Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Incoerência

Li Mario Vargas Llosa, pela primeira vez, quando ainda era adolescente. O livro era Pantaleão e as visitadoras e a leitura não me animou muito. Tanto que o outro livo dele que eu tinha, Conversa na Catedral, ficou mofando na estante, intocado até hoje. Fui ouvir falar de Vargas Llosa, novamente, no começo da década de 1990, quando ele se candidatou à presidência do Peru. Achei seu discurso muito alinhado com o de FHC. Pareceu-me um clone, um tucano peruano. Perdeu as eleições para Alberto Fujimori. Difícil acreditar que ele seria pior.

Algum tempo atrás, vi Pantaleão no cinema e achei divertido. Na época, pensei até em ler o antigo livro novamente, mas não passou de um pensamento volátil. E, agora, resolvi ler seu último lançamento, Travessuras da menina má.

Vargas Llosa escreve bem, não dá pra negar. O livro não empolga, mas prende a atenção e isso é sempre um bom indicativo. Afinal, literatura serve também pra entreter. É um ótimo livro pra ler nas férias, quando se está querendo desocupar a cabeça das minhocas. Não estou, entretanto, dizendo que o livro não faz pensar. Muito pelo contrário. Como é um livro sobre o amor, dá vazão a muitas reflexões.

O amor do protagonista pela menina má é um amor incondicional e unilateral. Isso criou em mim uma sensação dúbia. O amor incondicional é o meu ideal de amor. É a forma que eu acredito que todo amor deveria ter. O que não faz exigências, o que não pede nada em troca, o que se sustenta por si só. Basta estar amando. Desta forma, por ser incondicional, o amor não deveria exigir a reciprocidade. E é nessa unilateralidade que eu não acredito. Não acredito que o amor possa se sustentar sem ser correspondido. Acredito no amor não exclusivo, mas não acredito no amor de uma só via. Pode-se amar mais de uma pessoa. Não se pode amar sem ser amado.

Percebo a contradição de minhas palavras. Afinal, como se pode idealizar um amor incondicional ao mesmo tempo em que não se acredita no amor unilateral? Não seria essa uma condição? Incoerente?

Mas é assim mesmo. Entre todas as características do amor, uma das mais fortes é a incoerência. E talvez a mais fascinante.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A boa nova

Envelhecer traz muitos perigos. Dois dos mais comuns são tornar-se nostálgico e conservador. Acho que estou sendo acometido destes dois pecados. Pelo menos no que diz respeito à música. Explico melhor.

É que ando tendo muito pouca paciência com as novidades, tanto na música brasileira quanto no jazz, minhas principais preferências. E essa falta de paciência tem me provocado falta de curiosidade. Por isso, acabo sempre garimpando as prateleiras das lojas, reais ou virtuais, em busca das mesmas coisas, das músicas de Tom, Chico Buarque, Gil e Paulinho da Viola. Busco Miles Davis, Cole Porter, Gershwin e Ella Fitzgerald. Procuro Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro, Monarco e João Gilberto. Anseio por ouvir Sinatra, Tony Bennett, Elizeth e Cauby. Só Cartola ou Nelson Cavaquinho me comovem. Só John Coltrane ou Bill Evans me fazem perder o prumo.

Quando penso muito nisso, procuro corrigir a rota e saio a procura de coisa nova. Mas tem tanta coisa e tanta coisa ruim, que acabo desanimando. Volto à minha busca nostálgica e conservadora.

Por isso mesmo foi que me peguei surpreso e satisfeito ao descobrir uma cantora nova, cantando só gente nova, num disco garimpado na internet. Trata-se do CD Nosso, de Dani Gurgel. Foi a caminho do trabalho, no carro, que, por acaso, seu disco começou a tocar. E, sem que eu tivesse prestando especial atenção, minha atenção foi fisgada. Faixa a faixa, as canções se sucediam uma após outra, cada qual com sua levada diferente, todas envolventes.

Num determinado momento, sua voz e seu jeito de cantar me lembrou Rosa Passos. Não a Rosa de hoje, arquétipo de celebridade, travestida por si própria em diva, cantora eterna de eternas bossas novas. Sua voz lembrou-me a Rosa Passos de 1979 do disco Recriação, quando me apaixonei por Formicida, corda e flor, logo depois gravada por Nana Caymmi.

Dani Gurgel é muita coisa.
Cantora, fotógrafa e blogueira, a menina tem tudo pra estourar. Só espero que não vire diva e nem celebridade.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Simples assim

Quando eu era moleque e queria andar de bicicleta, a solução era pedir pra quem tivesse que me deixasse andar. Simples assim. Quando ele deixava, bastava pegar a magrela, pedalar pelas ruas do bairro e devolvê-la depois.

