Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 29 de novembro de 2009

Futebol ou emoção?

Terminou a penúltima rodada do campeonato brasileiro de futebol, com todos os jogos no mesmo dia e no mesmo horário. Uma hora antes das partidas, entretanto, foi possível assistir Barcelona e Real Madrid, ao vivo, direto da Espanha. Foi fenomenal. Assisti ao primeiro tempo e pude me deliciar com um jogo rápido, objetivo e bonito, praticamente sem passes errados. De um lado, Messi e Daniel Alves e, do outro, Kaká e Cristiano Ronaldo, puderam proporcionar uma partida que, até a metade, me seduzia apesar de não ter gols.

Às 5 da tarde, com o jogo espanhol correndo longe da minha atenção, sintonizei em Goiás e São Paulo, sem perder de vista os jogos do Flamengo e do Palmeiras. No Serra Dourada, o primeiro choque era o gramado. Cheio de terra, com tufos verdes, aqui e acolá. Quanta diferença do tapete de Barcelona. Mas isso não foi nada. O que doía era ver a diferença das jogadas, confusas, atabalhoadas, sem objetividade, como, de resto, tem sido o futebol no Brasil durante todo o campeonato.

De positivo mesmo, só a emoção. A cada minuto os gols iam saindo em todo canto, mudando a classificação de cada time, mexendo na parte de cima da tabela e também na zona de rebaixamento. Ao final da noite, o Flamengo surge como o mais provável candidato ao título, depois de enfrentar um Corinthians desinteressado e com uma disputa com o Grêmio, provavelmente misto, no próximo domingo, no Maracanã. O Grêmio, completo, não ganhou quase nenhum jogo fora de casa. Não vai ser agora que vai ganhar, ainda mais sabendo que uma vitória sobre o Flamengo pode dar o título ao rival colorado. O São Paulo poderia ter ido para a última rodada com todas as chances de ser campeão, mas seu futebol burocrático e sem criatividade não permitiu que vencesse o Goiás. Sobre o Palmeiras, há um mês, todos diziam que seria o campeão. Não será. Não merece. Assim como o São Paulo.

Mas enfim, quem merece? Ninguém. Ou então, todos. Afinal, o que é o futebol que se joga hoje no Brasil? É um futebol de terceira, com jogadores jovens que não têm categoria pra jogar nos campeonatos europeus ou veteranos que deixaram de ter mercado no velho continente.

De qualquer forma, ninguém pode reclamar. Pra quem gosta de emoção, de competição, pra quem gosta de torcer, o brasileiro é imbatível. É o único campeonato nacional que, faltando 3 ou 4 rodadas para terminar, apresentava 5 ou 6 times com chances reais de serem campeões. Emoção garantida, portanto.

Pra quem gosta de futebol, de esporte, sempre há a possibilidade de ver os jogos do campeonato espanhol, Italiano ou inglês. Que cada um faça a sua escolha.

sábado, 28 de novembro de 2009

O amor medíocre

Pegar dois atores que desejam trabalhar juntos pela percepção mútua de que têm uma boa empatia e, a partir disso, fazer um filme para satisfazer este desejo, pode parecer uma idéia esdrúxula. Pois foi exatamente o que aconteceu com o filme Tinha que ser você, tradução infeliz que o distribuidor brasileiro encontrou para Last chance Harvey, segundo filme do diretor Joel Hopkins. Assistindo ao making off contido nos extras do DVD, é ele próprio quem dá a entender que seu trabalho foi coadjuvante. O filme e o roteiro foram feitos para saciar a vontade de Dustin Hoffman e Emma Thompson de trabalharem juntos. Dessa forma, a história poderia ser qualquer uma, isso não importa muito, já que a idéia era que ela servisse de meada para que estes excelentes atores expusessem, cada um, seu fio. O mais interessante é que eles nem parecem estar atuando. Parecem estar vivendo suas vidas, normais e medíocres, como afinal, todas as vidas são.

O enredo trata do amor maduro, e de como ele pode ser construído a partir de uma paixão. Estamos acostumados ao amor e à paixão das pessoas jovens. Somos bombardeados, diariamente, pelo cinema e pela televisão, com casais bonitos e sarados se apaixonando e se amando nos filmes, seriados e novelas. Os feios, os gordos e, sobretudo, os velhos, não amam e muito menos se apaixonam no mundo retratado pela arte de massa. E quando o fazem, é de uma maneira contida ou caricata.

