Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Outro balanço – Futebol brasileiro

O desfecho do campeonato brasileiro teve, ao menos, duas virtudes. A primeira foi a de desmistificar a idéia de que, pra ser campeão, o clube tem de ser bem administrado, gerido como uma empresa, organizado profissionalmente e pagar os salários em dia. Todos disseram, ao longo do campeonato, coisas assim. Vaticinaram a vitória do Palmeiras, depois do São Paulo e por fim, do Internacional. Fosse assim, o Flamengo teria feito companhia ao Fluminense e ao Botafogo na luta para escapar do rebaixamento e o meu São Paulo teria erguido a taça pela quarta vez consecutiva. Por sorte, o futebol consegue nos surpreender e, por isso, nos dar prazer. Isso não quer dizer que se possa continuar avacalhando as coisas como alguns clubes insistem em fazer. Se tudo continuar como está, o Flamengo vai levar mais 17 anos para ser campeão novamente. Se não inovar, a nova presidente, Patrícia Amorim, vai ver seu time fazer um papel medíocre em 2010. Aliás, pelo que tudo indica, Vasco, Fluminense e Botafogo irão continuar rondando as últimas colocações do campeonato. Nada dá algum sinal de que as diretorias destes clubes terão comportamento diferente do que vêm tendo nos últimos anos.

A segunda virtude deste campeonato foi a queda do salto alto dos técnicos professores doutores. A vitória de Andrade sobre Luxemburgo ou Muricy, lavou a alma de quem se enoja com a prepotência e arrogância que imperam neste meio. Há séculos que Tostão vem sustentando que, principalmente a imprensa, dá, aos técnicos, muito mais importância do que eles efetivamente têm.

Do meu lado, vou continuar vendo futebol com os olhos nostálgicos e melancólicos. Nostalgia de um tempo em que jogar bola era uma forma de fazer arte. Afinal, para um são-paulino que teve a oportunidade de ver jogar Roberto Dias, Pedro Rocha ou Dario Pereyra, dói, mortalmente, ver seu time depender de gols do Washington. A melancolia fica por conta da convicção de que isso não volta mais. Vou continuar achando o jogo bonito mais importante do que o jogo vencido e, como 2010 será ano de copa, tenho certeza que, mesmo que a seleção brasileira vença, vou continuar preferindo a de 82, a que mais me emocionou.

E por absoluta falta de talento para falar mais sobre o assunto, fica este samba de Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro, que talento têm de sobra:









Samba bom de bola - Moacyr Luz


Fazer samba é que nem jogar bola
Na rua, no campo ou no quintal
Tem que ter malícia, jogo de cintura,
Ginga, malandragem e coisa e tal
Um bom samba é que nem um gol feito
Depois dos noventa e na final
Com a mão do juiz encerrando a partida
Pro grande delírio da geral

Um samba bom é que nem o Pelé dando lençol
É que nem o Brasil consagrado penta campeão de futebol

Jogar bola é que nem fazer samba
É que nem batucar feito o Marçal
Tem que ter cadência, ter letra bonita,
Encarando o Noel no pau-a-pau
Um bom jogo é que nem escutar
O Cartola, o Ismael e o Dorival
Com a escola querida vencendo o desfile
Ganhando o troféu do carnaval

Um jogo bom é que nem o balanço do João
É que nem a batida do samba do Baden tocando violão.


E como samba bom é igual a gol bonito, sempre vale a pena ouvir de novo. Ei-lo cantado por dois craques:








Samba bom de bola - Teresa Cristina e Junior






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quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Balanço oportuno – Governo Lula

Incomoda uma atual dicotomia a respeito do presidente Lula. Há os que o idolatram e creditam a ele tudo o que de bom tem acontecido ao país, isentando-o de qualquer mal. Já àqueles que o criticam sem critério, os aspectos positivos de nossa vida devem-se exclusivamente aos humores do mercado, aos fenômenos da natureza ou aos desígnios divinos e, todos os malefícios debitam-se da conta de seu governo ou sua forma de governar.

Havemos de ser justos. Ou se credita a ele tudo de bom e tudo de mal que nos ocorre ou acreditamos que o nosso mundo é uma bola que anda sozinha, acertando o gol, a trave ou sumindo pela linha de fundo, sem que ninguém a direcione. Quisera eu viver num mundo em que esta segunda opção fosse possível. Seria bom que nosso país fosse sólido o suficiente para voar imune às turbulências ou aos humores do piloto. Não é. Talvez, nenhum seja. Rendo-me, então, a reconhecer sua responsabilidade em muito do que se passa de positivo no Brasil, assim, como lhe impinjo as culpas de parte do que anda mal em nossa nação. Prefiro assim. Quero reconhecer seus méritos sem idolatrá-lo, já que abomino ídolos, e quero poder criticá-lo sem cair na armadilha do preconceito. Uma e outra coisa são o que mais se vê por aqui.

Quem critica Lula é, basicamente, a classe média. A população mais pobre percebeu uma sensível melhora em seu padrão de vida e associa essa melhora ao governo. Se essa associação é pertinente ou não, pouco importa. A classe dominante tem levado a sua vidinha como sempre levou. Banqueiros, megaempresários, grandes empreiteiros, estão todos numa situação muito confortável, nada mudou. Lula se elegeria muito facilmente, caso pudesse ser candidato, hoje. Afinal, agrada a classe pobre e não desagrada a classe dominante.

A temporada eleitoral já se inaugurou há tempos e anda a todo vapor. Lula emplacou Dilma dentro do partido e Serra conseguiu vencer, meio na marra, é verdade, as principais resistências entre os tucanos. Será uma disputa ferrenha. Dilma tende a crescer mais e virar gente grande. Deve brigar pau a pau com Serra. Marina e Ciro devem continuar insignificantes.

Há grande diferença entre Dilma e Serra, mas há grandes semelhanças entre eles, também. Aliás, as semelhanças entre Dilma e Serra são maiores que as semelhanças entre cada um deles e seus respectivos aliados. O mais natural seria Dilma e Serra estarem na mesma trincheira e do outro lado do campo de batalha, na outra trincheira, o PMDB estar ao lado dos Demos. Os tipos de farinha estariam mais bem acomodados dentro de cada saco. Já foi assim, no passado. Faz tempo que não é mais. Já passamos desta fase.

De toda forma, não vai ser tão fácil eleger Dilma. Afinal, a candidata não tem o prestígio que o Presidente goza em relação à classe pobre. Também não tem a confiança que Lula conquistou junto à classe dominante. Aliás, uma confiança que a classe rica não deposita em Serra. Talvez confiem menos nele do que na candidata governista. Com isso, na eleição de 2010 a classe média pode ter um papel mais importante. Quem souber tratá-la com perspicácia, pode se dar bem.
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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Motivos para assistir Julie & Julia

O título deste post não é o que parece ser. Não, eu não estou tentando convencer ninguém a assistir este filme. Cinema é uma coisa muito séria pra gente ficar indicando para os outros. Ao que se refere o título são os meus motivos para assisti-lo.

O principal deles é que se trata de uma comédia romântica. E eu, tenho que confessar, gosto de comédias românticas. Sei que, em geral, são fúteis, idiotas e previsíveis. Pois quanto mais fútil, mais idiota, mais previsível, mais eu gosto. Não tem uma justificativa, não tem perdão. É uma falha de caráter, eu sei, entre tantas outras.

A diretora é Nora Ephron, craque neste tipo de filme. São dela Sintonia de amor, Mens@gem para você e A Feiticeira, entre outras bobagens, algumas deliciosas. Conta, como protagonistas, com Meryl Streep e Amy Adams.

Devo confessar que tenho alguma má vontade com Meryl Streep. Sei que ela já ganhou 2 Oscars e foi indicada uma dúzia de vezes. Mas tenho má vontade com ela. Acho-a exagerada, quase sempre. Achei isso em O Diabo Veste Prada e em Terapia do Amor, por exemplo. O único papel em que gostei de sua atuação foi em As Pontes de Madson. Provavelmente, sua atuação foi ótima em outros filmes, talvez em todos. Continuo com má vontade. O problema não é ela, sou eu.

Aqui, achei-a absolutamente caricata, interpretando Julia Child. Isso me incomodou durante toda a exibição e esse sentimento só passou quando cheguei em casa e, procurando no YouTube, encontrei filmes da verdadeira Julia. Pude perceber, então, quão perfeita foi a caracterização feita pela atriz. Admirável!

