Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 30 de janeiro de 2010

A melhor opção nas terras do Barão

O bairro de Barão Geraldo tem muitas atrações gastronômicas, como eu já escrevi num texto, aqui do blog. Faltava, entretanto, um lugar especial, daqueles que a gente tem vontade de voltar e voltar sempre, daqueles que dá ânsia de ser freqüentador assíduo. Agora não falta mais. Abriu, há uma semana, o Almanaque Café, na Avenida Albino José de Oliveira, a principal do bairro.

Com uma decoração apurada e um chope de primeiríssima qualidade, o local passa a ser, de longe, a melhor opção para tomar uns gorós e comer uns acepipes. Chamado de café, eu chamaria de boteco, com todo orgulho que causa ostentar esta palavra. É um boteco dos bons, com os donos atentos, preocupados com o bom andamento da casa. Três dos proprietários fazem parte do ótimo grupo musical Bons Tempos. Eles são do ramo, pois já comandaram, no passado, outro bar homônimo, de grande sucesso na cidade. O bom atendimento dos garçons denota um treinamento esmerado onde se consegue perceber a mesma mão com que o Elder comandou a equipe do Deck Sousas.


A casa tem lotado todos os dias, desde que abriu. Sei disso, pois passo todo dia em frente, voltando do trabalho. Dá uma vontade insuportável de parar. Nunca parei. Afinal, que graça teria ir ao bar sem minha trupe. Pois ontem, depois do trabalho, fomos lá, Clélia, Cecília e eu. Estava lotado, mas foi suportável a espera.

Apesar de ter um palco, a casa ainda não conta com música ao vivo, coisa que será alterada daqui a algum tempo, como me disse o Niltinho. Isso, certamente, irá melhorar, mais ainda, o clima da casa, já que essa turma entende deste riscado.

O ponto alto da casa, entretanto, é o cardápio. Tudo muito criativo e delicioso. Não é pra menos, já que de uma cozinha capitaneada pelo Caco Piccoli, o chefe mais inspirado da cidade, não costuma sair nada que não seja, pelo menos, sublime. Um dos caldos, o Iemanjá, feito de peixes e frutos do mar, é muito mais que sublime. É perfeito.

Em tempo: A foto utilizada para ilustrar este post foi surrupiada do ótimo blog Na Rua, da jornalista Marina Avancini, cuja descoberta foi recente.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Viajante

É comum ficarmos irritados quando algum estrangeiro (sobretudo os americanos) faz confusão e acha que a capital do Brasil é Buenos Aires ou Bogotá. Achamos isso um grande desrespeito. Onde já se viu desconhecer um país tão importante como o nosso?

Por outro lado, pouquíssimos de nós sabem qual é a capital da Mongólia, da Malásia, do Casaquistão, da Noruega, do Suriname ou de Belize. E não achamos que isso seja algum desrespeito. Afinal, nenhum destes países é tão importante quanto o nosso!

Na verdade, temos a mania de nos acharmos mais importantes do que os outros. E somos assim, tanto nacionalmente quanto no âmbito regional. Os paulistas se acham mais trabalhadores, os sulistas se acham mais sérios, os baianos se acham mais alegres, os cariocas os mais espertos. Nós, brasileiros, somos os maiorais. Tudo isso é uma grande bobagem. Há gente especial e gente babaca em qualquer lugar do mundo. Infelizmente, aliás, a babaquice impera em todo canto.

Quando a gente viaja muito, depois daquela fase de comparações, quando parece que todo lugar é pior ou melhor do que o lugar em que vivemos, começamos a entender as diferenças e a aceitá-las com mais naturalidade. É a partir deste ponto que as viagens começam a ser mais proveitosas, sejam elas a passeio ou a trabalho. A partir deste ponto, a gente começa a entender a maneira das pessoas lidarem com as situações, a aceitar o sabor das coisas que elas comem, a extrair prazer da vida que se leva em qualquer lugar. É a partir deste ponto que a gente deixa de ser turista para ser viajante.

E é com este espírito, o de viajante, sem preconceitos e, principalmente, sem julgamentos, que foi escrito o livro Ébano – Minha vida na África, pelo jornalista polonês Ryszard Kapuściński. As reportagens são escritas a partir de experiências específicas, sem seguir uma seqüência cronológica ou uma divisão regional. Assim, os textos acabam mostrando uma região absolutamente fragmentada com regiões desconectadas entre si.