Neste filme a coisa é tratada com mais naturalidade, como realmente pode acontecer na vida real, a vida mediana que todos nós levamos. Esta naturalidade se deve muito às atuações de Dustin e Emma, dois atores acima da média.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Criticar virou pecado?

Alguns dias atrás, numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o artista Caetano Veloso disse algumas besteiras a respeito do presidente Lula, chegando a ofendê-lo, inclusive. Caetano Veloso falar besteira não deveria ser novidade pra ninguém e, por isso mesmo, eu não valorizo o fato tanto quanto a mídia o fez. Aliás, nem mesmo a sua mãe, sabiamente, concordou com ele. Chamou sua atenção em público, deu-lhe um merecido puxão de orelha. Isto não vai fazer Caetano Veloso deixar de falar bobagens, já que sua incontinência verbal parece ser uma patologia crônica. Tivesse aberto a boca para elogiar o presidente Lula ou para criticar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, provavelmente teria falado besteira, também. Afinal, a qualidade que lhe sobra ao lidar com as palavras, na forma poética, lhe faz falta quando as usa para emitir opiniões. É um pouco o que ocorre com Pelé, que não consegue, dando declarações públicas, nem mesmo um milésimo da qualidade que obtinha com a bola nos pés. Alguns artistas deveriam ficar sempre calados.

De qualquer forma, o que me tem incomodado, ultimamente, não é a opinião de artistas como esses, da música ou da bola. O que tem me incomodado é o quanto as críticas ao presidente Lula são recebidas como pecados imperdoáveis por uma parcela das pessoas que eu respeito.

Eu tomo sempre muito cuidado ao criticar o nosso presidente. Temo ser confundido com a maioria que o critica pelo fato de ser nordestino; por sua origem operária; por seus deslizes na língua portuguesa; por ter um dedo a menos, perdido num acidente de trabalho. Temo ser confundido com a horda de preconceituosos que desprezam o povo brasileiro e adoram não fazer parte dele, embora dele dependam para limpar suas latrinas, varrer suas calçadas, servir os copos de chope que tomam em restaurantes requintados ou em botequins imundos.

Não aceito, entretanto, que o medo de ser confundido com os beócios me impeça de criticar aspectos de seu governo com os quais não concordo, como a sua capacidade infinita de se compor, politicamente, com qualquer exemplar da fauna brasileira. Não me tomem por ingênuo. Sei muito bem que composições políticas são absolutamente necessárias para sustentar a governabilidade. Sei também, entretanto, que o que baliza, minimamente, uma conduta política apropriada é a existência de limites e critérios na elaboração destas composições.

Nunca fui petista, mas isso não me impede de reconhecer inúmeras virtudes do atual governo. Este reconhecimento, entretanto, não embota minha visão e nem deve bloquear minha capacidade de identificar erros na atuação de Lula.

Não tenho nenhuma simpatia particular com qualquer partido. Esse tempo, pra mim, já passou. Foi uma época em que eu nutria, ainda, alguma crença na espécie humana. Como não a tenho mais, faço questão de preservar, ao menos, a liberdade de elogiar e criticar, quem quer que seja, sem sentir-me um pecador.

domingo, 22 de novembro de 2009

Há preconceito sim. E onde está o problema?

Sexta-feira passada, dia da consciência negra, que é feriado em algumas cidades brasileiras, eu fui trabalhar, como faço sempre, ouvindo rádio, sintonizado na CBN. Depois de ouvir os comentários habituais, alguns que gosto e outros nem tanto, ouvi uma reportagem feita no Rio de Janeiro sobre o preconceito racial. Dois repórteres, mesma idade, altura equivalente, trajando roupas parecidas, um negro e outro branco, foram a diversas instituições comerciais e bancárias para avaliar se seriam atendidos de forma diferenciada. O resultado óbvio é que sim, ouve diferença no atendimento.

Na concessionária de automóveis, o repórter negro, apesar de andar pelos carros zero quilômetro demonstrando interesse, não foi abordado por ninguém. O branco, sim. Em poucos segundos, havia ao lado dele um vendedor que gastou um bom tempo com explanações técnicas sobre os carros. O mesmo ocorreu numa grande livraria, no setor de informática, em que a representante comercial de uma marca japonesa de notebooks só deu atenção ao repórter de pele clara. Numa das agências bancárias em que tentaram entrar, o dispositivo que bloqueia a porta “automática” só travou para o repórter negro, embora ambos estivessem com exatamente os mesmos objetos dentro das respectivas bolsas. Muito provavelmente, o automatismo do dispositivo de segurança era o olhar atendo do vigia, de dentro de sua guarita.

