Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Outro balanço – Futebol brasileiro

O desfecho do campeonato brasileiro teve, ao menos, duas virtudes. A primeira foi a de desmistificar a idéia de que, pra ser campeão, o clube tem de ser bem administrado, gerido como uma empresa, organizado profissionalmente e pagar os salários em dia. Todos disseram, ao longo do campeonato, coisas assim. Vaticinaram a vitória do Palmeiras, depois do São Paulo e por fim, do Internacional. Fosse assim, o Flamengo teria feito companhia ao Fluminense e ao Botafogo na luta para escapar do rebaixamento e o meu São Paulo teria erguido a taça pela quarta vez consecutiva. Por sorte, o futebol consegue nos surpreender e, por isso, nos dar prazer. Isso não quer dizer que se possa continuar avacalhando as coisas como alguns clubes insistem em fazer. Se tudo continuar como está, o Flamengo vai levar mais 17 anos para ser campeão novamente. Se não inovar, a nova presidente, Patrícia Amorim, vai ver seu time fazer um papel medíocre em 2010. Aliás, pelo que tudo indica, Vasco, Fluminense e Botafogo irão continuar rondando as últimas colocações do campeonato. Nada dá algum sinal de que as diretorias destes clubes terão comportamento diferente do que vêm tendo nos últimos anos.

A segunda virtude deste campeonato foi a queda do salto alto dos técnicos professores doutores. A vitória de Andrade sobre Luxemburgo ou Muricy, lavou a alma de quem se enoja com a prepotência e arrogância que imperam neste meio. Há séculos que Tostão vem sustentando que, principalmente a imprensa, dá, aos técnicos, muito mais importância do que eles efetivamente têm.

Do meu lado, vou continuar vendo futebol com os olhos nostálgicos e melancólicos. Nostalgia de um tempo em que jogar bola era uma forma de fazer arte. Afinal, para um são-paulino que teve a oportunidade de ver jogar Roberto Dias, Pedro Rocha ou Dario Pereyra, dói, mortalmente, ver seu time depender de gols do Washington. A melancolia fica por conta da convicção de que isso não volta mais. Vou continuar achando o jogo bonito mais importante do que o jogo vencido e, como 2010 será ano de copa, tenho certeza que, mesmo que a seleção brasileira vença, vou continuar preferindo a de 82, a que mais me emocionou.

E por absoluta falta de talento para falar mais sobre o assunto, fica este samba de Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro, que talento têm de sobra:









Samba bom de bola - Moacyr Luz


Fazer samba é que nem jogar bola
Na rua, no campo ou no quintal
Tem que ter malícia, jogo de cintura,
Ginga, malandragem e coisa e tal
Um bom samba é que nem um gol feito
Depois dos noventa e na final
Com a mão do juiz encerrando a partida
Pro grande delírio da geral

Um samba bom é que nem o Pelé dando lençol
É que nem o Brasil consagrado penta campeão de futebol

Jogar bola é que nem fazer samba
É que nem batucar feito o Marçal
Tem que ter cadência, ter letra bonita,
Encarando o Noel no pau-a-pau
Um bom jogo é que nem escutar
O Cartola, o Ismael e o Dorival
Com a escola querida vencendo o desfile
Ganhando o troféu do carnaval

Um jogo bom é que nem o balanço do João
É que nem a batida do samba do Baden tocando violão.


E como samba bom é igual a gol bonito, sempre vale a pena ouvir de novo. Ei-lo cantado por dois craques:








Samba bom de bola - Teresa Cristina e Junior






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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Balanço oportuno – Governo Lula

Incomoda uma atual dicotomia a respeito do presidente Lula. Há os que o idolatram e creditam a ele tudo o que de bom tem acontecido ao país, isentando-o de qualquer mal. Já àqueles que o criticam sem critério, os aspectos positivos de nossa vida devem-se exclusivamente aos humores do mercado, aos fenômenos da natureza ou aos desígnios divinos e, todos os malefícios debitam-se da conta de seu governo ou sua forma de governar.