Amy Adams está se transformando na nova namoradinha da América. Fez pouco mais que uma dúzia de filmes bobinhos, dos quais assisti dois ou três, incluindo o inacreditavelmente idiota Encantada, que vi no avião, indo ou voltando da Alemanha, dublado em português. Uma bobagem de dar medo.

Julie & Julia tem ainda, num papel coadjuvante, o ator Stanley Tucci, um dos meus preferidos.

Saí do cinema feliz. Há muita coisa que me agradou no filme. Ele fala de blogs e de gastronomia, dois assuntos que me interessam e me divertem; a trilha sonora é discreta e interessante; a caracterização de época bem feita. E, como se tudo isso não bastasse, Amy Adams é uma gracinha.
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domingo, 6 de dezembro de 2009

Pornografia

Moacyr Scliar é um grande contador de histórias. Já disse isso, aqui, quando escrevi sobre o livro Os Vendilhões do Templo em que, assim como em A Mulher que Escreveu a Bíblia, ele se utilizou de uma temática religiosa para criar sua narrativa. E isso aconteceu novamente agora, em seu mais recente livro, Manual da Paixão Solitária. Apesar de muito bem escrito, o livro não me empolgou. Talvez essa repetição da temática seja o que tenha tirado um pouco minha empolgação com este seu novo texto. Ou, então, a inserção do componente erótico, quase pornográfico, que domina a narrativa. Outro autor que admiro, mais pelas crônicas do que pelos romances, o João Ubaldo Ribeiro, publicou A Casa dos Budas Ditosos, recheado de pornografia. Também achei o livro ruim. Muito pior que este de Scliar.

Não tenho nada, a princípio, contra a pornografia. Posso até gostar dela, contando que alimente minha imaginação e conduza a um erotismo que, realmente, me excite sexualmente. Isto nem sempre é muito fácil. A pornografia, pra funcionar, tem que mexer com a mente, tem que criar um imaginário instigante, que nos leve a sonhar um sonho que pareça minimamente factível, uma situação possível. E é aí que as várias formas de expressão podem ter maior ou menor chance de lograr sucesso.

A literatura tem um poder muito maior de incitar a imaginação do que o cinema. No cinema, a coisa já vem pronta, construída, escolhida. Na literatura, quem faz as escolhas é o leitor. Por mais que o texto seja explícito, detalhado, sempre sobra espaço pra criação de imagens, paisagens e tons. No cinema as cores estão prontas. Por isso, a um filme, só resta a opção de tentar mostrar alguma coisa que esteja escondida por detrás das imagens. Acaba sendo a antítese dos livros.

Por isso, o que mais me cala fundo, em termos de erotismo, ou mesmo de pornografia, são as narrativas, muito mais do que as imagens. Os filmes pornográficos, aliás, de forma geral e, sobretudo, os mais novos, pecam pela total falta de imaginação, com suas seqüências padronizadas do tipo chupa-é chupado-mete-goza na boca. É sempre a mesma coisa. Sempre. Sem falar na inaturalidade das posições, acrobáticas quase sempre, em sua tarefa de mostrar pra câmera, os ângulos e os detalhes que não deveriam aparecer. Não seria necessário, na verdade.

Sou do tempo em que as revistas masculinas sonegavam tudo. Nem sequer um mamilo era liberado, que dirá um chumaço de pelos pubianos. Hoje, vê-se mais que em consulta ao ginecologista (parafraseando Aldir Blanc). Pelos pubianos continua-se a não ver, pois já não os há (o que fizeram com os pelos pubianos?). Com tanta sonegação de imagens, o exercício da erotização ficava por conta da nossa criatividade. E como sou de uma geração que chegou a ter acesso aos últimos catecismos de Carlos Zéfiro, fica bem claro que mais do que os traços toscos de mulheres nuas e falos desproporcionais, o que levava os jovens às nuvens, eram as histórias contidos naqueles quadrinhos.

Com tudo isso, uma narrativa erótica ou mesmo pornográfica, produzida por um competentíssimo contador de histórias deveria sempre levar ao ápice da excitação sexual. Nem sempre isso dá certo, descobri.

domingo, 29 de novembro de 2009

Futebol ou emoção?

Terminou a penúltima rodada do campeonato brasileiro de futebol, com todos os jogos no mesmo dia e no mesmo horário. Uma hora antes das partidas, entretanto, foi possível assistir Barcelona e Real Madrid, ao vivo, direto da Espanha. Foi fenomenal. Assisti ao primeiro tempo e pude me deliciar com um jogo rápido, objetivo e bonito, praticamente sem passes errados. De um lado, Messi e Daniel Alves e, do outro, Kaká e Cristiano Ronaldo, puderam proporcionar uma partida que, até a metade, me seduzia apesar de não ter gols.

Às 5 da tarde, com o jogo espanhol correndo longe da minha atenção, sintonizei em Goiás e São Paulo, sem perder de vista os jogos do Flamengo e do Palmeiras. No Serra Dourada, o primeiro choque era o gramado. Cheio de terra, com tufos verdes, aqui e acolá. Quanta diferença do tapete de Barcelona. Mas isso não foi nada. O que doía era ver a diferença das jogadas, confusas, atabalhoadas, sem objetividade, como, de resto, tem sido o futebol no Brasil durante todo o campeonato.

De positivo mesmo, só a emoção. A cada minuto os gols iam saindo em todo canto, mudando a classificação de cada time, mexendo na parte de cima da tabela e também na zona de rebaixamento. Ao final da noite, o Flamengo surge como o mais provável candidato ao título, depois de enfrentar um Corinthians desinteressado e com uma disputa com o Grêmio, provavelmente misto, no próximo domingo, no Maracanã. O Grêmio, completo, não ganhou quase nenhum jogo fora de casa. Não vai ser agora que vai ganhar, ainda mais sabendo que uma vitória sobre o Flamengo pode dar o título ao rival colorado. O São Paulo poderia ter ido para a última rodada com todas as chances de ser campeão, mas seu futebol burocrático e sem criatividade não permitiu que vencesse o Goiás. Sobre o Palmeiras, há um mês, todos diziam que seria o campeão. Não será. Não merece. Assim como o São Paulo.

Mas enfim, quem merece? Ninguém. Ou então, todos. Afinal, o que é o futebol que se joga hoje no Brasil? É um futebol de terceira, com jogadores jovens que não têm categoria pra jogar nos campeonatos europeus ou veteranos que deixaram de ter mercado no velho continente.

De qualquer forma, ninguém pode reclamar. Pra quem gosta de emoção, de competição, pra quem gosta de torcer, o brasileiro é imbatível. É o único campeonato nacional que, faltando 3 ou 4 rodadas para terminar, apresentava 5 ou 6 times com chances reais de serem campeões. Emoção garantida, portanto.

Pra quem gosta de futebol, de esporte, sempre há a possibilidade de ver os jogos do campeonato espanhol, Italiano ou inglês. Que cada um faça a sua escolha.

sábado, 28 de novembro de 2009

O amor medíocre

Pegar dois atores que desejam trabalhar juntos pela percepção mútua de que têm uma boa empatia e, a partir disso, fazer um filme para satisfazer este desejo, pode parecer uma idéia esdrúxula. Pois foi exatamente o que aconteceu com o filme Tinha que ser você, tradução infeliz que o distribuidor brasileiro encontrou para Last chance Harvey, segundo filme do diretor Joel Hopkins. Assistindo ao making off contido nos extras do DVD, é ele próprio quem dá a entender que seu trabalho foi coadjuvante. O filme e o roteiro foram feitos para saciar a vontade de Dustin Hoffman e Emma Thompson de trabalharem juntos. Dessa forma, a história poderia ser qualquer uma, isso não importa muito, já que a idéia era que ela servisse de meada para que estes excelentes atores expusessem, cada um, seu fio. O mais interessante é que eles nem parecem estar atuando. Parecem estar vivendo suas vidas, normais e medíocres, como afinal, todas as vidas são.

O enredo trata do amor maduro, e de como ele pode ser construído a partir de uma paixão. Estamos acostumados ao amor e à paixão das pessoas jovens. Somos bombardeados, diariamente, pelo cinema e pela televisão, com casais bonitos e sarados se apaixonando e se amando nos filmes, seriados e novelas. Os feios, os gordos e, sobretudo, os velhos, não amam e muito menos se apaixonam no mundo retratado pela arte de massa. E quando o fazem, é de uma maneira contida ou caricata.

Neste filme a coisa é tratada com mais naturalidade, como realmente pode acontecer na vida real, a vida mediana que todos nós levamos. Esta naturalidade se deve muito às atuações de Dustin e Emma, dois atores acima da média.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Criticar virou pecado?

