Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 7 de março de 2015

Pensamento de esquerda e socialismo

O atual momento político que vive o Brasil não é muito diferente de outros pelos quais o país já passou. São os mesmos ingredientes, quais sejam um governo que descontenta a classe dominante que, por sua vez, domina os canais de comunicação hegemônicos e, estes, com seu poderio, manipulam a repercussão das notícias, tanto as falsas quanto as verdadeiras, de acordo com seus interesses, controlando o foco, a intensidade e o grau de dramaticidade com que as veicula. Foi assim em 45, em 54, em 64, em 84 e em 89, ao final dos dois governos de Getúlio, na deposição de Jango por um golpe militar, na campanha das diretas já e na eleição de Collor, respectivamente. Nada de novo.

Ou quase nada. O que há de novo são as tais redes sociais. Este fenômeno, que não existia antes, tem servido de veículo pra classe média expressar sua revolta (tanto a autêntica quanto a manipulada), mas tem servido, também, para demonstrar a falta de capacidade da nossa sociedade em interpretar com clareza os fatos. Além disso, estas redes, principalmente o facebook, tem escancarado a absoluta falta de cuidado em se informar, antes de sair teclando.

O que mais tem me chamado a atenção (afora a intolerância com a opinião alheia) é a confusão que se faz entre pensamento de esquerda e socialismo. Mistura-se temas e assuntos extremamente díspares e, às vezes, até contraditórios. Joga-se num mesmo balaio, os regimes da antiga União Soviética, Venezuela e Cuba, a eleição de Dilma, o PT, o regime democrático e até o fascismo de Benito Mussolini. Mistura-se, chacoalha-se, e, como num estômago preguiçoso, vomita-se um resultado que pareceria até engraçado, não cheirasse tão mal.

Parte-se do princípio de que ser de esquerda é ser socialista. Nada mais primário. Para começar, é necessário entender que, mais importante que saber se alguém (ou algum grupo) é de esquerda, é entender se esta pessoa (ou grupo) está à direita ou à esquerda e de quem. Por exemplo, nos Estados Unidos, o partido Democrata está à esquerda do partido Republicano e, evidentemente, isso não quer dizer que Barak Obama ou Hilary Clinton, sejam socialistas.

A definição de esquerda e direita já sofreu inúmeras mudanças de interpretação, desde que foi utilizada pela primeira vez, durante a Revolução Francesa, quando designava a posição política dos grupos que compunham a Assembleia Nacional daquele país, em função da posição em que se sentavam. Por muito tempo, caracterizou-se o pensamento de esquerda como aquele que defende o total controle do estado sobre a economia de um país. Esta definição, há tempos, já caiu em desuso e há os que defendem a ideia de que esta dicotomia já não faz mais sentido nos dias de hoje, posição com a qual não concordo.

A conceituação que mais me agrada é a que foi utilizada pelo pensador italiano Norberto Bobbio em seu livro Direita e Esquerda – Razões e significados de uma distinção política, de 1994 e sobre qual já escrevi aqui. Segundo este conceito, o que diferencia o pensamento de esquerda do de direita é a defesa de um modelo em que o estado garanta a igualdade de oportunidades para todas as pessoas em contraponto a uma ideologia que defende a regulação das desigualdades pela ação “natural” do mercado.

Entre as várias propostas teóricas de forma de governo, seja capitalista ou socialista, democrática ou autoritária, a que mais me parece capaz de proporcionar um estado de bem-estar aos cidadãos é a Social Democracia. Sou fervoroso fã deste modelo de governo e cito exemplos de aplicação desta política que promoveram avanços econômicos e sociais em seus países: Willy Brandt na Alemanha de 1969 a 1974, Felipe Gonzales na Espanha de 1982 a 1996 e Mário Soares em Portugal de 1986 a 1996, sendo que os dois últimos eram líderes de partidos socialistas e todos sabemos que nem Espanha e nem Portugal são países socialistas. O que ocorreu, em todos estes casos, foi um claro desenvolvimento socioeconômico após um período longo e dramático sob regimes autoritários.

Nestes três casos, foi um pensamento de esquerda (na concepção definida por Bobbio) que impulsionou estes países para o crescimento, sem transformá-los em regimes fechados.


2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Arnaldo!

Cheguei ao seu blog quando, por acaso, encontrei seu guia sobre os botecos de Barão Geraldo, bairro em que moro desde que nasci. Desde então leio todos os seus textos, e aprecio demais sua forma de escrever.

Mas enfim, após muito tempo senti vontade de comentar um de seus textos, ao invés de somente contempla-lo silenciosamente.

Vamos lá:

Em uma coisa concordo 110% com vc: A social-democracia me parece, de longe, o modelo que mais conseguiu equilibrar o bem-estar social com a liberdade e o desenvolvimento econômico.

Mas aí encontro um "porém" em seu texto: Um dos pilares que possibilitam o altíssimo assistencialismo das Sociais-democracias mais bem sucedidas do mundo, é o liberalismo econômico (que creio que vá diretamente ao encontro do pensamento da esquerda).

Talvez, os principais exemplos de sucesso pleno das sociais-democracias sejam os países nórdicos, que apesar das monstruosas alíquotas de impostos (devidamente retornados a população, com serviços de altíssima qualidade), são um dos países com menores regulamentações governamentais, e maiores facilidades para se abrir e manter um negócio e estabelecer relações comerciais, sejam elas nacionais ou internacionais.

