Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 29 de março de 2015

Educação

Embora Cid Gomes só tenha falado verdades absolutas quando foi à Câmara dos Deputados, talvez por isso mesmo, teve que deixar o cargo de ministro da Educação. Desde o início, achei um erro da presidente ter feito o convite para Cid ocupar esta pasta. Não digo isso por achar que um político não possa assumir um ministério, qualquer que seja. Aliás, quem pensa assim deve ter achado errado o fato de José Serra, que é político e não médico, ter sido ministro da Saúde ou Fernando Henrique, que também é político e não economista, ter sido ministro da Fazenda.

Dilma, em minha opinião, depois de ter batizado o seu segundo mandato com o lema “Brasil, pátria educadora”, deveria ter colocado um educador para comandar a pasta. O erro, agora, foi corrigido.

Confesso que, entre os cotados, minha escolha teria sido na direção do professor Mário Sérgio Cortella. Ele mesmo, entretanto, declarou que teria recusado, caso fosse convidado, por considerar que o que o Brasil precisa fazer como política para a Educação é uma coisa que ele não tem condições de capitanear.

O que mais me agrada em Mário Sérgio Cortella, que é filósofo, é o fato de que comunica o conhecimento com extrema simplicidade e, com isso, consegue fazer a mensagem chegar a todos, democratizando, desta forma, a informação. Além disso, tem bom humor. Fanático por etimologia, utiliza a origem das palavras para explicar as ideias e desfazer as confusões mais comuns.  

Apesar de, evidentemente, eu reconhecer a importância de se ensinar matemática, gramática e ciências, o que falta na escola, em minha opinião, é estimular o pensamento. É mostrar que as ideias devem brotar de nossa própria reflexão, provocadas pela leitura, pelo conhecimento. É ensinar que as informações não devem ser consumidas e sim digeridas, questionadas. É isso que prega a filosofia. Copiando o professor Cortella, faço uso da etimologia pra dizer que a palavra filosofia vem do grego philos ou philia que quer dizer amor ou amizade; e sophia, que significa sabedoria; ou seja, literalmente, significa amor ou amizade pela sabedoria.

Quem assumiu a pasta da Educação é outro filósofo, o professor Renato Janine Ribeiro. Me parece uma escolha acertada. Para quem quiser conhecer um pouco do pensamento de ambos, sugiro a leitura do livro Política: Para não ser idiota, escrito em 2012, fruto de um instigante diálogo entre os dois. Como não poderia deixar de ser, o livro começa com a definição da palavra idiota que vem do grego idiótes e significa aquele que só vive a vida privada, que recusa a política, que diz não à política.

A partir daí, inicia-se uma discussão extremamente proveitosa, que passa por temas que vão do engajamento político das pessoas e desemboca na ecologia, passando pelos conceitos de democracia, ética e poder. É um livro pequeno, pouco mais de cem páginas, que se consome (ou digere) com avidez.

Outra dica é acessar o site da CBN para ouvir a divertida entrevista do Professor Cortella no programa Fim de Expediente, na última sexta-feira.
 http://cbn.globoradio.globo.com/programas/fim-de-expediente/FIM-DE-EXPEDIENTE.htm

sábado, 14 de março de 2015

House of Cards

Estou absolutamente empolgado com a série House of Cards, produzida e veiculada pelo Netflix. Sei que estou atrasado, já que acaba de estrear a terceira temporada e eu estou finalizando a primeira, ainda. Mas sou assim mesmo, meio lerdinho.

O enredo trata das tramoias e negociatas que envolvem um figurão do poder legislativo americano, do partido Democrata. Poderia ser do Republicano, isso pouco importa. Como o modelo presidencialista americano guarda fortes semelhanças com o nosso, é instigante assistir aos jogos nos bastidores do poder e fazer associações com o que ocorre por aqui.