Alguns dias atrás, numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o artista Caetano Veloso disse algumas besteiras a respeito do presidente Lula, chegando a ofendê-lo, inclusive. Caetano Veloso falar besteira não deveria ser novidade pra ninguém e, por isso mesmo, eu não valorizo o fato tanto quanto a mídia o fez. Aliás, nem mesmo a sua mãe, sabiamente, concordou com ele. Chamou sua atenção em público, deu-lhe um merecido puxão de orelha. Isto não vai fazer Caetano Veloso deixar de falar bobagens, já que sua incontinência verbal parece ser uma patologia crônica. Tivesse aberto a boca para elogiar o presidente Lula ou para criticar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, provavelmente teria falado besteira, também. Afinal, a qualidade que lhe sobra ao lidar com as palavras, na forma poética, lhe faz falta quando as usa para emitir opiniões. É um pouco o que ocorre com Pelé, que não consegue, dando declarações públicas, nem mesmo um milésimo da qualidade que obtinha com a bola nos pés. Alguns artistas deveriam ficar sempre calados.

De qualquer forma, o que me tem incomodado, ultimamente, não é a opinião de artistas como esses, da música ou da bola. O que tem me incomodado é o quanto as críticas ao presidente Lula são recebidas como pecados imperdoáveis por uma parcela das pessoas que eu respeito.

Eu tomo sempre muito cuidado ao criticar o nosso presidente. Temo ser confundido com a maioria que o critica pelo fato de ser nordestino; por sua origem operária; por seus deslizes na língua portuguesa; por ter um dedo a menos, perdido num acidente de trabalho. Temo ser confundido com a horda de preconceituosos que desprezam o povo brasileiro e adoram não fazer parte dele, embora dele dependam para limpar suas latrinas, varrer suas calçadas, servir os copos de chope que tomam em restaurantes requintados ou em botequins imundos.

Não aceito, entretanto, que o medo de ser confundido com os beócios me impeça de criticar aspectos de seu governo com os quais não concordo, como a sua capacidade infinita de se compor, politicamente, com qualquer exemplar da fauna brasileira. Não me tomem por ingênuo. Sei muito bem que composições políticas são absolutamente necessárias para sustentar a governabilidade. Sei também, entretanto, que o que baliza, minimamente, uma conduta política apropriada é a existência de limites e critérios na elaboração destas composições.

Nunca fui petista, mas isso não me impede de reconhecer inúmeras virtudes do atual governo. Este reconhecimento, entretanto, não embota minha visão e nem deve bloquear minha capacidade de identificar erros na atuação de Lula.

Não tenho nenhuma simpatia particular com qualquer partido. Esse tempo, pra mim, já passou. Foi uma época em que eu nutria, ainda, alguma crença na espécie humana. Como não a tenho mais, faço questão de preservar, ao menos, a liberdade de elogiar e criticar, quem quer que seja, sem sentir-me um pecador.

domingo, 22 de novembro de 2009

Há preconceito sim. E onde está o problema?

Sexta-feira passada, dia da consciência negra, que é feriado em algumas cidades brasileiras, eu fui trabalhar, como faço sempre, ouvindo rádio, sintonizado na CBN. Depois de ouvir os comentários habituais, alguns que gosto e outros nem tanto, ouvi uma reportagem feita no Rio de Janeiro sobre o preconceito racial. Dois repórteres, mesma idade, altura equivalente, trajando roupas parecidas, um negro e outro branco, foram a diversas instituições comerciais e bancárias para avaliar se seriam atendidos de forma diferenciada. O resultado óbvio é que sim, ouve diferença no atendimento.

Na concessionária de automóveis, o repórter negro, apesar de andar pelos carros zero quilômetro demonstrando interesse, não foi abordado por ninguém. O branco, sim. Em poucos segundos, havia ao lado dele um vendedor que gastou um bom tempo com explanações técnicas sobre os carros. O mesmo ocorreu numa grande livraria, no setor de informática, em que a representante comercial de uma marca japonesa de notebooks só deu atenção ao repórter de pele clara. Numa das agências bancárias em que tentaram entrar, o dispositivo que bloqueia a porta “automática” só travou para o repórter negro, embora ambos estivessem com exatamente os mesmos objetos dentro das respectivas bolsas. Muito provavelmente, o automatismo do dispositivo de segurança era o olhar atendo do vigia, de dentro de sua guarita.

A reportagem segue esta toada e acaba concluindo que sim, existe preconceito racial no Brasil. Será que alguém ainda duvida disso? A pergunta que faço é: seria só isso?

A intenção que eu identifiquei na reportagem é muito mais grave. O que se estava tentando passar é a ideia de que o preconceito é um sentimento inerente na população, um traço genuinamente cultural, quase inconsciente. Isso fica claro quando a reportagem não divulga o nome da concessionária e nem a marca que ela representa, quando não revela o nome do banco, quando não diz em qual livraria ocorreu o fato reportado. É como se o preconceito só existisse nas camadas mais humildes da população, deixando a classe dominante de fora disso. A representante comercial da “famosa marca japonesa” de computadores era negra, ressalta o repórter. E eu duvido que o vendedor da concessionária tenha dinheiro para comprar o carro zero que oferece ou que o vigia do banco tenha cheque especial. Aquelas pessoas deram tratamento diferenciado para os repórteres só por preconceito? Acho que não.

Aquelas pessoas fizeram aquilo por absoluta convicção de que o rapaz negro não teria dinheiro para comprar o carro zero ou o notebook. Pode até ser uma convicção equivocada, mas foi sincera. E essa convicção vem do conhecimento da nossa realidade. Vem da constatação de que aos negros são dadas as piores oportunidades de trabalho, os menores salários, bem menos chances de crescer. E é isso que faz com que muitos deles tenham que migrar para a informalidade, para a mendicância, para a marginalidade, eventualmente. As condições de vida da população negra, no Brasil, são piores porque isso interessa a uma elite que se beneficia de sua existência, da mão de obra mais barata, da discriminação racial da classe média. Tudo é muito mais que preconceito. É puro jogo de interesses.

O preconceito racial existe sim, isso é óbvio, mas é muito desonesto parar a discussão por aí. Como é hipócrita acreditar que se pode acabar com ele ou diminuí-lo, sem identificar, claramente, os motivos de sua existência. É muito confortável debitar à população menos favorecida o ônus desta culpa. É como se racista fosse só esta manada de vendedores, vigias e recepcionistas, todos eles também vítimas de algum tipo de discriminação, muitos deles, também negros.

O preconceito e o racismo existem sim. É até ofensivo negar. Mas o problema não para por aí.

sábado, 21 de novembro de 2009

Miopia

Quem acredita que conseguirá ter isenção suficiente, devido à perspectiva histórica, ao ler um livro 30 anos depois dele ter sido escrito, narrando fatos ocorridos 10 anos antes, está redondamente enganado. 40 anos não significam nada, mesmo numa vida curta como a nossa. Podem curar a miopia, mas não cicatrizam feridas.

Foi isso que ocorreu comigo, na semana passada, quando peguei pra ler o livro Os carbonários, de Alfredo Sirkis. Por algum motivo, não o li quando comprei, há 30 anos. E agora, escolhido a esmo na estante, devorei, rapidamente, suas páginas já amareladas.

O relato fala do movimento estudantil nos anos mais brabos do regime militar, entre 1968 e 1969. Mostra como uma parcela da juventude, da classe média da época, resolveu embarcar numa canoa que, os fazia crer, levaria a um mar de águas mais limpas e, sobretudo, mais justas. A mesma classe média, que havia marchado com deus e a família, estava agora dando alguns de seus filhos para a aventura da luta armada. Desiludida com a redentora, vendo a água chegando aos seus pés, a mesma água que já tinha afogado muita gente, reagiu a seu modo, ensaiando uma indignação efêmera, pra depois abandonar os filhos à própria sorte. De repente, eram alguns gatos pingados, desviados do caminho, mas a vida segue, o que se há de fazer?

O livro nos mostra o quanto aquela geração acreditou neste caminho e o quanto não foi capaz de ganhar a população para a sua luta. Não ganhou os próprios pais, não ganhou a esquerda engessada (às vezes auto-engessada), não sobreviveu. Mostra a divisão entre os diversos grupelhos de esquerda, minúsculos, sectários, inconciliáveis, e como a repressão fez uso disto com muita facilidade. O livro escancara a bravura, a inocência e a ilusão de uma legião de meninos sinceramente bem intencionados. Depois da derrota, nunca mais conseguimos produzir meninos assim no nosso país. Depois da derrota veio a desilusão, o desbunde, a apatia. Ler o livro com 30 anos de distância só ajudou a compreender, mais facilmente, o quanto era inglória aquela empreitada, o quanto era óbvia a incapacidade de vitória, o quanto foram ingênuos aqueles meninos guiados por pessoas tão experientes quanto irresponsáveis.