A reportagem segue esta toada e acaba concluindo que sim, existe preconceito racial no Brasil. Será que alguém ainda duvida disso? A pergunta que faço é: seria só isso?

A intenção que eu identifiquei na reportagem é muito mais grave. O que se estava tentando passar é a ideia de que o preconceito é um sentimento inerente na população, um traço genuinamente cultural, quase inconsciente. Isso fica claro quando a reportagem não divulga o nome da concessionária e nem a marca que ela representa, quando não revela o nome do banco, quando não diz em qual livraria ocorreu o fato reportado. É como se o preconceito só existisse nas camadas mais humildes da população, deixando a classe dominante de fora disso. A representante comercial da “famosa marca japonesa” de computadores era negra, ressalta o repórter. E eu duvido que o vendedor da concessionária tenha dinheiro para comprar o carro zero que oferece ou que o vigia do banco tenha cheque especial. Aquelas pessoas deram tratamento diferenciado para os repórteres só por preconceito? Acho que não.

Aquelas pessoas fizeram aquilo por absoluta convicção de que o rapaz negro não teria dinheiro para comprar o carro zero ou o notebook. Pode até ser uma convicção equivocada, mas foi sincera. E essa convicção vem do conhecimento da nossa realidade. Vem da constatação de que aos negros são dadas as piores oportunidades de trabalho, os menores salários, bem menos chances de crescer. E é isso que faz com que muitos deles tenham que migrar para a informalidade, para a mendicância, para a marginalidade, eventualmente. As condições de vida da população negra, no Brasil, são piores porque isso interessa a uma elite que se beneficia de sua existência, da mão de obra mais barata, da discriminação racial da classe média. Tudo é muito mais que preconceito. É puro jogo de interesses.

O preconceito racial existe sim, isso é óbvio, mas é muito desonesto parar a discussão por aí. Como é hipócrita acreditar que se pode acabar com ele ou diminuí-lo, sem identificar, claramente, os motivos de sua existência. É muito confortável debitar à população menos favorecida o ônus desta culpa. É como se racista fosse só esta manada de vendedores, vigias e recepcionistas, todos eles também vítimas de algum tipo de discriminação, muitos deles, também negros.

O preconceito e o racismo existem sim. É até ofensivo negar. Mas o problema não para por aí.

sábado, 21 de novembro de 2009

Miopia

Quem acredita que conseguirá ter isenção suficiente, devido à perspectiva histórica, ao ler um livro 30 anos depois dele ter sido escrito, narrando fatos ocorridos 10 anos antes, está redondamente enganado. 40 anos não significam nada, mesmo numa vida curta como a nossa. Podem curar a miopia, mas não cicatrizam feridas.

Foi isso que ocorreu comigo, na semana passada, quando peguei pra ler o livro Os carbonários, de Alfredo Sirkis. Por algum motivo, não o li quando comprei, há 30 anos. E agora, escolhido a esmo na estante, devorei, rapidamente, suas páginas já amareladas.

O relato fala do movimento estudantil nos anos mais brabos do regime militar, entre 1968 e 1969. Mostra como uma parcela da juventude, da classe média da época, resolveu embarcar numa canoa que, os fazia crer, levaria a um mar de águas mais limpas e, sobretudo, mais justas. A mesma classe média, que havia marchado com deus e a família, estava agora dando alguns de seus filhos para a aventura da luta armada. Desiludida com a redentora, vendo a água chegando aos seus pés, a mesma água que já tinha afogado muita gente, reagiu a seu modo, ensaiando uma indignação efêmera, pra depois abandonar os filhos à própria sorte. De repente, eram alguns gatos pingados, desviados do caminho, mas a vida segue, o que se há de fazer?