Se ele não deixasse, era bem simples também. Bastava ameaçá-lo:

- Se não me deixar andar, eu te dou uma porrada!

A coisa só se complicava se ele, mesmo assim, continuasse negando. Aí, não havia outra alternativa, a não ser, cumprir a ameaça. Se não cumprisse, ficaria desacreditado no bairro e nunca mais poderia andar de bicicleta.

Não era só eu que fazia isso. Toda a molecada fazia. Era a lei da rua. E todo moleque era esperto o suficiente pra só ameaçar alguém em que pudesse bater, alguém mais fraco ou mais covarde. Todo moleque esperto sabia que não podia ameaçar alguém mais forte ou mais corajoso. E se não soubesse disso e cometesse esse erro, levava ele, umas porradas e aprendia rapidinho.

Quando eu ganhei, do meu pai, a minha bicicleta (uma gloriosa bicicleta Tigrão), passei de algoz a vítima. Aí, tive que aprender a não negar um passeio de bicicleta a quem fosse mais forte ou mais corajoso que eu. A vida era assim. Bem simples. Quem era mais forte vencia quem era mais fraco. E quem era mais fraco, pra não apanhar, recebia ajuda do irmão mais velho ou até do pai. E se não tivesse jeito, continuava apanhando, até crescer ou criar coragem.

Não fique escandalizado com isso, por favor. Isso pode não acontecer com seu filho que mora num condomínio e vai pra escola de transporte escolar. Mas, no meu tempo, era assim que as coisas funcionavam e, tenho certeza, ainda funcionam nos bairros da periferia.

Estou pensando nisso, pra entender melhor essa coisa que está acontecendo na faixa de Gaza. Eu digo coisa, pois já li tanta gente chamando de tanto nome diferente que fica difícil saber como chamar. Guerra, conflito, reação desproporcional, ofensiva, retaliação, enfim, acho que vou chamar de massacre, mesmo.

Pois bem. Vamos fazer de conta que eu acredito, homem de boa fé que sou, em tudo o que sai nO Globo, na Veja, na Folha de São Paulo, e em 99% da mídia instituída. E vou fazer de conta que não haja toda uma realidade histórica embasando essa coisa. Afinal, se toda a mídia está desprezando a história pra veicular as notícias e, principalmente, as análises, eu também tenho direito a este desprezo. Ou, então, vou fazer de conta que não sou um adulto e que raciocino como moleque, já que tem muito moleque sendo atingido naquela região.

Sendo assim, baseado na informação que recebo, eu poderia fazer uma associação com meu tempo. O Hamas jogou umas pedrinhas no terreno de Israel. Israel, que é muito mais forte, joga uma tonelada de pedras em Gaza, sem se importar com quem esteja brincando no quintal. Joga mais pedras no hospital, na escola, no parquinho, enfim, fica mais de vinte dias jogando pedras, machucando gente, destruindo tudo, a tal ponto que, até quem não tem nada a ver com isso começa a se incomodar. Até que, um belo dia, a dona ONU vai até Israel e diz que é pra parar de jogar pedra em Gaza.

E é aí que as coisas se complicam. Pois a dona ONU pediu pra andar de bicicleta. E Israel não deu nem bola. Israel não quis nem saber. E agora, dona ONU? O que fazer? Não vai ameaçar? E se ameaçar e Israel não der pelota e continuar a jogar as pelotas em Gaza?

Que vergonha, dona ONU. A senhora foi até lá, e no dia em que estava lá, mandando eles pararem, onde foi que eles jogaram pedras? Num prédio da ONU!

Não vai fazer nada?

Olha bem. A molecada toda vai ficar falando:

A ONU não é de nada, só come marmelada.

Antônio Maria

Quase não leio mais jornais. Não é que não goste de ler. Isso não me dá azia, muito pelo contrário. É que não confio neles. Já tive a ingenuidade de encontrar jornal imparcial e honesto. Sei que imparcialidade não é possível. Honestidade é. Infelizmente, não a encontro. Então, não leio mais notícias. Mesmo porque, o que me interessava no jornal eram os cadernos de política. Não dá pra ler. Não dá pra confiar. Agora, quando leio, eventualmente, são os cadernos de esporte e os cadernos culturais. O que me seduz, ainda, é a leitura das colunas. E só leio as colunas de quem eu gosto, ou quase gosto. Vá lá, leio também as de quem não gosto. Às vezes.