Tivesse lido o livro à época do lançamento, à beira da abertura, teria praticamente a mesma reação que tive ao lê-lo agora, 30 anos depois. Uma reação carregada de indignação com as atrocidades que os detentores do poder foram capazes de patrocinar. Morte, tortura, sofrimento desmedido. A distância pode ajudar a curar a miopia, mas não é suficiente para diminuir a indignação. Esta, acho, nem 100 anos conseguem isolar.

sábado, 7 de novembro de 2009

Samba em Almanaque

A sensação imediata que tive, ao começar a ler Almanaque do Samba de André Diniz, foi de uma incômoda superficialidade. Percebi rapidamente, entretanto, que não seria possível tratar a história do samba e de suas conseqüências e ramificações num livro de 270 páginas. Nem 200 livros deste tamanho seriam suficientes para tratar o tema com a profundidade que ele merece. Por isso mesmo, e felizmente, consegui prosseguir a leitura encarando o que levava nas mãos como o que ele realmente é, um almanaque, obviedade explícita em seu título.

Como almanaque, o livro é delicioso. Apesar do deleite, me consumia, durante a leitura, outra sensação, a de vazio. Não que as informações ali contidas não fossem importantes ou corretas, muito pelo contrário, mas, ao longo de todo o livro, não me deparei com nenhuma sequer que eu já não soubesse. E esta sensação de vazio, ainda bem, não chegou a me provocar uma outra, que seria muito pior, a de decepção. Não, absolutamente. Li o livro pensando nas pessoas que acham que samba é aquela música que fazem certos grupos vestidos com paletós de mangas dobradas e ficam dançando e dublando nos programas dos Faustões da vida. Consegui ler um livro desprovido de informações desconhecidas, com inexplicável prazer. E esse é o prazer que me provoca o samba que, de tão amado, beira o sectarismo.

O início do trabalho é dedicado às origens e vai enveredando pela história, numa linha temporal conservadora e correta, passando pelos grandes compositores, os grandes intérpretes, as escolas de samba, até chegar nas influências que o samba desencadeou. É aí que, a meu ver, reside o seu ponto fraco. Ou então, é aí que se esconde a minha intolerância, quiçá meu preconceito. É que enquanto não contesto o valor que a Bossa Nova ou o movimento tropicalista tiveram, influenciados com obviedade pelo samba, o autor transige com excessiva benevolência com o Axé e o Pagode Paulista, um arremedo de música, bonde que alguns artistas oportunistas souberam tomar para faturar alguns trocados.

Fora isso, apenas alguns deslizes, mínimos, que meu amor ao samba acaba por superlativar. Deslizes como afirmar que Samba do Avião é de autoria de Tom e Vinícius sendo que letra e música são exclusivamente da autoria de Tom Jobim. E não foi um erro de digitação, já que utiliza este clássico do nosso maestro soberano para ilustrar o verbete do poetinha.

Outro deslize ocorreu ao informar que a Academia Brasileira de Letras exaltou a qualidade dos versos do samba Quem me vê Sorrindo de Cartola e Carlos Cachaça exibindo um trecho dos versos: “semente de amor, sei que sou, desde nascença...”. Na verdade, os versos citados são de outro samba da mesma dupla com Zé da Zilda, chamado Não quero mais amar a ninguém. Uma verdadeira confusão. De positivo, só o fato dos dois sambas serem magníficos.

Os deslizes, reconheço, são poucos e pequenos e não comprometem a qualidade do livro. Reconheço, também, que eu sou um chato de galocha e que consigo ficar irritado com esse tipo de coisa, irritação que passa rapidinho, depois de dois copos de cerveja.

A conclusão é que o livro é bom. É gostoso de ler e é útil para quem conhece pouco de samba e, principalmente, quem acha que samba é aquilo que fazem aqueles grupos dos paletós de manga dobrada. Samba, de verdade, de luxo, é uma coisa muito diferente daquilo. Aquilo é lixo.

domingo, 25 de outubro de 2009

A melhor cantora, hoje.

O Brasil sempre foi muito abundante de boas cantoras. Sempre teve, tem e sempre terá algumas maravilhosas. Divinas, majestosas, suaves, apimentadas. Gosto de muitas delas.

Hoje, sem nenhuma dúvida, a cantora que mais me emociona, de longe, é Mônica Salmaso.

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pompa

Genialidade e virtuosismo, em música, são características invejáveis, entretanto, raras. Enquanto uma gera grande resultado criativo, o outro garante apuro na execução, proporcionando resultado igualmente embevecedor. Já que raras, são características quase impossíveis de se encontrar juntas, numa só pessoa. Assim, tão feliz combinação é mais fácil de ocorrer na união de talentos.

Pois foi felicidade, justamente, o que eu senti ao ouvir, já na primeira oportunidade, o disco de Guinga com Paulo Sérgio Santos, Saudade do Cordão.
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Di menor (Guinga e Celso Viáfora)
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Guinga é capaz de verdadeiras atrocidades quando a tarefa é exterminar o lugar comum. Suas músicas são sempre especiais, nunca ralas. Por muitos, considerado irascível, característica dos gênios, sua obra é respeitada e, muitas vezes, cultuada por qualquer ser que consiga identificar qualidade na combinação de notas musicais. Dono de um dedilhado preciso, é na criação das melodias e harmonias, entretanto, que seu talento se expressa com maior fulgor.

Não tenho conhecimento de alguma obra composta por Paulo Sérgio Santos. Conheço há muito, entretanto, a qualidade interpretativa do clarinetista do Quinteto Villa Lobos. Seu virtuosismo trafega do erudito ao popular, sem que ele tenha de lançar mão de malabarismos, recurso muito empregado por inúmeros instrumentistas. Transita entre Bach e Pixinguinha com a naturalidade de quem sabe tratar-se da mesma coisa.

Juntar estes dois monstros da nossa música, gênio e virtuose, só poderia dar no resultado que deu: um disco inebriante. Só mesmo esse som pra me motivar a escrever um texto tão recheado de termos pomposos. Não poderia ser diferente. Esse disco merece pompa.

domingo, 11 de outubro de 2009

Ciência e fé

Não foi por coincidência que o fim da minha fé em deus aconteceu no momento em que eu ingressei na escola técnica, aos 14 anos. Afinal, a intimidade com os átomos e as moléculas e tudo o que podia ocorrer com eles, devidamente comprovado nos laboratórios de física e química, pareceu, aos meus jovens olhos, incompatível com as crenças que a família tentava incutir em minha mente. Empreendi, naquele momento, uma peleja contra a fé, sempre aparado no conhecimento científico que começava a desvendar, excitado.

Com o tempo, minha crença não ressurgiu, mas aprendi a respeitar e, até mesmo, a entender o efeito que a fé pode causar nas pessoas, em grande parte das vezes, um efeito positivo. Percebi o quanto esta fé pode fazer bem a essas pessoas e o quanto a existência deste suporte pode servir de alento e até mesmo de consolo, nos momentos difíceis pelos quais, todos nós, acabamos passando. Hoje, lido muito bem com qualquer manifestação de fé que as pessoas possam ter, respeitando o direito de todas elas escolherem seu caminho. Minha tolerância não é tão elástica em relação às igrejas que canalizam, formatam e manipulam esta fé.

No fim de tudo, é sobre isso que trata o livro A goleada de Darwin, de Sandro de Souza. Em 90% dos seus capítulos, ele trata do debate entre criacionismo e darwinismo, quando levados aos bancos escolares, sobretudo nos Estados Unidos. Mostra o quanto uma grande parcela daquela sociedade rejeita a teoria de Charles Darwin e como, no início do século passado, foi difícil ensiná-la nas escolas americanas. Hoje, depois da batalha ganha pela teoria da evolução das espécies, existe, ainda, um forte movimento no sentido que se ensine, também, outra versão da história, baseada na crença da criação do universo e, sobretudo, da humanidade, por uma entidade divina.

O livro não rejeita este ensino. O livro resiste a que esse ensino seja feito nas aulas de ciência. E nesse ponto, concordo plenamente com ele. Acho lícito ensinar essa versão do caminho que criou a vida numa aula de teologia, filosofia, ou até mesmo de história. Nas aulas de ciências ou biologia deve-se ensinar o que está cientificamente comprovado, ou seja, a teoria da evolução da espécie e da seleção natural, desenvolvida por Charles Darwin, mais de 100 anos atrás.