Quem acompanha o blog lê, nos textos sobre cinema, o quanto eu aprecio, num filme, duas coisas: uma boa interpretação e mulheres bonitas. House of Cards tem ambas. Tem o protagonismo do excelente ator Kevin Spacey, brilhante em Seven – Os sete crimes capitais, Os suspeitos, A negociação, Beleza americana, A corrente do bem, entre outros. Tem, ainda, a beleza madura de Robin Wright e a jovialidade de Kate Mara, mostrando que gostosura não tem idade.


sábado, 7 de março de 2015

Pensamento de esquerda e socialismo

O atual momento político que vive o Brasil não é muito diferente de outros pelos quais o país já passou. São os mesmos ingredientes, quais sejam um governo que descontenta a classe dominante que, por sua vez, domina os canais de comunicação hegemônicos e, estes, com seu poderio, manipulam a repercussão das notícias, tanto as falsas quanto as verdadeiras, de acordo com seus interesses, controlando o foco, a intensidade e o grau de dramaticidade com que as veicula. Foi assim em 45, em 54, em 64, em 84 e em 89, ao final dos dois governos de Getúlio, na deposição de Jango por um golpe militar, na campanha das diretas já e na eleição de Collor, respectivamente. Nada de novo.

Ou quase nada. O que há de novo são as tais redes sociais. Este fenômeno, que não existia antes, tem servido de veículo pra classe média expressar sua revolta (tanto a autêntica quanto a manipulada), mas tem servido, também, para demonstrar a falta de capacidade da nossa sociedade em interpretar com clareza os fatos. Além disso, estas redes, principalmente o facebook, tem escancarado a absoluta falta de cuidado em se informar, antes de sair teclando.

O que mais tem me chamado a atenção (afora a intolerância com a opinião alheia) é a confusão que se faz entre pensamento de esquerda e socialismo. Mistura-se temas e assuntos extremamente díspares e, às vezes, até contraditórios. Joga-se num mesmo balaio, os regimes da antiga União Soviética, Venezuela e Cuba, a eleição de Dilma, o PT, o regime democrático e até o fascismo de Benito Mussolini. Mistura-se, chacoalha-se, e, como num estômago preguiçoso, vomita-se um resultado que pareceria até engraçado, não cheirasse tão mal.

Parte-se do princípio de que ser de esquerda é ser socialista. Nada mais primário. Para começar, é necessário entender que, mais importante que saber se alguém (ou algum grupo) é de esquerda, é entender se esta pessoa (ou grupo) está à direita ou à esquerda e de quem. Por exemplo, nos Estados Unidos, o partido Democrata está à esquerda do partido Republicano e, evidentemente, isso não quer dizer que Barak Obama ou Hilary Clinton, sejam socialistas.

A definição de esquerda e direita já sofreu inúmeras mudanças de interpretação, desde que foi utilizada pela primeira vez, durante a Revolução Francesa, quando designava a posição política dos grupos que compunham a Assembleia Nacional daquele país, em função da posição em que se sentavam. Por muito tempo, caracterizou-se o pensamento de esquerda como aquele que defende o total controle do estado sobre a economia de um país. Esta definição, há tempos, já caiu em desuso e há os que defendem a ideia de que esta dicotomia já não faz mais sentido nos dias de hoje, posição com a qual não concordo.

A conceituação que mais me agrada é a que foi utilizada pelo pensador italiano Norberto Bobbio em seu livro Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política, de 1994 e sobre qual já escrevi aqui. Segundo este conceito, o que diferencia o pensamento de esquerda do de direita é a defesa de um modelo em que o estado garanta a igualdade de oportunidades para todas as pessoas em contraponto a uma ideologia que defende a regulação das desigualdades pela ação “natural” do mercado.

Entre as várias propostas teóricas de forma de governo, seja capitalista ou socialista, democrática ou autoritária, a que mais me parece capaz de proporcionar um estado de bem-estar aos cidadãos é a Social Democracia. Sou fervoroso fã deste modelo de governo e cito exemplos de aplicação desta política que promoveram avanços econômicos e sociais em seus países: Willy Brandt na Alemanha de 1969 a 1974, Felipe Gonzales na Espanha de 1982 a 1996 e Mário Soares em Portugal de 1986 a 1996, sendo que os dois últimos eram líderes de partidos socialistas e todos sabemos que nem Espanha e nem Portugal são países socialistas. O que ocorreu, em todos estes casos, foi um claro desenvolvimento socioeconômico após um período longo e dramático sob regimes autoritários.

