. Senti pena de Betão, talvez o mais sincero dos jogadores corintianos. Percebi o sofrimento da torcida no estádio. Mas me lembrei de que uma parcela desta torcida chegou a tecer loas a Kia Joorabchian nos tempos áureos da parceria com a MSI. Tempos em que muita gente fechava os olhos pra direção de onde vinha o dinheiro. Gente que apostou no vale-tudo.

Tive mais vontade de torcer contra, aliás, quando vi o técnico do time tentando convencer os jogadores adversários a “pegarem leve”, já que eles não tinham mais chance de se classificar pra copa Libertadores devido ao resultado de um outro jogo.

Torci contra, pois não tolero covardia. Torci contra o Corinthians porque gosto muito de futebol.