A principal conclusão do livro, afinal, é, justamente, perceber que ciência e fé podem caminhar juntas, contanto que cada uma ocupe o seu lugar na mente das pessoas e, principalmente, nos bancos escolares.

domingo, 4 de outubro de 2009

Aos 74 anos, morre La Negra


A primeira vez que fui a Buenos Aires foi numa viagem de trabalho. Meu portuñol era muito pior do que é hoje e eu ainda não fora apresentado à carne argentina e ao tango, duas das minhas paixões atuais. Dos argentinos eu só conhecia Mercedes Sosa e Violeta Parra, já que as canções desta, na voz daquela, embalaram meus sonhos na juventude. Foi uma época em que eu tinha esperança nos homens. Conhecia tão pouco a Argentina que achei, até hoje, que Violeta Parra fosse de lá, mas era chilena, me corrigiu o bom amigo Bruno Ribeiro.

Naquela viagem, indo de taxi para o trabalho, vi um cartaz que anunciava um show com La Negra, naquela semana. Era um teatrão antigo e imponente, na Avenida Corrientes, próximo ao hotel em que eu estava hospedado, na região central da cidade. Fui à bilheteria e comprei um lugar na primeira fila do balcão superior. Na platéia não havia mais lugar.

A primeira parte do show foi só com músicas mais modernas, com participações de artistas, até então, desconhecidos pra mim, como Fito Paes e Charly Garcia. Foi um bom show, mas eu sentia um certo vazio, ansioso por ouvir as canções que embalaram a minha mocidade. Após o intervalo, ela volta e começa a cantar todos os clássicos de Violeta Parra, Victor Jara, Athaualpa Yupanqui. Não tive como segurar as lágrimas. Eu estava lá, sozinho e longe das pessoas que mais amo e, ao mesmo tempo, muito perto de mim. Perto da pessoa que havia sido anos antes, cheio de sonhos e esperanças.

Morreu Mercedes Sosa, muito tempo depois que morreu, em mim, a esperança. Mesmo assim, sinto saudades. Saudades de um tempo, saudades de uma cantora, saudades de mim.





sábado, 3 de outubro de 2009

E o povo, pra variar, dança

O Rio de Janeiro vai realizar os Jogos Olímpicos de 2016. Assim que o resultado saiu, foi anunciado pelos principais sites de notícias on-line que exibiram fotos do povo dançando nas ruas, em comemoração. É a comemoração da amnésia.

Esqueceu-se, já, tão cedo, da farra que foram os Jogos Pan-americanos, com obras super faturadas e uma herança inútil para a cidade do Rio de Janeiro, a mesma de agora. Esqueceu-se das promessas não cumpridas, de antes do Pan. Esqueceu-se da engenhoca que é o Engenhão, estádio tão indesejado que foi cedido a um clube que deve cair pra segunda divisão. Estádio que não vai servir pra Copa e que não vai servir pros Jogos Olímpicos. Não serve pra nada. Esqueceu-se que a prestação de contas não foi prestada, virou tudo um faz-de-conta.

Estão comemorando, a Rede Globo e os grandes jornais brasileiros, de olho nas verbas de publicidade que o governo, certamente, vai despejar na grande mídia. Estão comemorando as empreiteiras, de olho nas obras que vão fazer com o dinheiro público, o nosso dinheiro. Aliás, a comemoração é dupla, já que teremos Copa do Mundo, em 2014, e Olimpíadas, em 2016. Vai ser uma festa, uma gastança.

Já posso ver o atraso nas obras e no planejamento, o que vai acabar justificando a falta de licitação para contratar as empresas. Exatamente como aconteceu no Pan. Será que ninguém se lembra disso? Será que toda essa gente, que dança nas ruas, prefere que seu dinheiro seja utilizado pra construir estádios, em cidades onde não há times de futebol, ao invés de colocar remédios nos hospitais públicos? Será que não percebem que um evento defendido por João Avelange e Carlos Arthur Nuzman não merece crédito?

O Presidente Lula está radiante. Como todos os políticos, aliás. Afinal, em 2014, ano da Copa, o candidato Lula vai estar em plena campanha, assim como Serra, ou Aécio, até Ciro Gomes. Qualquer um que seja eleito vai pegar os Jogos Olímpicos no meio do mandato. Mais motivo de festa. Mas isso é natural da política. O que me preocupa é a comemoração dos outros. Daqueles que vão ganhar muito dinheiro sem investir um centavo, daqueles que vão conseguir financiamento a juros mais baixos do BNDES.

Comemoram os Marinhos, os Frias, os Mesquitas, os Odebrechts, os Correias, os Gutierres. Todos eles comemoram, mas quem dança, pra variar, é o povo.
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terça-feira, 29 de setembro de 2009

Honduras. Honduras?

Sou, por princípio, contra qualquer golpe de estado, seja ele proveniente da direita ou da esquerda. Embora reconheça as imperfeições dos regimes democráticos, tenho a convicção de que nenhuma outra forma de governo apresenta alguma vantagem sobre a democracia. Sobre as formas de estado, a história tem demonstrado, ao longo do tempo, que nenhuma das que foram experimentadas conseguiu promover bem-estar e justiça social para a maioria da população.

Voltando aos golpes de estado, devido a este meu princípio, encarei com orgulho a posição firme do governo do presidente Lula de repudiar, sem nenhuma tolerância, a tomada de poder em Honduras, absolutamente ilegal. Lembrei-me da época em que os golpes de estado pipocavam na América Latina, época que não traz nenhum resquício de saudade.

Não nutro nenhuma simpatia pela figura do presidente deposto, Manuel Zelaya, assim como sua figura, tampouco, me inspira antipatia. Humildemente, confesso que nunca tinha ouvido falar nesta pessoa. Confesso, ainda, que seu jeito meio fanfarrão, com bigode e chapéu, não me motivaria a convidá-lo para uma feijoada em minha casa, mas isso não quer dizer nada, já que são pouquíssimas as pessoas a quem me animo a enviar este convite. O não quer dizer que a figura do presidente golpista, Roberto Micheletti, com seu terno e sua gravata, me inspire mais simpatia, muito pelo contrário. Tenho certa má vontade com quem usa, constantemente, este tipo de roupa, em cidades de clima tropical ou equatoriano, seja político, empresário ou treinador de time de futebol. Acho isso um pouco jeca.

De toda forma, meu conhecimento sobre Honduras, ou qualquer outro país da América Central, é nulo e, mais uma vez confesso, desta vez envergonhado, que não tenho nenhuma curiosidade em aumentá-lo. Sugiro, para quem tenha uma ânsia maior que a minha por detalhes sobre este episódio, que leia este texto do Bruno Ribeiro, com o qual eu concordo, como concordo, em boa parte das vezes.

Faço esta sugestão movido pela convicção de que os nossos jornais e revistas não estão dando o tratamento adequado ao caso. Muito menos os canais de televisão. E se a situação em Honduras não move meu ânimo, a maneira com que nossos mais tradicionais órgãos de comunicação se comportam, isso sim, me tira do sério. Eles conseguiram, por exemplo, inventar (ou apropriar-se) de termos capciosos para qualificar o regime instaurado ilegalmente. Chamaram-no “governo de fato” ou “governo interino”, coisas que ele não é. É um governo golpista, simples assim. Agora, aparentemente, os jornais começam a economizar estas expressões (será vergonha?) e a utilizar o verdadeiro nome do regime, mas não fazem isso de maneira sistemática. Usam uma expressão na manchete e outra no corpo da matéria, quem sabe para criar uma mensagem subliminar no leitor. A TV, entretanto, continua firme em sua qualificação errada do governo ilegal.

O acerto do nosso governo ao repudiar o golpe de estado e oferecer abrigo (ou asilo) ao presidente deposto não está sendo repetido, em minha opinião, na maneira com que está conduzindo a situação. O Itamarati, pelo que tudo indica, perdeu o controle, por não ter adotado um plano para conduzir uma crise absolutamente previsível, desde que resolveu dar abrigo ao bigodudo. Com isso, corre o risco de perder o respeito que conquistou no primeiro momento da crise. Seria uma pena.

domingo, 27 de setembro de 2009

Emoção e Arrepio

Não sei o que é que me emociona mais ao ouvir este samba. Se é ouvir o nome de tantos bambas ou se é identificar quem está cantando cada verso. Devem ser as duas coisas. Só sei que me arrepia.
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O samba bate outra vez
(Maurício Tapajós & Paulo Cesar Pinheiro)


Odete, Aracy, Dona Ivone
SíIvia Teles, Claudette, Simone
Clara, Beth, Elizeth, Alcione
Dolores Duran, Clementina
Carmem Costa, Miúcha e Cristina
Gal, Bethânia e Elis Regina
Nora Ney, Nana, Linda e Dircinha
Dóris, Elza, Marlene, Emilinha
- O samba bate!