O livro nos mostra o quanto aquela geração acreditou neste caminho e o quanto não foi capaz de ganhar a população para a sua luta. Não ganhou os próprios pais, não ganhou a esquerda engessada (às vezes auto-engessada), não sobreviveu. Mostra a divisão entre os diversos grupelhos de esquerda, minúsculos, sectários, inconciliáveis, e como a repressão fez uso disto com muita facilidade. O livro escancara a bravura, a inocência e a ilusão de uma legião de meninos sinceramente bem intencionados. Depois da derrota, nunca mais conseguimos produzir meninos assim no nosso país. Depois da derrota veio a desilusão, o desbunde, a apatia. Ler o livro com 30 anos de distância só ajudou a compreender, mais facilmente, o quanto era inglória aquela empreitada, o quanto era óbvia a incapacidade de vitória, o quanto foram ingênuos aqueles meninos guiados por pessoas tão experientes quanto irresponsáveis.

Tivesse lido o livro à época do lançamento, à beira da abertura, teria praticamente a mesma reação que tive ao lê-lo agora, 30 anos depois. Uma reação carregada de indignação com as atrocidades que os detentores do poder foram capazes de patrocinar. Morte, tortura, sofrimento desmedido. A distância pode ajudar a curar a miopia, mas não é suficiente para diminuir a indignação. Esta, acho, nem 100 anos conseguem isolar.

sábado, 7 de novembro de 2009

Samba em Almanaque

A sensação imediata que tive, ao começar a ler Almanaque do Samba de André Diniz, foi de uma incômoda superficialidade. Percebi rapidamente, entretanto, que não seria possível tratar a história do samba e de suas conseqüências e ramificações num livro de 270 páginas. Nem 200 livros deste tamanho seriam suficientes para tratar o tema com a profundidade que ele merece. Por isso mesmo, e felizmente, consegui prosseguir a leitura encarando o que levava nas mãos como o que ele realmente é, um almanaque, obviedade explícita em seu título.

Como almanaque, o livro é delicioso. Apesar do deleite, me consumia, durante a leitura, outra sensação, a de vazio. Não que as informações ali contidas não fossem importantes ou corretas, muito pelo contrário, mas, ao longo de todo o livro, não me deparei com nenhuma sequer que eu já não soubesse. E esta sensação de vazio, ainda bem, não chegou a me provocar uma outra, que seria muito pior, a de decepção. Não, absolutamente. Li o livro pensando nas pessoas que acham que samba é aquela música que fazem certos grupos vestidos com paletós de mangas dobradas e ficam dançando e dublando nos programas dos Faustões da vida. Consegui ler um livro desprovido de informações desconhecidas, com inexplicável prazer. E esse é o prazer que me provoca o samba que, de tão amado, beira o sectarismo.

O início do trabalho é dedicado às origens e vai enveredando pela história, numa linha temporal conservadora e correta, passando pelos grandes compositores, os grandes intérpretes, as escolas de samba, até chegar nas influências que o samba desencadeou. É aí que, a meu ver, reside o seu ponto fraco. Ou então, é aí que se esconde a minha intolerância, quiçá meu preconceito. É que enquanto não contesto o valor que a Bossa Nova ou o movimento tropicalista tiveram, influenciados com obviedade pelo samba, o autor transige com excessiva benevolência com o Axé e o Pagode Paulista, um arremedo de música, bonde que alguns artistas oportunistas souberam tomar para faturar alguns trocados.

Fora isso, apenas alguns deslizes, mínimos, que meu amor ao samba acaba por superlativar. Deslizes como afirmar que Samba do Avião é de autoria de Tom e Vinícius sendo que letra e música são exclusivamente da autoria de Tom Jobim. E não foi um erro de digitação, já que utiliza este clássico do nosso maestro soberano para ilustrar o verbete do poetinha.

Outro deslize ocorreu ao informar que a Academia Brasileira de Letras exaltou a qualidade dos versos do samba Quem me vê Sorrindo de Cartola e Carlos Cachaça exibindo um trecho dos versos: “semente de amor, sei que sou, desde nascença...”. Na verdade, os versos citados são de outro samba da mesma dupla com Zé da Zilda, chamado Não quero mais amar a ninguém. Uma verdadeira confusão. De positivo, só o fato dos dois sambas serem magníficos.

Os deslizes, reconheço, são poucos e pequenos e não comprometem a qualidade do livro. Reconheço, também, que eu sou um chato de galocha e que consigo ficar irritado com esse tipo de coisa, irritação que passa rapidinho, depois de dois copos de cerveja.

A conclusão é que o livro é bom. É gostoso de ler e é útil para quem conhece pouco de samba e, principalmente, quem acha que samba é aquilo que fazem aqueles grupos dos paletós de manga dobrada. Samba, de verdade, de luxo, é uma coisa muito diferente daquilo. Aquilo é lixo.