Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

terça-feira, 25 de março de 2014

Povos & Civilizações

Gostei muito de ler alguns livros da coleção Povos & Civilizações da Editora Contexto. Com a proposta de esmiuçar a característica de uma determinada sociedade, utilizando como linha de análise a história de seu povo, os textos nos ajudam a conhecer melhor as idiossincrasias de cada elemento desta sociedade, permitindo-nos escapar dos estereótipos e o consequente preconceito, armadilha que alimenta a intolerância em relação ao desconhecido (ou mal conhecido).

O primeiro livro que li foi Os Americanos, sobre o qual já escrevi aqui e que me ajudou a entender o extremo individualismo daquele povo, característica que sempre me intrigou. O segundo livro foi Os Espanhóis e, desta vez, ele serviu para que eu melhor compreendesse as questões regionais, o sentimento de nacionalismo extremo, levando parte da população ao desejo de separação, sobretudo no caso dos catalães e bascos. Sempre tive um pé atrás em relação a esses movimentos, comparando-os ao que acontece, no Brasil, em relação aos nordestinos, principalmente por parte de algumas pessoas dos estados do sul do país. Este fenômeno, no nosso caso, reflete um sentimento de extremo egoísmo e falta de solidariedade, mas, no caso da Espanha, há uma enorme carga histórica para justificar as tensões.

Acabei de ler, agora, mais um livro da coleção, Os Argentinos, escrito pelo jornalista Ariel Palacios. Argentino de nascimento, tendo se mudado para o Brasil aos 3 anos de idade, ele se define como um brasileiro nascido na Argentina. Entrevistado por Jô Soares em seu programa de televisão, ele justificou esta definição utilizando outros exemplos como o de Carmen Miranda, brasileira nascida em Portugal, Clarice Lispector, brasileira nascida na Ucrânia ou Otto Maria Carpeaux, brasileiro nascido em Viena.

Assim como os demais livros da coleção, Os Argentinos utiliza a história como o fio condutor da narrativa, mas, diferentemente dos outros dois que eu li, utiliza os símbolos associados àquele país para melhor explicar o desenvolvimento daquela sociedade. Na verdade, ele se vale, inteligentemente, de todos os clichês utilizados em relação aos nossos mais importantes vizinhos, para explicar melhor suas características e nos deixar escapar das armadilhas da simplificação. Emblematicamente, inicia o texto falando da carne, símbolo máximo do país, seguido do tango, do futebol e da política. Ao longo de todo o texto, pontua cada assunto com comparações entre eles e nós, os brasileiros, ilustrando os capítulos com exemplos, na maior parte das vezes, bastante divertidos.


Um dos momentos mais interessantes do livro é aquele em que ele fala dos mitos argentinos, como Borges, Gardel, Perón, Evita, Maradona, entre outros. Na verdade, ele desmistifica completamente estas figuras, sobretudo Maradona, a quem desanca quase cruelmente. Como o livro foi escrito em 2012, não há referência significativa a Jorge Mario Bergoglio, que viria a ser eleito papa no ano passado. Teria sido interessante ler alguma coisa sobre esta personagem que, em tão pouco tempo, já está caminhando na direção de se tornar, também, um mito, o que é sempre perigoso.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Fascínio pela história

Gosto muito de ler sobre história, sobretudo história do Brasil. Sempre gostei e sempre tive atração pelos livros escritos por Hélio Silva, que li nas décadas de 70 e 80, e, depois, os de Eduardo Bueno, ainda no final do século passado. Já no começo deste século, me deliciei com os 4 volumes de Élio Gaspari sobre a ditadura (envergonhada, escancarada, derrotada e encurralada – nesta ordem). Nenhum deles foi historiador de formação, mas todos me seduziram com um texto muito mais palatável que os encontrados nos papéis acadêmicos.

Ler este tipo de autor, agora que tenho uma historiadora em casa, ficou mais complicado. Para Eduardo Bueno a Cecília torce o nariz, para os outros fica neutra, acredito, muito mais para não me chatear. Foi por isso que tive alguma ansiedade ao dizer a ela que havia comprado a trilogia dos livros de Laurentino Gomes. Lançados, logo viraram best sellers e, isso, em geral, me faz torcer, também, meu próprio nariz. Percebi, entretanto, que o nariz da Cecília manteve-se reto quando soube da compra, o que me deixou aliviado e mais motivado para lê-los.

O primeiro, 1808, devorei num fôlego só suas mais de 400 páginas. Inicia o relato com a preparação da fuga da corte de D. João VI de Portugal e termina com seu retorno, 13 anos depois. Ao longo deste período, provocou-se uma mudança no nosso país que, certamente, não seria o mesmo, caso Napoleão Bonaparte não tivesse feito espiantar o monarca lusitano pras bandas de cá.