O samba bate outra vez
Bate outra vez, não pára
Bate no Estácio, na mídia
No estúdio, no pódio, no estádio
Num gol do Mengão campeão
E nos programas de televisão
Jornal e rádio

O samba bate outra vez
Bate outra vez e invade
Bate no bar, na boate
Nos palcos de toda cidade
Que bom que já bate esse som,
Que é do Brasil,
Dentro do coração da mocidade!

O samba bate outra vez
O toque de reunir
O samba é que leva emoção
Ninguém pode impedir
O samba é que é revolução
É preciso que se convençam
Por isso hoje o samba saiu
Saiu de novo pra quem não ouviu
E vem do compositor do Brasil
Com sua benção!

Pixinga, Vinícius e Baden
Caymmi e Chico Buarque
Vanzolini e Mauro Duarte
Manacéa e Waiter Alfaiate
Wilson Moreira e Nei Lopes
Bide, Brancura e Baiaco
Marçal, Ismael, Nilton Bastos
Casquinha, Candeia e Monarco
O samba bate!

(O samba bate outra vez...)

Mijinha, Anescar, Aniceto
Assis Valente, Ataulfo, Herivelto
Ary Barroso, Jobim, João Gilberto
Haroldo Lobo e Janet de Almeida
Wilson Batista e Geraldo Pereira
Mano Décio e Silas de Oliveira
Vadico, Sinhô, Noel Rosa
Luis Reis e Haroldo Barbosa

Donga e João da Baiana
Monsueto e Luis Soberano
Claudionor e Pedro Caetano
Cartola e Nelson Cavaquinho
Elton Medeiros, Zé Kéti e Paulinho
Mirabeau, Zé-com-Fome, Valzinho
Lyra, Menescal e Bôscoli
Donato, Aldir, João Bosco

Miltinho, Aquiles, Rui, Magro
(A moçada do MPB-4)
Dick, Lúcio, Emílio Santiago
Vassourinha e Ciro Monteiro
Jamelão, Dilermando Pinheiro
Roberto Silva e Roberto Ribeiro
Mário Reis, Jorge Veiga, Moreira
Zimbo Trio, Jair, João Nogueira
O samba bate!

(O samba bate outra vez...)

sábado, 26 de setembro de 2009

O pior pecado

A cena se repete todos os dias, invariavelmente. Pode mudar o cenário, com nuvens ou com céu aberto, mas os personagens são os mesmos, ainda que mudem. Eu, sozinho no carro, sou como tantos outros, a maioria sozinhos, indo em seus carros, manhã bem cedo, rumo ao trabalho. Há os que andam nas calçadas, determinados, ambos os lados, um rumo parecido. Descem dos ônibus ou se dirigem ao ponto. Rostos diferentes, roupas diferentes, o mesmo semblante. O cenho fechado, grave, obscuro, como o que exibimos nós, de dentro dos carros.

E no meio desta cena, eis que um personagem me chama a atenção. É um rapazote no mesmo cenário que todos, também anda sozinho, determinado, indo pro trabalho ou pra escola, quem sabe. É de manhã cedo, como é pra todos. O mesmo céu, o mesmo chão. O que difere é um inexplicável sorriso em seu rosto.

Não há uma imagem engraçada em seu campo de visão e nenhuma mulher especialmente bonita anda à sua frente e nem vem ao seu encontro. Não é um riso largo, nem um riso de ironia. Também não é um sorriso idiota. Não é dirigido a ninguém que se possa notar. É um sorriso só dele, que não precisa ser explicado e que, talvez, nem ele mesmo perceba. Nem é um sorriso especialmente bonito, mas é um sorriso, só isso.

Vendo aquilo, pequei o pecado que eu mais abomino. Vendo aquilo, senti uma curtíssima e imensa ponta de inveja.

Samba e piano

Ivan Lins não está entre meus ídolos. Na verdade, eu não gosto dessa idéia de idolatrar ninguém, mas há artistas por quem tenho extrema admiração. Artistas que me comovem, fazendo músicas que me emocionam. Músicos que me seduzem com canções que fazem minha vida ser mais feliz. Enfim, Ivan Lins não está entre eles.

Não estou dizendo que desgosto deste artista. Muito pelo contrário. Acho que sou capaz de relacionar dez ou até vinte músicas dele que acho excelentes. Gosto muito da maneira que ele lida com a harmonia e percebo sua assinatura em muitas composições, em geral, gostando dela. Me incomoda, entretanto, sua voz um tanto metálica e sua maneira de executar o piano, de forma martelada. Gosto bastante, enfim, de algumas de suas músicas, preferencialmente cantadas por outros artistas. E, da mesma forma, nunca me interesso quando ele canta músicas de outros compositores.

Foi por tudo isso que não me interessei em ouvir o disco em que Ivan Lins canta Noel Rosa, há doze anos, quando foi lançado. Afinal, se Ivan Lins figura entre os artistas que eu apenas admiro, Noel está naquela outra categoria, a de quase idolatria. Fiquei imaginando seu martelo assassinando as clássicas obras de um gênio, e sua voz metálica profanando algumas letras magistrais do poeta da Vila Isabel. Além do mais, tenho tremenda má vontade com a mistura de samba e piano. O disco saiu e eu deixei passar.

Por esses dias, por puro acaso, este CD começou a tocar no meu carro (Acaso, aliás, é uma das canções de Ivan Lins que muito me agradam). Fui tomado de grande surpresa. Surpresa, aliás, é o que mais existe neste trabalho, lançado, inicialmente, em 2 volumes e depois relançado em formato de box, com a adição de um terceiro. Já na primeira faixa, numa grande sacada, o samba De Babado de Noel e João Mina é transformado em um partido alto em que Ivan versa ao lado de Nelson Sargento, Nei Lopes e Zeca Pagodinho, partideiros notórios. Outra surpresa agradabilíssima é que o piano foi deixado a cargo de duas feras do instrumento: Cristóvão Bastos e Leandro Braga. Desse jeito, um piano se encaixa bem até em bateria de escola de samba. Entre os músicos, executando o samba mais autêntico que a nossa gente é capaz de produzir, tem gente da lavra de Armando Marçal, Cláudio Jorge e Marcos Suzano. Fica difícil não acertar.
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De Babado (Noel Rosa & João Mina)

Como se isso tudo já não fosse suficiente, há participações especiais de uma turma do primeiro time da nossa música como Chico Buarque, Caetano Veloso, MPB4, Nana Caymmi, Leila Pinheiro, Fátima Guedes, Zé Renato e Guinga, entre outros do mesmo quilate. O som fica quase perfeito. O que destoa é o que eu já previa: a voz metálica de Ivan Lins. Mesmo isso não consegue estragar este excelente trabalho. Ainda bem.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Avidez

Faz muito tempo que eu não lia um livro com tanta avidez. Elogiado por Elio Gaspari em sua trilogia da ditadura brasileira como o mais importante documento sobre a conspiração dos militares, Visões do Golpe - A memória militar de 1964 foi lançado em 1994 pela Relume-Dumará e relançado, 10 anos depois, pela Ediouro. Organizado por Maria Celina D’Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro, o livro traz depoimentos de 12 militares que participaram ativamente da conspiração que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Todos oficiais de média patente, nenhum deles teve ação decisiva na eclosão do movimento, levado a cabo por generais, mas ao curso do tempo, foram sendo promovidos ao generalato e conduziram o regime ao longo de 20 anos com a morte ou reforma daqueles que deflagraram o golpe. O golpe, aliás, presente no título, é tratado pelos entrevistados por revolução, como se ela tivesse se originado do seio e dos anseios da população. Defendem o golpe com muita altivez.

Deixando claro que têm, muito firmemente, suas próprias convicções, os organizadores decidem eximir-se de mostrá-las para oferecer aos leitores o pensamento dos militares entrevistados. Sendo assim, o livro acaba não cometendo o maior pecado que cometeu Elio Gaspari ao não conseguir disfarçar sua clara admiração por Geisel e Golbery em sua trilogia. Esta é a diferença entre livros de história quando são escritos por jornalistas e quando são escritos por cientistas políticos, sociólogos ou historiadores.

