Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

O compositor e a orquestra

Os raríssimos leitores deste blog sabem o quanto eu gosto da música de Edu Lobo. Já escrevi sobre ele neste post, e mais neste, e ainda neste aqui. E foi por isso que me senti bastante excitado quando li, numa revista de bordo de uma companhia aérea, uma nota sobre o lançamento do CD EduLobo & Metropole Orkest. Neste disco, além da orquestra holandesa, ele está acompanhado por Mauro Senise que toca flauta e sax e Gilson Peranzzetta, ao piano e acordeon e, ainda, responsável pelos arranjos. Ambos bastante íntimos da obra deste compositor.
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Da Metropole Orkest, confesso, nunca tinha ouvido falar, mas, pesquisando na internet, descobri que se trata de um grupo bastante respeitado no meio musical. Surpreendentemente, ao ouvir o disco, minha excitação não se transformou em extremo prazer. Não estou dizendo que o disco seja ruim, longe disso, mas não me arrebatou como eu esperava. Ouvi mais uma vez e mais outra e concluí que minha decepção se deve justamente à execução orquestral.
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A Metropole, é uma orquestra que conta com 26 instrumentistas no naipe de cordas, 18 nos sopros, mais harpa, percussão, guitarra e baixo elétrico. Apesar da inferioridade numérica, é o naipe de sopros que se impõe na sonoridade do grupo, o que me pareceu, no início, o motivo do meu descontentamento. Algumas audições posteriores me fizeram perceber que o meu desconforto se devia à performance do time da percussão.
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Pode ser clichê o que vou dizer, mas me parece tarefa muito difícil a execussão de música brasileira por instrumentistas estrangeiros, sobretudo os de percussão. Não é má vontade, muito menos preconceito. Basta ver a horda de músicos brasileiros que se instalaram nos Estados Unidos, quase todos eles contam com percussionistas brasileiros no meio de instrumentistas americanos. E a dificuldade com o ritmo é extensiva a outros instrumentos. Basta ver este famoso vídeo de Gerry Mulligan, um saxofonista americano bastante conceituado, tentando tocar Samba de uma nota só, ao lado de Tom Jobim, ao piano, sem sucesso.
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Por mais que um instrumentista seja estudioso e disciplinado, há na música algo que não se consegue transcrever nas partituras. Por mais que se saiba que uma semínima tenha ¼ da duração de uma semibreve ou que uma colcheia dure 8 vezes mais que uma semifusa, há que se perceber os efeitos especiais de músicas especiais. Música não é matemática. Se fosse, não haveria o jazz e nem o blues, não haveria a salsa, não haveria o samba. Se música fosse matemática, só haveria a polca, a marcha, o rock and roll.
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Edu lobo é muito versátil e já compôs valsas, sambas, blues e frevos. E o que a Metropole Orkest conseguiu, neste disco, foi, de certa maneira, pasteurizar suas músicas através de um tipo de formatação, apesar dos solos, alguns dos quais magníficos, de Mauro Senise.
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Repito. O disco não é ruim. Não há nenhuma sensação de arrependimento, de minha parte, por tê-lo comprado. Só não tive nenhum orgasmo musical ao ouvi-lo. Mas nem sempre isso é necessário.
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Vento Bravo (Edu Lobo & Paulo César Pinheiro)
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Canto Triste (Edu Lobo & Vinícius de Moraes)

domingo, 26 de maio de 2013

K.

Ano que vem, vão fazer 50 anos do golpe de 1964. Faz pouco tempo, se considerarmos que muitas consequências daquele acontecimento refletem na nossa vida até hoje. Mais relevante que isso, entretanto, é o fato de que a ação do aparato militar que sustentou o regime, por 20 anos, influiu na vida de muita gente que, ainda hoje, sofre seus efeitos.
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Apesar de tudo isso, há quem alegue desconhecimento do que ocorreu naqueles tempos. Essa alegação, aliás, já era utilizada naquela época, principalmente pelas pessoas que preferiam fechar os olhos e a consciência para o que estava acontecendo. E é justamente neste tipo de manifestação de desconhecimento (outrora chamada alienação, hoje o termo saiu de moda) que reside o perigo da reincidência nos erros. Uma sociedade que não conhece seu passado e não enxerga o presente, não consegue construir o futuro. Outras sociedades souberam encarar com coragem e determinação seus passados pecaminosos e expurgar suas culpas através da devida apuração dos fatos e punição dos culpados. Mais do que isso, sabem, até hoje, manter viva a verdade a respeito do que se passou para evitar a recidiva. Isso acontece na Alemanha em relação ao regime nazista e na Argentina em relação à ditadura militar, ocorrida, mais ou menos, na mesma época que a nossa.
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Enfim, para evitar o perigo, nada melhor que a verdade. E é da busca pela verdade, o tempo todo, que trata o livro K., de Bernardo Kucinski. É um livro de ficção, garante seu autor, mas nada nesta história é ficção. O relato se baseia no desaparecimento de sua irmã, Ana Rosa Kucinski, professora-doutora do departamento de química da USP e de seu marido Wilson Silva, em 1974, época em que o Brasil vivia sob a ditadura de Ernesto Geisel. O livro não trata do regime e sim da angústia de quem procura um familiar desaparecido. E, nesta procura, os personagens com que se envolve K. não são nada fictícios. Sem citar nenhum nome, é fácil, para quem conhece um mínimo da nossa história recente, identificar Sérgio Paranhos Fleury, D. Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel, dentre as figuras que permeiam a trama.
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Angústia, tristeza, revolta, impotência, enfim, todas estas sensações conduzem a narrativa, extremamente emocional, para um final mais do que previsível, tanto para quem já sabe tudo o que ocorreu nos porões do regime, quanto para quem, como K., vivia aquele momento, mas buscava, com uma reconhecida falsa esperança, agumas respostas que nunca foram dadas.