A África é um grande mistério para a maioria de nós. Pra quem vê de muito longe, parece um grande continente com uma identidade única. Quando se olha mais de perto, vemos uma região que foi dividida por uma leva de colonizadores estrangeiros, impondo a cada divisão uma demarcação linear e artificial. Porém, se penetrarmos profundamente na história e, principalmente, na realidade africana, vamos entender que essa divisão, na verdade, foi um aglutinamento traumático de mais de 10 mil povos e nações completamente independentes entre si, cada um com sua língua, seus costumes, suas crenças.

O livro de Kapuściński escancara, de forma peremptória, a capacidade de tirania que tem o ser humano e mostra que esta capacidade vai muito além da questão da discriminação racial. Mostra, claramente, como se deu, ao longo do tempo, o domínio agressivo do branco europeu sobre a população de maioria negra, mas, indo mais longe, mostra o histórico de opressão e violência entre povos de etnias e culturas diferentes, mesmo quando negros, todos eles.

A virtude principal do livro, entretanto, é fazer todas as narrativas, com um profundo respeito pela população africana, aceitando seus costumes e tradições. Assim, consegue assimilar sua cultura e compreender melhor o mundo que retrata. E, com isso, comporta-se como o mais inteligente viajante.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Saudades de São Bernardo

Desde que me mudei para a região de Campinas, procurei me aplicar na tarefa de descobrir os lugares que me falavam alguma coisa. Tenho descoberto muitas coisas sobre as quais já falei em diversos textos sobre a cidade ou o bairro onde moro. Desde o começo destes tempos campineiros, me surpreendeu minha percepção de que não tinha tanta saudade de São Bernardo do Campo, cidade onde morei desde os 9 anos de idade. Não falo da saudade das pessoas. Esta existe, é claro, saudade da família e dos amigos. Falo de saudade da cidade e dos lugares que me fazem falta. Essa falta não se fez sentir profundamente, mas, pensando bem, a saudade existe sim.

Se penso bastante nisso, consigo lembrar-me de alguns lugares. São lugares para os quais eu procuro voltar, sempre que tenho a oportunidade de viajar para lá. Glutão que sou, estou falando de restaurantes, evidentemente. Uma das saudades, que consegui compensar é do restaurante Costela & Cia, já que encontrei semelhante em Indaiatuba.

O que há de mais tradicional, em São Bernardo, são os restaurantes do bairro Demarchi, especializado em frango com polenta. Freqüentei estes restaurantes desde criança, aos domingos, com a família, que procurava uma opção que não doesse no bolso e que agradasse a alma. Naquele tempo eram espaços bem pequenos e o frango e a polenta eram, praticamente, os únicos pratos oferecidos. Pedir uma porção de batatas fritas era uma temeridade e o que se recebia na mesa, intragável. Hoje são grandes potências, estes restaurantes, com uma variedade imensa de pratos, mas quando vou lá, fico mesmo é no velho frango a passarinho ao alho e óleo. Meu preferido, dentre tantos, é o restaurante São Judas Tadeu que faz o melhor frango com polenta frita do mundo, estou seguro disso.

É possível comer frango com polenta, também, no Restaurante do Gaia, que fica na mesma região. Mas lá, o que vale mesmo a pena é comer rabada. Para fazer isso, há que se ir almoçar numa quinta ou sexta-feira. É um restaurante que começou modesto, baratíssimo, e que tinha o objetivo de atender os operários da fábrica Volkswagen, que fica naquele bairro. Ganhou fama e ganhou preço alto a sua comida que continua, entretanto, excepcional.

A saudade mais braba, mesmo, talvez, seja a do Bar do Bolinho, justamente por que foi pra lá que eu nunca voltei depois da mudança de cidade. Só de pensar nisso fico assustado. Faz quase dez anos que não como um pão com bolinho! Parece que agora ficou moderninho. Até endereço na internet o boteco tem, com mesa e cadeiras pra gente se sentar. No meu tempo, a gente comia mesmo era em pé, na calçada. Pão com bolinho e queijo, e um vinagrete estupidamente apimentado. Isso sim dá saudade.