Havemos de ser justos. Ou se credita a ele tudo de bom e tudo de mal que nos ocorre ou acreditamos que o nosso mundo é uma bola que anda sozinha, acertando o gol, a trave ou sumindo pela linha de fundo, sem que ninguém a direcione. Quisera eu viver num mundo em que esta segunda opção fosse possível. Seria bom que nosso país fosse sólido o suficiente para voar imune às turbulências ou aos humores do piloto. Não é. Talvez, nenhum seja. Rendo-me, então, a reconhecer sua responsabilidade em muito do que se passa de positivo no Brasil, assim, como lhe impinjo as culpas de parte do que anda mal em nossa nação. Prefiro assim. Quero reconhecer seus méritos sem idolatrá-lo, já que abomino ídolos, e quero poder criticá-lo sem cair na armadilha do preconceito. Uma e outra coisa são o que mais se vê por aqui.

Quem critica Lula é, basicamente, a classe média. A população mais pobre percebeu uma sensível melhora em seu padrão de vida e associa essa melhora ao governo. Se essa associação é pertinente ou não, pouco importa. A classe dominante tem levado a sua vidinha como sempre levou. Banqueiros, megaempresários, grandes empreiteiros, estão todos numa situação muito confortável, nada mudou. Lula se elegeria muito facilmente, caso pudesse ser candidato, hoje. Afinal, agrada a classe pobre e não desagrada a classe dominante.

A temporada eleitoral já se inaugurou há tempos e anda a todo vapor. Lula emplacou Dilma dentro do partido e Serra conseguiu vencer, meio na marra, é verdade, as principais resistências entre os tucanos. Será uma disputa ferrenha. Dilma tende a crescer mais e virar gente grande. Deve brigar pau a pau com Serra. Marina e Ciro devem continuar insignificantes.

Há grande diferença entre Dilma e Serra, mas há grandes semelhanças entre eles, também. Aliás, as semelhanças entre Dilma e Serra são maiores que as semelhanças entre cada um deles e seus respectivos aliados. O mais natural seria Dilma e Serra estarem na mesma trincheira e do outro lado do campo de batalha, na outra trincheira, o PMDB estar ao lado dos Demos. Os tipos de farinha estariam mais bem acomodados dentro de cada saco. Já foi assim, no passado. Faz tempo que não é mais. Já passamos desta fase.

De toda forma, não vai ser tão fácil eleger Dilma. Afinal, a candidata não tem o prestígio que o Presidente goza em relação à classe pobre. Também não tem a confiança que Lula conquistou junto à classe dominante. Aliás, uma confiança que a classe rica não deposita em Serra. Talvez confiem menos nele do que na candidata governista. Com isso, na eleição de 2010 a classe média pode ter um papel mais importante. Quem souber tratá-la com perspicácia, pode se dar bem.
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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Motivos para assistir Julie & Julia

O título deste post não é o que parece ser. Não, eu não estou tentando convencer ninguém a assistir este filme. Cinema é uma coisa muito séria pra gente ficar indicando para os outros. Ao que se refere o título são os meus motivos para assisti-lo.

O principal deles é que se trata de uma comédia romântica. E eu, tenho que confessar, gosto de comédias românticas. Sei que, em geral, são fúteis, idiotas e previsíveis. Pois quanto mais fútil, mais idiota, mais previsível, mais eu gosto. Não tem uma justificativa, não tem perdão. É uma falha de caráter, eu sei, entre tantas outras.

A diretora é Nora Ephron, craque neste tipo de filme. São dela Sintonia de amor, Mens@gem para você e A Feiticeira, entre outras bobagens, algumas deliciosas. Conta, como protagonistas, com Meryl Streep e Amy Adams.

Devo confessar que tenho alguma má vontade com Meryl Streep. Sei que ela já ganhou 2 Oscars e foi indicada uma dúzia de vezes. Mas tenho má vontade com ela. Acho-a exagerada, quase sempre. Achei isso em O Diabo Veste Prada e em Terapia do Amor, por exemplo. O único papel em que gostei de sua atuação foi em As Pontes de Madson. Provavelmente, sua atuação foi ótima em outros filmes, talvez em todos. Continuo com má vontade. O problema não é ela, sou eu.

Aqui, achei-a absolutamente caricata, interpretando Julia Child. Isso me incomodou durante toda a exibição e esse sentimento só passou quando cheguei em casa e, procurando no YouTube, encontrei filmes da verdadeira Julia. Pude perceber, então, quão perfeita foi a caracterização feita pela atriz. Admirável!