Uma das virtudes do livro, talvez a principal, é não se ater aos estereótipos com os quais D. João e Carlota Joaquina são tratados, usualmente. Embora a narrativa confirme o caráter um tanto pusilânime do príncipe regente, mostra também, algumas qualidades como estrategista e habilidades de negociador. Prova disso foi a própria declaração de Napoleão, no final da vida, de que a única pessoa que conseguiu enganá-lo teria sido, justamente, D. João.

O mais delicioso, no texto, por sua vez, é a oportunidade de entender como foi forjada a nossa sociedade, misto de uma corte que não guardava nenhuma semelhança às cortes européias, sem fausto nem cultura, com um comportamento de desprezo em relação a uma população plebéia com forte predomínio de homens escravizados. Um início assim torna muito mais clara a compreensão da característica injusta e preconceituosa que, até hoje, parte da nossa sociedade ostenta.

Ao final da leitura do livro, a vontade que dá é, justamente, de continuar a trilogia. Engatar, de imediato, uma nova marcha e atravessar a independência (1822) para chegar, finalmente, à proclamação da república (1889). Não vai ser já, mas deve acontecer logo. É que a lista de prioridades é longa.

sábado, 8 de março de 2014

Duas infâncias

Gostei tanto de ler a coletânea de textos do Antônio Prata publicados no Estadão entre 2004 e 2010, sobre o qual escrevi aqui no ano passado, que não titubeei em comprar seu último livro, Nú, de Botas. Desta vez não é uma coletânea esparsa, mas são textos em torno de uma só ideia, interessantíssima, aliás. São histórias leves e rápidas, relatando passagens de sua infância, algumas reais, outras inventadas, como ele mesmo reconhece. O que torna o livro muito legal é o fato de que a linguagem é atual e estruturada, como se àquela época, aquela criança já tivesse o domínio da articulação. Desta forma, as mais estapafúrdias ideias que se passam na cabeça de um guri de 4, 5 ou 6 anos de idade, recebem argumentação absolutamente coerente a justificar qualquer ato.
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Mais uma vez pude confirmar a agilidade da escrita deste ótimo autor, mas o que mais me chamou a atenção, entretanto, no livro, foram as referências de sua infância. Ao contrário do que aconteceu no livro O Drible, sobre o qual escrevi aqui, na semana passada, com cujas referências da juventude eu me identifiquei completamente, no livro de Antônio Prata, as referências eram também conhecidas, mas eram as da época da infância da minha filha e meus sobrinhos. Ele fala de playmobil, do programa do Bozo, de roupas de moleton. Na infância do autor, a TV é em cores, como na infância da Cecília. Na minha, a TV era em preto e branco e chegou bem tarde, ao menos em casa. No início, ainda era o rádio.
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Mesmo assim, mesmo com referências de infância que não são as minhas, foi possível me identificar, e muito.  Esta é uma das magias em se ter filhos. A gente ganha duas infâncias pra se lembrar.

sábado, 1 de março de 2014

Dica Preciosa

Numa das minhas andanças pela Livraria da Vila, em Campinas, estava sentado na poltrona, folheando livros selecionados, alguns dos quais, invariavelmente, seriam comprados. Tinha a companhia da Clélia e da Cecília, cada uma num canto da loja, praticando o mesmo esporte. De repente, a Cecília chega com um livro e o passa pra mim, dizendo que o achou interessante. Depositei o volume na pilha selecionada e, quando chegou sua vez, li as orelhas, a contracapa, e depois, dei aquela folheada básica, procurando, a esmo, algum trecho para ler. Devolvi o livro à pilha e ele não foi comprado.
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No fim do ano, depois do natal sem troca de presentes, como já é tradicional, entre nós, a Cecília chegou do nada, e nos presenteou, a cada um, com um livro. O meu era aquele mesmo que já havia me indicado na livraria, tempos atrás. Desta vez, ele foi para a pilha que fica no meu criado mudo e, assim que terminei o que estava lendo, comecei-o.
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O que encontrei, confirmou uma sensação que tenho há algum tempo, ou seja, que as antenas da Cecília estão bem mais sintonizadas do que as minhas. O livro é muito bom. Trata-se de O Drible, de Sérgio Rodrigues. Nada que eu falar sobre o livro, dirá mais sobre ele do que a dedicatória que ela escreveu:
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A trama é intrincada, a narrativa é ágil, brincando entre o passado e o presente, criando um suspense que vai desaguar num resultado absolutamente inesperado. Até chegar a ele, o autor passeia pelo futebol anterior ao seu tempo e pela cultura pop da sua época de juventude, que coincide com a minha. Talvez, por isso mesmo, o livro tenha dito tanto a mim, já que, por ter praticamente a mesma idade que eu, as referências abordadas imprimiram, nele, o mesmo efeito que em mim.
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O livro serviu pra eu relembrar a juventude, refletir sobre a relação com meu pai, alimentar minha curiosidade sobre o futebol do passado e, principalmente, reforçar a minha convicção de que não devo, nunca, desprezar uma dica da minha filha.