Leio a coluna do Cony, do Ruy Castro, do Jânio de Freiras, do Contardo, tudo na Folha. Leio as colunas do Veríssimo, do João Ubaldo, do Mathew Shirts, do Mário Prata, em outros jornais. Leio o Juca Kfouri, a Soninha e o Tostão. Leio a coluna do Fernando Calazans. Leio até o Jabor. Até o Nelson Motta. Até o Clóvis Rossi. Até quem não gosto muito, eu leio.

Não é sempre que tenho tempo para ler e quando vou viajar de avião, principalmente em viagens longas, costumo fazer um rapa em várias colunas, novas e antigas, imprimo e levo comigo. Com isso, acabo gostando mais daquelas colunas que são atemporais, que dependem menos do que está acontecendo na atualidade.

Por isso, causou-me grande prazer a leitura das crônicas que Antonio Maria escreveu no jornal Última Hora, de 1959 a 1961. São absolutamente atemporais. Reunidas no livro Benditas sejam as moças, por Joaquim Ferreira dos Santos, as crônicas retratam um Rio de Janeiro que talvez ainda exista, se não na Barra, quem sabe em Copacabana, Tijuca ou Vila Isabel. Os textos desnudam, com elegância e picardia, a sociedade carioca, da zona sul e do subúrbio, com sua ginga, sua malandragem e preconceitos. Retrata, sobretudo, a mulher carioca e acaba, de certa forma, retratando a mulher brasileira.

Fazia tempo que não extraia tanto prazer de uma leitura.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Morno

Roberto Carlos despontou no início dos anos 1960. Num período aberto à rebeldia, passou ao largo dela e simbolizou o bom moço que as mães carolas ansiavam para namorar suas filhas. Lançou seus discos ao longo de 40 anos, sem nunca arriscar. Essa foi sua marca. E apesar disso, é injusto negar a qualidade de muitas de suas músicas e da sua forma de cantar. Transformou-se num rei, merecidamente. Canta e encanta gerações de fãs, com seu jeito calmo e sublime. Sempre reverenciou a Bossa Nova e diversas vezes declarou sua admiração por João Gilberto e Tom Jobim. É um dos maiores ícones de nossa cultura popular.
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Caetano Veloso despontou no início dos anos 1960. Num período aberto à rebeldia, ergueu esta bandeira e foi sempre sua voz. Simbolizou tudo o que os pais de classe média não queriam que seus filhos fossem. Lançou seus discos ao longo de 40 anos, sem nunca ceder ao conforto do sucesso. Sempre arriscou. Essa foi sua marca. E apesar disso, conseguiu um considerável sucesso em sua carreira, imprimindo em nossa cultura, sua peculiar maneira de compor e cantar. Canta e instiga gerações de fãs, com seu estilo provocativo. Sempre reverenciou a Bossa Nova e diversas vezes declarou sua admiração por João Gilberto e Tom Jobim. É um dos maiores ícones de nossa cultura popular.

Dois símbolos tão distintos, têm a facilidade da sintonia, como quando Roberto canta Força Estranha, de Caetano ou quando Caetano canta Fera Ferida de Roberto. Certamente, esta sintonia deve muito à Bossa Nova e a Tom Jobim.

Por tudo isso, um disco reunindo estes dois grandes astros cantando só músicas do grande maestro, só poderia resultar num CD muito quente. Pois não foi o que aconteceu. O CD Roberto Carlos e Caetano Veloso e a obra de Tom Jobim é um disco morno. Caetano está muito Roberto Carlos no disco. Não se aventura, não inova, não arrisca. Isso pode cair bem na pele do rei, mas não convence na pele de Caetano. Roberto, por sua vez, está absolutamente desconfortável cantando Bossa Nova. Sua praia nunca foi o samba e Bossa Nova é samba, no final das contas.

Tanta coisa boa podia ter sido feita, aproveitando esta oportunidade, e tanta bobagem foi feita neste disco. Eles poderiam ter cantado muitas faixas juntos e não o fizeram. Quando fizeram, o resultado foi absolutamente óbvio. Há uma gravação de Insensatez em espanhol que é de uma insensatez atroz, me perdoem o trocadilho infame. Infame mesmo, aliás, são os arranjos pasteurizados de Eduardo Lage, há tantos anos fazendo os arranjos pasteurizados dos discos de Roberto, que nesses casos, funcionam muito bem. Neste, não funcionou.