sábado, 18 de maio de 2013

A Sociedade Americana

O livro Os Americanos, do historiador Antonio Pedro Tota, não se propõe a descrever a história dos Estados Unidos e isso nem seria possível em 270 páginas. Sua proposta é falar sobre a formação da sociedade americana e, para isso, utiliza a história como fio condutor. Já na apresentação, indica que um ponto forte de sua análise é a influência que esta sociedade exerce nos outros países, sobretudo no Brasil, através da americanização. Embora esta não seja a tônica da narrativa, utiliza, em alguns momentos, a comparação entre as duas sociedades e as perplexidades que experimentam os indivíduos de uma quando expostos à outra.
 
Seguindo, na maior parte do tempo, uma orientação cronológica, o autor se detém mais demoradamente sobre aqueles aspectos que tiveram maior influência na construção desta sociedade, como a independência, a guerra da secessão, a crise de 1929, a segunda guerra mundial e a guerra fria.
 
Entre os aspectos importantes levados em conta para entender o funcionamento deste povo estão sua formação religiosa, o individualismo como base do pensamento, a paranóia do anticomunismo, a música como expressão de liberdade e o cinema como indústria de exportação de um modelo. Nenhum aspecto, porém, parece ter maior impacto na formação desta sociedade do que a questão do racismo, que permeia o livro o tempo todo, desde a chegada dos primeiros escravos africanos até a eleição de Barack Obama.
 
Aliás, o professor Tota não esconde sua admiração pelo primeiro presidente negro da história do país, destacando que sua política é diametralmente oposta à de George W. Bush. Por ter terminado o livro em 2009, demonstra grande expectativa na atuação de Obama, principalmente no que diz respeito a questões sociais internas e à política externa, sobretudo em relação à America Latina e ao Oriente Médio. Talvez seu nivel de empolgação esteja diminuído, já que, ainda hoje, em seu segundo mandato, nem mesmo a prisão de Guantánamo foi desativada.

Em tempo: Este livro faz parte da coleção Povos & Civilizações da editora Contexto. Já comprei os exemplares Os Argentinos e Os Espanhóis, dois povos sobre os quais tenho muita curiosidade.

sábado, 4 de maio de 2013

Bola e leitura

Tem gente que é boa pra contar histórias. Tem gente que é boa pra escrever. Alguns são ótimos pra fazer uma coisa e péssimos pra outra. Outros são capazes de fazer as duas. Estes são os craques. Já os craques da bola, regra geral, não têm nenhuma dessas habilidades, ao menos em público. Alguns, entretanto, se arriscam e proporcionam, para quem está ouvindo ou pra quem está lendo, momentos de prazer.
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Li, ano passado, O jogo da minha vida, livro do zagueiro corinthiano Paulo André e gostei muito. Aliás, gosto bastante da forma clara como se expressa. Suas entrevistas são sempre lúcidas e suas respostas, em geral, mais interessantes que as perguntas dos jornalistas. Na escrita também se saiu bem. Ler seu livro é muito prazeroso, principalmente pra quem gosta do futebol. Talvez até pra quem não ligue. Muito bem articulado, não tenho dúvidas que Paulo André está bastante acima da média na comparação com os boleiros em geral. Dentro de campo é normal. Não é um craque, mas carrega bem o piano.
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 Um bom contador de histórias é o volante Vampeta, campeão do mundo na copa de 2002. Suas entrevistas, em geral, são criativas e, muitas vezes, hilárias. Talvez não se saia bem exercendo a escrita e, por isso, recorreu a um expediente absolutamente lícito que foi narrar suas histórias, no livro Memórias do velho Vamp, para Celso Unzelte, professor de jornalismo, um craque na pesquisa e na escrita. Se você resolver ler o livro, esteja consciente que não vai conseguir parar. E quando terminar, ficará com vontade de ler mais.
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Entre os ex-jogadores que comentam jogos na TV, meu preferido é o Casagrande, ídolo da torcida e da democracia corintiana. Suas intervenções são lúcidas e me divirto muito quando ele discorda do Galvão Bueno, deixando o autoritário narrador desconcertado. Embora escreva bem, ele resolveu recorrer ao mesmo expediente de Vampeta, prestando depoimento ao jornalista Gilvan Ribeiro, possivelmente pelo pudor de escrever sobre si mesmo. Uma extensa campanha de marketing fez o livro Casagrande e seus demônios sumir das livrarias nas primeiras semanas após o lançamento. Não consegui comprar o exemplar em papel e resolvi estrear meu Kindle, fazendo minha primeira compra na Amazon brasileira. Paguei a metade do preço. É o próximo que irei ler, assim que terminar K., que foi indicado pela Cecília.