Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Requinte em dobro

Agradam-me os discos de cantoras consagradas com músicas de um só autor. Ella Fitzgerald deixou-nos fantásticos registros deste tipo, os famosos songbooks, em que gravou todos os grandes compositores americanos como Cole Porter, Gershwin, Rogers & Hart, Irving Berlin, Johny Mercer, Jerome Kern e Duke Ellington. Gravou, também, um songbook com as músicas de Antonio Carlos Jobim.

Isto pode parecer uma estratégia para garantir a venda dos discos, uma tática para não correr riscos lançando autores ou músicas desconhecidas. Não vejo por este lado. Aliás, pode até mesmo ser este o interesse, mas isto pouco me importa. O que me interessa é o resultado. No caso dos songbooks de Ella Fitzgerald, ele foi estupendo. Não me canso de ouvir.

No Brasil, alguns discos deste tipo me agradaram muito, como o de Beth Carvalho cantando Nelson Cavaquinho, Leny Andrade cantando Cartola, Rosa Passos cantando Caymmi ou Ari Barroso, repetindo o que Gal Costa fizera em dois discos memoráveis. Embora não fosse uma cantora conhecida, à época do lançamento, foi uma gratíssima surpresa conhecer Teresa Cristina através de um CD duplo em que cantava músicas de Paulinho da Viola.

Outra grata surpresa é este CD, Na boca do Lobo, em que Vânia Bastos interpreta canções de Edu Lobo. Vânia Bastos é uma cantora madura, que não traz nenhum traço do som estridente que tinha sua voz no início da carreira, quando cantava no grupo de Arrigo Barnabé, nos longínquos anos 80. Seus primeiros discos traziam um repertório meio modernoso, que foi se sofisticando com o tempo, muito provavelmente por influência de Eduardo Gudin, com quem veio a se casar. O ponto alto da sua carreira, em minha opinião, é o CD Vânia Bastos & cordas – Canções de Tom Jobim, em que canta embalada por orquestra com arranjos e condução de Francis Hime. Nada poderia ser mais sofisticado.

Edu Lobo é um dos compositores mais requintados de nossa música, como já falei aqui. O que me causa espanto é perceber, com pesar, o quanto lhe falta de espaço na mídia, a ponto de torná-lo um ilustre desconhecido, num país em que as duplas sertanejas e os pagodeiros comparecem até nos programas de TV que falam de futebol. A geração dos que têm menos de 30 anos, com raríssimas exceções, desconhece completamente sua existência, embora assobiem algumas de suas canções pelos cantos por ande andam. Se isso não bastasse, Edu Lobo só estabelece parcerias com letristas de primeira linha, como Paulo César Pinheiro, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Cacaso, Capinan e Gianfrancesco Guarnieri, todos com músicas presentes no CD.

Enfim, um disco duplamente requintado.



Meia-noite (Edu Lobo e Chico Buarque)