E agora, pensando bem, há outras saudades, sim. Menos fortes, algumas, e outras, de lugares que já não existem mais.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Revirando-se no túmulo

Tenho uma auto-reconhecida má vontade com as modernidades em geral. Já fui chamado de mal-humorado, por causa disso, coisa que, provavelmente, sou mesmo. Tenho procurado, então, exercitar mais minha capacidade de tolerância e foi com esse espírito que resolvi ouvir o disco de um tal Teddy Correa chamado Loopcinio em que canta clássicos de Lupicínio Rodrigues. Antes de ouvir, dei uma pequena olhada na internet e descobri que o moço é vocalista de uma banda chamada Nenhum de Nós da qual, sinceramente, nunca ouvi falar. Li também que, no disco, ele fazia uma “releitura” da obra de Lupicínio, inserindo uma levada mais moderna às músicas do homem. Isso me arrepiou, já que tenho certa aversão a esta coisa de releitura. Mesmo assim, resolvi arriscar, já que naquele momento estava de bom humor, estado de espírito que se alterou imediatamente, após poucos segundos de audição.

O pior é que resolvi ouvir, de cara, a faixa com a música que eu mais gosto do grande compositor gaúcho. E se eu tinha me arrepiado com a idéia, meu corpo todo estremeceu quando meus tímpanos captaram aquela blasfêmia. Sou obrigado a confessar que não ouvi a faixa até o fim. Por isso, vou achar compreensível que vocês não consigam fazê-lo quando clicarem no comando colocado aí embaixo:



(Nervos de Aço com Teddy Corrêa)

Fiquei imaginando Jamelão, o grande intérprete de Lupicínio, ouvindo esta barbaridade. Fiquei imaginando Noite Ilustrada, do qual tenho um disco lindo, cantando, com sua voz elegante, as canções do mestre. Certamente choraria de desgosto. Mais do que isso, fiquei imaginando o próprio Lupicínio, dando voltas no caixão, urrando de ódio, protestando contra esta heresia.

Só sei que ouvir este disco, ou melhor, ouvir um trecho desta faixa, me causou profunda azia. Dois envelopes de sal de frutas não foram suficientes pra me curar. Fui obrigado, então, a buscar correndo, este remédio, mais do que isso, este antídoto aí embaixo:



(Nervos de Aço com Paulinho da Viola)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Bolo solado

Há receitas que, se seguidas à risca, parecem não ter chance de o negócio dar errado. Os ingredientes estão certos, os procedimentos corretos, a temperatura do forno, tudo perfeito, conforme a receita e, ao fim, o bolo sola. Faltou alguma coisa e não sabemos o que é.

Com música pode acontecer a mesma coisa. Pegue-se um repertório irrepreensível, daqueles que ninguém, com todos os parafusos na cabeça, tem coragem de questionar. Um repertório mais que respeitável, produto de primeira. Junte-se, no mesmo caldeirão, uma cantora especial, afinada, timbre bonito, voz forte. Para temperar, um grupo de músicos muito mais que competente. Gente do quilate de Cristóvão Bastos, Alceu Maia, Victor Biglione, Luciana Rabello e Robertinho Silva.

Pois foi com todos estes ingredientes que se produziu o disco A Minha Homenagem ao Poeta da Voz, de Selma Reis, cantando músicas de Paulo César Pinheiro. E não é que o bolo solou? O vatapá embolou, o pão não cresceu. Tudo certo: repertório, cantora, músicos. Só que não deu certo.

Cantar os sucessos de Paulo César Pinheiro pode parecer fácil, mas não é. A principal dificuldade, talvez, esteja, exatamente, na comparação com as gravações consagradas. Assim como o poeta têm inúmeros parceiros fixos, há intérpretes para os quais suas músicas caem como uma luva. Ninguém canta suas parcerias com Eduardo Gudin como a cantora Márcia. Os sambas que fez com Mauro Duarte ficam insuperáveis na voz de Clara Nunes. O conjunto MPB4 é o melhor canal para ouvir as músicas feitas com Maurício Tapajós, e os sambas de João Nogueira, nada melhor que ouvi-los com o autor.

Enfim, não se trata de um disco intragável. Mas é como aquele bolo que ficou mais ou menos, aquele que a gente até come um segundo pedaço, só pra agradar o dono da festa.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Arte em segundo plano

Estreou ontem, na Rede Globo, o especial Dalva e Herivelto – uma canção de amor, sobre a vida da cantora Dalva de Oliveira e do compositor Herivelto Martins. Produção bem cuidada, seu primeiro episódio já mostrou que a minissérie irá abordar muito mais a dramática vida pessoal dos protagonistas do que a música brasileira, que entrará, apenas, como pano de fundo. É uma pena, já que, pelo menos pra mim, a intimidade das pessoas famosas é muito menos importante que a obra que elas legam à posteridade.