Nestes três casos, foi um pensamento de esquerda (na concepção definida por Bobbio) que impulsionou estes países para o crescimento, sem transformá-los em regimes fechados.


domingo, 1 de março de 2015

Gostar de samba

Todos que acompanham o que escrevo neste blog, há bastante tempo, sabem que, dentre vários gêneros de música que eu aprecio, o samba é o que mais me comove. Gosto de samba desde que gosto de música e, cada vez mais, é a ele que eu recorro quando quero me extasiar. Aprecio muito a Bossa Nova e o que se convencionou chamar de MPB, mas gosto da simplificação que o grande Wilson das Neves faz sobre isso: é tudo samba!

Contudo, nunca me empolguei muito com desfiles de escola de samba, principalmente por um motivo: muito raramente os sambas-enredo são bons. Notem que não utilizei a palavra nunca, já que há, ao longo da história, casos de sambas belíssimos utilizados pelas escolas para os desfiles, mas são casos raros. Eu estaria sendo leviano se não citasse Aquarela Brasileira (Império Serrano, 1964); Yayá do cais dourado (Vila Isabel, 1969); Onde o Brasil aprendeu a Liberdade (Vila Isabel, 1972); Os Sertões (Em cima da hora, 1976); 100 anos de liberdade, realidade ou ilusão (Mangueira, 1988); Kizomba, festa da raça (Vila Isabel, 1988) e Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós (Imperatriz Leopoldinense, 1989). Existem outros, certamente, mas estes são meus preferidos. São poucos, entretanto. Muito poucos.

Fico, por isso, intrigado. Por que é que a grande maioria dos sambas utilizados pelas escolas para o desfile do carnaval são tão ruins? Se a maioria dos nossos mais geniais sambistas são intimamente ligados às escolas? Por que instituições que têm, ou tiveram, entre seus componentes, gente como Cartola, Nelson Cavaquinho, Monarco, Ivone Lara, Carlos Cachaça, Paulinho da Viola e Martinho da Vila, não conseguem apresentar, todos os anos, sambas geniais para mostrar na avenida? Talvez seja porque quem comanda as escolas de samba, na verdade, não goste muito de samba.

Assim, fiquei surpreso quando vi que a escola Viradouro, este ano, utilizou uma junção de dois ótimos sambas de Luiz Carlos da Vila, Nas veias do Brasil e Por um dia de graça, num enredo. Morto devido a um câncer, em 2008, recebeu esta justa homenagem.

Luiz Carlos da Vila teve este apelido por fazer parte da escola de samba de Vila Isabel ou por ter sido morador da Vila da Penha, ou por ambas as razões, o que motivou o compositor Nei Lopes a chamá-lo de Luiz Carlos das Vilas. Foi um compositor muito criativo, que ficou mais conhecido do grande público, após ter sido um dos autores do samba enredo Kizomba, festa da raça. Apesar de ótimos, não são seus sambas-enredo que me encantam. Ele é capaz de uma poesia de primeira linha, aliada a criações melódicas e harmônicas como poucos.

Em foto ao lado de Wilson Moreira, Aldir Blanc e Moacyr Luz

Vi que a Viradouro ficou em último lugar no desfile e caiu para a segunda divisão. Não sei o motivo e nem tenho muita curiosidade a este respeito. Só sei que, dificilmente, uma outra escola tenha apresentado um samba tão bom como o da Viradouro. Pode ter caído por algum problema com fantasia, porta-bandeira ou carro alegórico. Ou então, caiu porque os julgadores destes desfiles não gostam muito de samba.

Além da Razão (Luiz Carlos da Vila, Sombra e Sombrinha)