Amy Adams está se transformando na nova namoradinha da América. Fez pouco mais que uma dúzia de filmes bobinhos, dos quais assisti dois ou três, incluindo o inacreditavelmente idiota Encantada, que vi no avião, indo ou voltando da Alemanha, dublado em português. Uma bobagem de dar medo.

Julie & Julia tem ainda, num papel coadjuvante, o ator Stanley Tucci, um dos meus preferidos.

Saí do cinema feliz. Há muita coisa que me agradou no filme. Ele fala de blogs e de gastronomia, dois assuntos que me interessam e me divertem; a trilha sonora é discreta e interessante; a caracterização de época bem feita. E, como se tudo isso não bastasse, Amy Adams é uma gracinha.
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domingo, 6 de dezembro de 2009

Pornografia

Moacyr Scliar é um grande contador de histórias. Já disse isso, aqui, quando escrevi sobre o livro Os Vendilhões do Templo em que, assim como em A Mulher que Escreveu a Bíblia, ele se utilizou de uma temática religiosa para criar sua narrativa. E isso aconteceu novamente agora, em seu mais recente livro, Manual da Paixão Solitária. Apesar de muito bem escrito, o livro não me empolgou. Talvez essa repetição da temática seja o que tenha tirado um pouco minha empolgação com este seu novo texto. Ou, então, a inserção do componente erótico, quase pornográfico, que domina a narrativa. Outro autor que admiro, mais pelas crônicas do que pelos romances, o João Ubaldo Ribeiro, publicou A Casa dos Budas Ditosos, recheado de pornografia. Também achei o livro ruim. Muito pior que este de Scliar.

Não tenho nada, a princípio, contra a pornografia. Posso até gostar dela, contando que alimente minha imaginação e conduza a um erotismo que, realmente, me excite sexualmente. Isto nem sempre é muito fácil. A pornografia, pra funcionar, tem que mexer com a mente, tem que criar um imaginário instigante, que nos leve a sonhar um sonho que pareça minimamente factível, uma situação possível. E é aí que as várias formas de expressão podem ter maior ou menor chance de lograr sucesso.

A literatura tem um poder muito maior de incitar a imaginação do que o cinema. No cinema, a coisa já vem pronta, construída, escolhida. Na literatura, quem faz as escolhas é o leitor. Por mais que o texto seja explícito, detalhado, sempre sobra espaço pra criação de imagens, paisagens e tons. No cinema as cores estão prontas. Por isso, a um filme, só resta a opção de tentar mostrar alguma coisa que esteja escondida por detrás das imagens. Acaba sendo a antítese dos livros.

Por isso, o que mais me cala fundo, em termos de erotismo, ou mesmo de pornografia, são as narrativas, muito mais do que as imagens. Os filmes pornográficos, aliás, de forma geral e, sobretudo, os mais novos, pecam pela total falta de imaginação, com suas seqüências padronizadas do tipo chupa-é chupado-mete-goza na boca. É sempre a mesma coisa. Sempre. Sem falar na inaturalidade das posições, acrobáticas quase sempre, em sua tarefa de mostrar pra câmera, os ângulos e os detalhes que não deveriam aparecer. Não seria necessário, na verdade.

Sou do tempo em que as revistas masculinas sonegavam tudo. Nem sequer um mamilo era liberado, que dirá um chumaço de pelos pubianos. Hoje, vê-se mais que em consulta ao ginecologista (parafraseando Aldir Blanc). Pelos pubianos continua-se a não ver, pois já não os há (o que fizeram com os pelos pubianos?). Com tanta sonegação de imagens, o exercício da erotização ficava por conta da nossa criatividade. E como sou de uma geração que chegou a ter acesso aos últimos catecismos de Carlos Zéfiro, fica bem claro que mais do que os traços toscos de mulheres nuas e falos desproporcionais, o que levava os jovens às nuvens, eram as histórias contidos naqueles quadrinhos.

Com tudo isso, uma narrativa erótica ou mesmo pornográfica, produzida por um competentíssimo contador de histórias deveria sempre levar ao ápice da excitação sexual. Nem sempre isso dá certo, descobri.