Herivelto foi um compositor muito importante da nossa música, tendo sido responsável por vários clássicos de nosso cancioneiro, como Praça Onze, Isaura ou a imbatível Ave Maria no Morro. Dalva foi uma cantora de enorme popularidade, nas décadas de 1940 a 1960, tendo emplacado sucessos absolutos como Tudo acabado, Kalu ou Bandeira Branca, talvez o mais emblemático deles.

Infelizmente, ao que tudo indica, esta obra será coadjuvante na minissérie. Isto é compreensível, já que vivemos numa época em que a mídia valoriza, sobremaneira, aquilo que acontece na vida pessoal das, hoje chamadas, celebridades. É a preponderância da personalidade em detrimento da arte, a exposição exagerada da imagem e das fofocas, é a era dos paparazzi.

Adriana Esteves e Fábio Assunção estão bastante convincentes nos papéis principais, ambos muito bonitos, beleza muito superior aos personagens na vida real. Mas, como a vida real interessa mais se for revestida de glamour, até isso está dentro do combinado.

Espero, sinceramente, que, nos próximos episódios, a música tenha um pouquinho mais de espaço.




Ave Maria no morro (Herivelto Martins)
Trio de Ouro

sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma coisa leva a outra

Os Beatles aconteceram antes de eu me conhecer musicalmente. O conjunto nasceu na mesma época que eu e terminou quando eu começava a me interessar por música. Na verdade, eu me interessei, primeiramente, por John Lennon. Lennon me levou aos Beatles e os Beatles me levaram a Paul McCartney. Virei maníaco dos 3. Sendo assim, minha beatlemania foi póstuma. Esse som me interessa até hoje.

Naquela época, a TV tocava pouca música, ou, pelo menos, era pouca a música que me interessava. Lembro-me de que a única coisa que chamava minha atenção, na TV, eram os festivais, no canal 7. Esse interesse ficaria guardado para mais tarde. Na realidade, a música entrava em minha alma através do rádio e a rádio que eu ouvia só tocava música pop americana. Daí meu interesse pelos Bee Gees (na fase pré-discoteca) ou por Elton John, por exemplo. Dei uma leve flertada com o rock, mas isso acabou logo, já que, um pouco mais tarde, uns 3 ou 4 anos depois, meu ouvido migrou, radicalmente, na direção da música brasileira. Resquício da lembrança dos festivais, recuperei o interesse em Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano e Gil. E esse interesse me levou à Bossa Nova, como Lennon me levara aos Beatles. E a Bossa Nova tornou-se minha outra mania póstuma.

Foi a Bossa Nova que girou meu ouvido de volta na direção da música americana, mas não mais à música pop. Minha atenção voltou-se ao som que influenciara aquele movimento brasileiro. Passei a ouvir Sinatra e Ella Fitzgerald, cantando músicas de Cole Porter, Irving Berlin, Gershwin, entre outros. E é essa, a música americana que me interessa, até hoje.

Tudo isso pra falar do disco Nego, em que standards da música americana, com versões de Carlos Rennó, são apresentados por cantores brasileiros dos mais diferentes matizes. É possível ouvir Erasmo Carlos cantando Summertime, de Gershwin, ou Olívia Hime cantando White Christmas, de Irving Berlin, por exemplo. Tudo com letras em português.

Durante muito tempo, nutri má vontade com versões, de uma forma geral. Sempre tive a firme convicção de que dificilmente gostaria de alguma. As de Carlos Rennó, entretanto, me agradam. Desde que ouvi sua versão para My heart belongs to Daddy (Eu sou é do papai), de Cole Porter, gravada por Vânia Bastos, em 1986, minha má vontade com as versões ganhou um porém. Depois, veio o disco Cole Porter, George Gershwin - Canções, Versões, em que inaugurou a fórmula de Nego. É sempre bom quando alguma coisa vem derrubar as nossas convicções, principalmente as mais firmes.
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MEU ROMANCE (MY ROMANCE)
Autor: Richard Rodgers / Lorenz Hart / versão: Carlos Rennó