Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Viajante

É comum ficarmos irritados quando algum estrangeiro (sobretudo os americanos) faz confusão e acha que a capital do Brasil é Buenos Aires ou Bogotá. Achamos isso um grande desrespeito. Onde já se viu desconhecer um país tão importante como o nosso?

Por outro lado, pouquíssimos de nós sabem qual é a capital da Mongólia, da Malásia, do Casaquistão, da Noruega, do Suriname ou de Belize. E não achamos que isso seja algum desrespeito. Afinal, nenhum destes países é tão importante quanto o nosso!

Na verdade, temos a mania de nos acharmos mais importantes do que os outros. E somos assim, tanto nacionalmente quanto no âmbito regional. Os paulistas se acham mais trabalhadores, os sulistas se acham mais sérios, os baianos se acham mais alegres, os cariocas os mais espertos. Nós, brasileiros, somos os maiorais. Tudo isso é uma grande bobagem. Há gente especial e gente babaca em qualquer lugar do mundo. Infelizmente, aliás, a babaquice impera em todo canto.

Quando a gente viaja muito, depois daquela fase de comparações, quando parece que todo lugar é pior ou melhor do que o lugar em que vivemos, começamos a entender as diferenças e a aceitá-las com mais naturalidade. É a partir deste ponto que as viagens começam a ser mais proveitosas, sejam elas a passeio ou a trabalho. A partir deste ponto, a gente começa a entender a maneira das pessoas lidarem com as situações, a aceitar o sabor das coisas que elas comem, a extrair prazer da vida que se leva em qualquer lugar. É a partir deste ponto que a gente deixa de ser turista para ser viajante.

E é com este espírito, o de viajante, sem preconceitos e, principalmente, sem julgamentos, que foi escrito o livro Ébano – Minha vida na África, pelo jornalista polonês Ryszard Kapuściński. As reportagens são escritas a partir de experiências específicas, sem seguir uma seqüência cronológica ou uma divisão regional. Assim, os textos acabam mostrando uma região absolutamente fragmentada com regiões desconectadas entre si.

A África é um grande mistério para a maioria de nós. Pra quem vê de muito longe, parece um grande continente com uma identidade única. Quando se olha mais de perto, vemos uma região que foi dividida por uma leva de colonizadores estrangeiros, impondo a cada divisão uma demarcação linear e artificial. Porém, se penetrarmos profundamente na história e, principalmente, na realidade africana, vamos entender que essa divisão, na verdade, foi um aglutinamento traumático de mais de 10 mil povos e nações completamente independentes entre si, cada um com sua língua, seus costumes, suas crenças.

O livro de Kapuściński escancara, de forma peremptória, a capacidade de tirania que tem o ser humano e mostra que esta capacidade vai muito além da questão da discriminação racial. Mostra, claramente, como se deu, ao longo do tempo, o domínio agressivo do branco europeu sobre a população de maioria negra, mas, indo mais longe, mostra o histórico de opressão e violência entre povos de etnias e culturas diferentes, mesmo quando negros, todos eles.

A virtude principal do livro, entretanto, é fazer todas as narrativas, com um profundo respeito pela população africana, aceitando seus costumes e tradições. Assim, consegue assimilar sua cultura e compreender melhor o mundo que retrata. E, com isso, comporta-se como o mais inteligente viajante.

Um comentário:

Marcia disse...

Kapuscinski é rei. :)