O que fica patente, no livro, além do fato de todos os entrevistados defenderem o golpe, é a clara existência, na época, de dois grupos distintos dentro das forças armadas. Os Castelistas e os Costistas, uns defendendo a legalidade e outros, a chamada Linha Dura. Todos eles reconhecem que Castelo Branco tinha por objetivo devolver o poder a um civil depois de seu mandato. Segundo eles, esta disposição foi atropelada pelo grupo da linha dura que teria, aliás, levado Costa e Silva a apoiar esta direção. A maioria admite que Costa e Silva queria o poder, desde a deflagração do golpe, o que não significa que quisesse a presidência. Isto, pra mim, é mais do que suficiente para caracterizar o regime como uma ditadura.

Independentemente das questões históricas, o relato dos entrevistados serve para deixar muito clara a maneira como pensam os militares, como eles se consideram em relação aos civis e como é importante, mais do que tudo, a questão da hierarquia dentro das corporações. Tanto que, todos eles não hesitam em apontar como causa da deflagração do golpe o apoio que Jango deu aos sargentos e marinheiros nos momentos em que se sublevaram ou questionaram a ordem estabelecida dentro das casernas. Muitos deles não titubearam em declarar que sem este apoio, provavelmente, os militares não teriam se unido a ponto de desferirem o golpe no estado. Afirmam, sobretudo, que Castelo Branco não o faria.

E esta afirmação me leva, sempre, a fazer pequenas digressões condicionais. Como seria o nosso futuro se Jango não tivesse sido deposto? E se Jânio não tivesse renunciado? Aliás, o que teria acontecido se Lott não tivesse garantido a posse de Juscelino? O que teria sido de nosso país se Getúlio não tivesse dado um tiro no peito? Nada disso, porém, serve pra alguma coisa. A história não admite o uso da conjunção condicional.

O livro trata apenas do período que vai da tomada do poder até a posse de Costa e Silva, como segundo presidente militar. Engloba, portanto, o tempo anterior ao recrudescimento do regime, com sua onda de repressão e tortura, marcas registradas dos governos de Costa e Silva e Médici. Mas, como na obra de Gaspari, este livro faz parte de uma trilogia. Sendo assim, já tenho em minhas mãos o segundo volume, cujo título é Os anos de chumbo. Este, sim, é um período que me interessa ver como os militares vão encarar.

sábado, 29 de agosto de 2009

Nem samba nem tango

Quem acompanha este blog, há algum tempo, sabe o quanto eu gosto de Buenos Aires. Quem não sabe deste gosto, pode ler o que eu escrevi aqui. Gosto da cidade, mas, sobretudo, da comida e da música, principalmente o tango. Mas não só de tango vive a música argentina. Há muito mais. O problema é que, no Brasil, só conhecemos tango, quando pensamos em música portenha.

Aliás, esse é um fenômeno muito claro. Os argentinos conhecem muito mais a nossa música do que nós conhecemos a deles. Em qualquer loja de CDs em que se entra em Buenos Aires, há sempre uma prateleira enorme com discos de artistas brasileiros. E não é como nos Estados Unidos em que essas prateleiras, muito menores, estão ocupadas com discos de Bossa Nova ou, como na Europa, em que estão infestadas de coletâneas de gosto duvidoso.

Na Argentina há discos de quase todos os artistas brasileiros, desde os mais conhecidos, como os figurões da MPB, até aqueles desconhecidos aqui mesmo, pela grande maioria da nossa gente. E esta diversidade, que falta em muitas lojas de discos brasileiras, pode-se encontrar no CD duplo Aznar Canta Brasil, do cantor e compositor argentino Pedro Aznar. São 23 canções que vão desde os compositores mais consagrados como Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento, até autores tão importantes quanto estes, mas que não freqüentam as estações das nossas rádios e muitos menos as trilhas das novelas de TV, como Egberto Gismonti ou Zé Miguel Wisnik.



A maioria das faixas é cantada em espanhol, em versões escritas pelo próprio Aznar, mas ele também se atreve a cantar uma ou outra canção em português com um resultado surpreendentemente bom.

Conhecemos Pedro Aznar em nossa última viagem à capital argentina, fuçando nas estantes de discos. E chegamos a ele graças ao faro que todo fanático por discos tem, por causa de uma capa, de um título, lendo a ficha técnica. Em nossa próxima viagem, a meta é conseguir assistir a uma apresentação dele, ao vivo. Torço para que dê certo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Mago das palavras

O livro A letra Brasileira de Paulo César Pinheiro – Uma jornada musical, de Conceição Campos, impressiona pelos números. Foram catorze anos entre o início da pesquisa e a edição do livro, durante os quais a autora contou mais de 2000 letras, feitas para melodias de mais de 100 parceiros, quase metade das quais gravadas por mais de 500 intérpretes. A outra quase metade, continua inédita.

Mas quando se fala em Paulo César Pinheiro não são os números que importam e sim as palavras. Não há, em minha opinião, quem lide melhor com a língua portuguesa do que este carioca brasileiro quando está imbuído da tarefa de encaixá-las numa melodia. Sou absolutamente fanático por suas letras. E foi por isso que meus olhos brilharam quando, na fila de espera da noite de autógrafos do livro da Soninha e do Baptistão, se depararam com este livro na estante. Não tive dúvidas, coloquei o volume com 410 páginas debaixo do braço e continuei na fila cheio de nova excitação.

230 páginas não seriam suficientes para falar de obra tão larga e importante. A primeira coisa que a autora declara, no livro, é sua total incapacidade de lidar com a pesquisa enquanto o pesquisado continua produzindo letras e poemas numa velocidade muito maior do que ela consegue trabalhar. Logo ficou claro, pra ela, que essa empreitada não teria fim. Por isso mesmo, depois de um primeiro capítulo biográfico, ela decide abandonar a cronologia como linha mestra da exposição de seu texto para adotar o critério regional da obra do escritor. Adotando este acertado critério, passeia pelas regiões que estão presentes em suas letras e poesias e onde ele se relaciona com seus principais parceiros.

Se o critério foi acertado, ela errou na mão ao tentar dar certo equilíbrio entre cada uma das regiões, como se a obra do poeta fosse uma coisa linear. Com isso, acaba passando a impressão de que suas parcerias com o paraense Paulo André Barata sejam tão importantes quanto as com Baden Powell, Mauro Duarte ou João Nogueira. Não são, absolutamente. Nessa tentativa de equilíbrio, consegue diminuir a importância de um parceiro como Dori Caymmi, responsável por algumas das mais belas parcerias. E, pecado mortal, ela, praticamente, despreza os sambas com Eduardo Gudin, um dos seus parceiros mais importantes, ao desprezar, igualmente, a cidade de São Paulo na sua divisão regional da obra de Paulo César Pinheiro.

Mesmo assim, e apesar de tudo isso, o livro é delicioso de se ler já que seu maior acerto foi colocar, ao lado da narrativa, mais de 100 letras de música e poemas do escritor. As 180 páginas finais são reservadas para fotos, listas de letras inéditas, registros de gravações das músicas. Nem 230, nem as 410 páginas do livro seriam suficientes para expressar toda a obra deste grande mago das palavras. Mas como eu já disse, não se trata de número. Trata-se de letra. A letra brasileira.

domingo, 16 de agosto de 2009

O prazer, finalmente.

Outro dia, escrevi um texto reclamando dos filmes gerados a partir dos livros de Chico Buarque. Confessei, aliás, que não havia me empolgado, ainda, com nenhum livro seu, embora reconhecesse um gradativo aumento de minha satisfação a cada um que lia. Escrevi o texto às vésperas de iniciar a leitura de Leite Derramado, seu último lançamento. Falei da minha expectativa de que o aumento da minha satisfação perdurasse e, felizmente, isso aconteceu.

Fiquei, particularmente, impressionado com a capacidade de se colocar no lugar do velho enfermo, mostrando conhecer características que só quem já esteve ao lado de uma pessoa num leito de hospital pode conhecer. Descreveu certos fenômenos dos quais não vou falar pra não entregar a história. Chico Buarque, aliás, é um grande conhecedor dos fenômenos que assolam a espécie humana. Isso está fartamente demonstrado em suas canções. E por falar em canção, é impossível ler o livro sem se lembrar de O Velho Francisco, uma música sua lançada no disco Francisco, de 1987.

Posso dizer que Leite Derramado foi o primeiro livro de Chico Buarque que me deu, verdadeiramente, um grande prazer em ler. Mostrou um autor mais próximo do meu paladar ou mostrou-me, a mim mesmo, mais próximo do seu jeito de escrever. Pra tirar esta dúvida, só relendo Estorvo. Quem sabe?