Basta olhar para as listas de Indice de Liberdade Ecônomica, feita pela Heritage Foundation ( http://www.heritage.org/index/ranking ) e Ease of Doing Business Index ( http://www.doingbusiness.org/rankings ) e verá que os quatro países nórdicos figuram entre as primeiras colocações nos dois rankings.

A base ideológica da social-democracia, era a principio, estabelece-lá como um processo de transição para o Socialismo, mas isso se provou falho na experiencia Suéca (pioneira na Social-Democracia), que graças à sua "neutralidade" durante a Segunda Guerra Mundial, nunca foi bombardeada ou invadida, o que possibilitou às suas indústrias permanecerem intactas, algo que, em conjunto com sua economia de livre mercado, possibilitou ao país experimentar uma economia pujante com a reconstrução da Europa devastada pela guerra, exportando enormes quantidades de bens e recursos naturais para o resto da Europa, estimulando um crescimento econômico no país que durou duas décadas.

No rastro dessa expansão econômica, o governo sueco começou a instituir um maciço programa de assistencialismo estatal no decorrer das décadas de 1950, 60 e 70, fazendo com que os gastos governamentais explodissem, chegando a comprometer, em determinado momento da década de 70, 85% do PIB.

As altíssimas despesas, aliadas as crescentes politicas socialistas, estagnaram o crescimento econômico, e fizeram com que a Suécia falhasse miseravelmente na tal "transição". A solução para salvar a economia foi uma punhalada no coração dos esquerdistas mais românticos: Abolir os monopólios estatais, dar alternativas privadas aos serviços públicos e deixar o cambio flutuar... E deu certo: Hoje apresentam a 20ª economia do mundo, e o 7º maior PIB per capta nominal do nosso querido planeta Terra!

Talvez, os grandes méritos dos suecos tenham sido saber a hora de "tirar o pé" e parar de insistir na transição, e ao mesmo tempo não esquecer totalmente do assistencialismo... E achar o tão linchado "Meio-termo" que tanto a direitona, quanto a esquerdona insistem que não existe.

Portanto, não acredito que a Social-Democracia seja uma ideia puramente de esquerda...

Mil desculpas pelo tamanho do texto. Também sou um entusiasta deste modelo político, e me empolgo um pouco ao falar dele...

Abraços!

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Prezado Anônimo (é estranho escrever para alguém sem saber o nome),

Antes de mais nada, muito obrigado pelos elogios ao blog.

Entrando diretamente no seu comentário, não consigo ver nenhuma contradição entre o que escrevi e o que você comentou. Se ler o texto com atenção, vai notar que eu, justamente, procuro desvincular a associação do pensamento de esquerda à ideologia do socialismo. Sei que esta dissociação é vista com maus olhos tanto pela esquerda quanto pela direita,em suas representações mais tradicionais, sobretudo no Brasil. Insisto em discordar deles e me fio na definição de Bobbio, como eu ressaltei, no conceito de que ser de esquerda é defender igualdade de oportunidades para todos. Se isso for atingido por um modelo de governo socialista ou capitalista, pra mim tanto faz.

Tenho que reconhecer que a ideia original da social democracia era servir de trilha ao atingimento do ideal socialista como tão corretamente você assinalou, mas a dificuldade em atingir este objetivo acabou fazendo o modelo ficar desacreditado pela esquerda e a direita, espertamente, apoderou-se da denominação. Isso aconteceu claramente no Brasil, quando uma dissidência do PMDB criou o PSDB que tem social democracia no nome e liberalismo na atitude.

Quanto aos países nórdicos, minha única experiência foi um final de semana prolongado que passei na Dinamarca, aproveitando um feriado na Alemanha quando trabalhava lá. Lembro-me que me chamou muito a atenção algumas características do modelo econômico daquele país. Fiquei hospedado na casa de um casal de meia idade, pais de uma amiga minha, ele carteiro e ela médica. Ambos tinham o salário muito parecido e pagavam uma enormidade de impostos (muito mais do que no Brasil). Lembro-me, entretanto, de não ter ouvido nenhuma reclamação deles a respeito desta realidade, já que não tinham que pagar por nenhum serviço de forma privada. Em Copenhague, ao tomar um ônibus fiquei chocado ao perceber que não precisaria pagar a passagem.

Quanto à Suécia (e isso vale pra outros paises, como a Alemanha, também), seu modelo misturando liberalismo com políticas que garantem o bem estar social só dá certo se olharmos pra dentro. A conta, entretanto, não fecharia se as empresas suecas instaladas em subsidiárias eu outras partes do mundo (sobretudo o terceiro mundo), proporcionasse para seus funcionários os mesmos ganhos e benefícios que seus equivalentes recebem na matriz. É através desta distorção que se fecha a conta. Se tentarmos aplicar esta formula no mundo inteiro, estou convicto de que o modelo entra em colapso.

Concluindo, tenho firme convicção de que se conseguirmos atingir uma realidade em que o estado garanta a igualdade de oportunidades a todos, vamos caminhar para uma sociedade mais justa. Não me incomoda nem um pouco que todos os serviços e meios de produção estejam em mãos privadas, desde que existam instrumentos reguladores, estes sim, nas mãos do estado, para que a lisura das transações econômicas seja preservada. Isso, aliás, garante a aplicação conceitual do capitalismo, como modelou Adam Smith.

Volto, por fim, a te agradecer pelas palavras em relação a blog e sugiro que, caso não queira desvendar seu nome, ao menos invente um, para que eu possa me dirigir a você em eventuais novos comentários. Devo confessar que tenho certa má vontade com o anonimato.

Um abraço.