O disco não é horrível. Pode ser até agradável ouvi-lo, desde que você esteja na sala de espera do seu dentista ou no elevador de um shopping center. O disco não empolga. Não é ruim, mas é morno. Isso é muito pouco quando se reúnem 3 símbolos tão importantes da nossa cultura.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Roberto Dinamite e Barack Obama

Quando uma coisa está muito ruim, nossa expectativa é que qualquer mudança será para melhor. Temos uma tendência a nos esquecer aquele ditado que diz que nada está tão ruim que não possa piorar. Na verdade, mesmo que não piore, as expectativas geradas, nestas situações, sempre tendem a criar decepção. Foi o que aconteceu com a eleição de Roberto Dinamite para a presidência do Vasco da Gama.

Sempre foi barbada que qualquer solução seria melhor para o clube carioca do que a permanência de Eurico Miranda. Por isso mesmo, toda a massa pensante, que admira o futebol, torceu pela vitória de Roberto. Eu também torci. E Roberto venceu. Venceu e foi empossado. E junto com ele, levou para São Januário toda a sua inexperiência, o que fez com que acumulasse uma série de decisões equivocadas. Tudo absolutamente compreensível. Parece que está encontrando o caminho certo, agora.

Já deixei claro, neste blog, que gosto mais de futebol do que de torcer. Mas, da mesma forma que torci para o Corinthians cair em 2007, no ano passado torci para o Vasco sobreviver na primeira divisão. E fiz isso, não porque tenha alguma simpatia especial pelo clube (sentimento que só nutro pelo São Paulo), mas porque queria evitar o que parecia inevitável, ou seja, que aquela turminha de sempre tivesse um motivo pra lamentar a saída de Eurico.

Aparentemente, isso não aconteceu. Aparentemente, a grande torcida cruzmaltina está apoiando o novo presidente.

Presidente Dinamite, este não é o momento de pisar na bola.
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Desde cedo, assumi, muito claramente, neste blog, minha preferência por Barack Obama como o candidato democrata à sucessão de Bush Jr. Ressaltei até meu medo de que a disputa acirrada com Hilary Clinton enfraquecesse a peleja principal em favor do candidato republicano. Quando Obama venceu as eleições, minha esperança estava acesa. Esperança por sua posição a respeito do bloqueio comercial a Cuba, por suas declarações a respeito do modelo de política externa que pretendia adotar, em relação à América Latina e ao Oriente Médio. Principalmente, tive esperança, por perceber o quanto seu nome estava mobilizando a metade progressista da população americana.

Hoje, a poucos dias da posse, minha esperança se esvaece. Noto em Obama uma extrema timidez no que diz respeito a estabelecer uma conversa mais direta e objetiva com a ilha de Fidel. Na verdade, é Raul Castro que está dando sinais inequívocos de que busca algum entendimento. A escolha das figuras que irão compor seu governo causa decepção em toda a esquerda norte-americana, e, sobretudo, o que mais me incomoda e desanima é seu silêncio a respeito da questão Palestina.

O momento e a posição de Obama não admitem o silêncio. É necessário que ele se manifeste, agora, claramente, sobre este genocídio que está ocorrendo na faixa de Gaza. É necessário que o presidente eleito dos Estados Unidos mande um sinal a Israel de que esta atitude não pode ser tolerada.

Presidente Obama, este não é o momento de ser covarde.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Início de ano

Começa um novo ano, hoje. Eu, que não sou dado a valorizar este tipo de data, entro nesta nave com uma sensação ruim. Não estou me referindo à crise financeira ou ao fim das férias, mesmo porque, eu não as gozei. O que me incomoda é a tal reforma ortográfica que querem me forçar a obedecer. Tenho uma enorme tendência a rebelar-me e não seguir estas novas regras. Não que sejam radicais ou ultrajantes. Achei-as, aliás, brandas. Mas é que eu gosto das regras antigas. E estou disposto a continuar com elas, mesmo depois de 2012, quando oficialmente serão abolidas.


De todas as mudanças, a que mais me incomoda é a eliminação do trema. Gosto do trema. Certamente por vaidade. Pouca gente o usa e por isso, acabo me sentindo diferenciado. Isso me agrada. Por essa razão, continuarei a usá-lo, mesmo depois de 2012. Afinal, eu sou daqueles que fazem um corte na letra Z ou no algarismo 7.

Minha fixação pelo trema não tem um caráter funcional. Sei que ele não serve pra muita coisa. Mas não sou daqueles que acham que só as coisas úteis têm valor. Minha simpatia pelo trema é estética, estilística.

Defenderei com eloqüência o meu direito de comer lingüiça, freqüentemente.

A frase acima, quando dita, é de uma falta de graça que ofende os ouvidos. Vê-la impressa, entretanto, me agrada. Sem o trema, nunca mais vou escrevê-la.