Reitero minha esperança de que não inventem de fazer um filme baseado no livro. Não é necessário, não é possível, não deveria ser permitido.

domingo, 2 de agosto de 2009

Blasfêmia?

Antigamente, uma das coisas mais difíceis para um cantor iniciante era gravar um disco. Aliás, esse era o ponto alto do início de carreira e a partir dali é que ela fluía para um lado ou para o outro, nem sempre seguindo a vontade do artista. Muitas vezes, acompanhando os rigores das marés, vimos cantores e cantoras escolhendo caminhos mais fáceis, pra que a carreira pudesse crescer mais rapidamente. E, nessa toada, vimos muita gente enveredar pelos caminhos do samba, mesmo sem que esse fosse o caminho mais sincero, já que o samba, por mais que alguns insistam em não ver, é a música que fala mais alto na alma do povo brasileiro.

A primeira cantora a arrebatar multidões cantando samba foi Clara Nunes. Vendeu muitos discos, chegando a equiparar-se a Roberto Carlos num determinado momento da história. Logo em seguida veio Beth Carvalho que, depois de um começo com indecisão, escolheu o samba como mola condutora da carreira. Se alguém desconfia que esta escolha tenha sido sincera, não há como negar que a cantora tenha se mantido fiel ao gênero, independentemente de modas ou marés. E, por fim, agora surge Teresa Cristina, tão grande quanto as antecessoras, mas que, aparentemente, não está talhada para o sucesso arrebatador de grande multidões ou enormes vendagens de disco. E que isso não signifique nenhum demérito.

Navegando à toa pela Internet, descobri Aline Calixto, mineira nascida no Rio. Seu disco de estréia, homônimo, é delicioso. Ela canta um samba alegre e descontraído. Um samba verdadeiro e bem acompanhado. Numa das faixas do disco pode-se reconhecer as vozes de Monarco, Walter Alfaiate, Nelson Sargento e Wilson Moreira. Companhia melhor do que essa, impossível.

Estando tão bem acompanhada, Aline poderia recorrer à receita fácil de gravar só os clássicos do samba, mas não se rende a esta estratégia. Ao mesmo tempo que canta sambas de compositores consagrados como Monarco, Roque Ferreira ou Arlindo Cruz, ela preenche os espaços do disco com sambas de gente menos conhecida como Edu Krieger e uma legião de novos mineiros. Rodrigo Santiago, Toninho Geraes, Toninho Nascimento, Affonsinho e Renegado são nomes de gente nova que desponta das Gerais.

Posso ser acusado de blasfêmia, mas ver e ouvir Aline Calixto me faz lembrar Clara Nunes.




Oxossi (Roque Ferreira)

Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia

Adoro a Bahia. Gosto muito do jeito malemolente de seu povo e sinto muita saudade de momentos deliciosos que passei nas praias de Ilhéus e do carinho da família da Clélia em Itabuna. Salvador, só conheço a trabalho e, por isso, minhas saudades de lá são todas gastronômicas. Gosto muito do restaurante Iemanjá, pra onde sempre sou levado por meu amigo Robson, baiano de araque, capixaba que é. Me encanta o bobó, o caruru, o vatapá, mas minha maior saudade baiana é o acarajé.

Conheci o acarajé antes de conhecer a Bahia. Moleque, ia sempre comê-los em São Bernardo do Campo, numa feira de artesanato, levado por meu pai, que não se cansava de contar histórias da única viagem que fizera pra fora do estado de São Paulo, jovem ainda, assim como não se cansava de lamentar o fato de ter desprezado inúmeras iguarias da comida baiana que não tivera ânimo para experimentar. Por sorte, minha e dele, o acarajé não fez parte deste cardápio desprezado.

Chegado em Campinas, nunca havia conseguido provar um acarajé decente. Tentei, certa vez, na feira de artesanato do Centro de Convivência, mas foi um fiasco. Nada a ver.

Felizmente, hoje, pude comer um excelente acarajé, aqui, perto de casa, no Canto do Acarajé, mais conhecido como Bar da Tonha. Já tinha ido lá outras vezes, mas em nenhuma das oportunidades havia acarajé. Explica-se: a iguaria só é servida à noite ou no almoço de sábado e domingo. Estava delicioso, no ponto certo, sem falha nenhuma. Eu, que tenho preferência por comê-los na mão, decidi experimentar o acarajé da Tonha servido no prato, com direito a todos os acompanhamentos que tanto me encantam. Comi ainda o caruru da Clélia que é mais chegada no vatapá, no camarão e no vinagrete. Eu, que não dispenso nada, carreguei meu prato de pimenta e me esbaldei.

Que bom matar a saudade. Saudade da Bahia.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Twitter

Eu sou um dos caras mais lerdos no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Mesmo quando as lojas de discos estavam, já, infestadas de CDs em suas prateleiras, eu entrava nelas à procura dos discos de vinil, relegados, cada vez mais, aos cantos ermos. Quando inventaram o Windows, eu ainda fiquei um bom tempo trabalhando no ambiente DOS e, mesmo quando o Excel já era uma unanimidade, eu ainda me virava com planilhas feitas no Lotus 123.

Estou absolutamente conectado à Internet, tenho aqui este blog, mas passo longe do Orkut. Não estou nesta rede e, provavelmente, não vou entrar. E agora começo a ouvir, a torto e a direito, essa história de Twitter.

Confesso, meio envergonhado, que ainda não entendo exatamente do que se trata. Sei que é uma questão de pura preguiça, já que com uma rápida consulta ao Google, eu, possivelmente, terei acesso a milhares de páginas explicando como funciona este novo fenômeno de comunicação. Pelo menos isso eu sei: trata-se de alguma coisa ligada a comunicação. Mais do que preguiça, entretanto, eu sinto certa desmotivação em saber o que é isso. A sensação é de que seja uma coisa que não vai me fazer falta.

Sou do tempo em que tweeter era um auto-falante pequenino, específico para reproduzir sons agudos. Cansei de instalar tweeters em caixas acústicas e na porta do carro. Fui craque em calcular componentes eletrônicos para produzir divisores de freqüência que proporcionavam um maior resultado na reprodução do som. Hoje, ninguém mais faz isso. Nem eu e nem ninguém. Hoje já vem tudo pronto, é tudo plug and play, embora haja quem diga que, ao comprar esses equipamentos mais modernos, a expressão mais apropriada deveria ser plug and pray.
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De qualquer maneira, vou seguindo com meu atraso e minha desinformação. Estou cada vez menos interessado na modernidade, na rapidez, na falta de profundidade das coisas. Ah! Que saudade do vinil!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Novidade

Conheci a cantora Ceumar através de uma amiga que me enviou seu primeiro disco, Dindinha, dos Estados Unidos. Tudo era novidade naquele CD, recheado com canções de Zeca Baleiro, também uma novidade naquela época. Tinha mais coisa e tudo soava novo, desde músicas desconhecidas até canções popularíssimas como o baião Olha pro Céu, de Luiz Gonzaga e José Fernandes. Até esta, entretanto, parecia coisa novíssima.

Fui vê-la, pela primeira vez, no SESC de São Caetano do Sul, no ABC paulista. Num show intimista, palco pequeno, colado à platéia, ela se apresentou acompanhada do próprio violão, ao lado de uma excelente percussionista que o nome me escapou e que nunca mais vi na vida.

Ainda estive em shows dela no Café Filosófico da CPFL, em Campinas, e no SESC Pompéia, em São Paulo. Em todos eles, uma presença marcante no palco, aliada a muita qualidade vocal. Em qualquer uma das apresentações, sempre reservava uma novidade, como a presença inebriante do percussionista Gigante Brasil no show campineiro, falecido ano passado.

Se no segundo CD a novidade fora a presença de duas canções autorais, Ceumar nos brinda, agora, com um quarto disco, Meu nome, em que a totalidade das canções é de sua autoria. Embora isso seja novidade, a qualidade de Ceumar não me surpreende mais. Ganhamos este novo disco de uma amiga da Clélia, que foi ver o show, e nos trouxe um exemplar autografado. Foi só colocá-lo pra tocar e a convicção de que ouviríamos música de primeira qualidade se transformou em certeza, já no primeiro acorde.
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O disco foi gravado ao vivo, ano passado, num show em São Paulo. No palco, Ceumar e seu violão e as participações do músico mineiro Sérgio Pererê e do pianista cubano Yanel Matos.

No encarte do CD, Ceumar registra um comentário de seu pai a respeito do disco: “um CD com 20 músicas é bom pra viajar!”. De fato, ouvir Ceumar é bom pra viajar. Em todos os sentidos, pra qualquer direção.