Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Balanço oportuno – Governo Lula

Incomoda uma atual dicotomia a respeito do presidente Lula. Há os que o idolatram e creditam a ele tudo o que de bom tem acontecido ao país, isentando-o de qualquer mal. Já àqueles que o criticam sem critério, os aspectos positivos de nossa vida devem-se exclusivamente aos humores do mercado, aos fenômenos da natureza ou aos desígnios divinos e, todos os malefícios debitam-se da conta de seu governo ou sua forma de governar.

Havemos de ser justos. Ou se credita a ele tudo de bom e tudo de mal que nos ocorre ou acreditamos que o nosso mundo é uma bola que anda sozinha, acertando o gol, a trave ou sumindo pela linha de fundo, sem que ninguém a direcione. Quisera eu viver num mundo em que esta segunda opção fosse possível. Seria bom que nosso país fosse sólido o suficiente para voar imune às turbulências ou aos humores do piloto. Não é. Talvez, nenhum seja. Rendo-me, então, a reconhecer sua responsabilidade em muito do que se passa de positivo no Brasil, assim, como lhe impinjo as culpas de parte do que anda mal em nossa nação. Prefiro assim. Quero reconhecer seus méritos sem idolatrá-lo, já que abomino ídolos, e quero poder criticá-lo sem cair na armadilha do preconceito. Uma e outra coisa são o que mais se vê por aqui.

Quem critica Lula é, basicamente, a classe média. A população mais pobre percebeu uma sensível melhora em seu padrão de vida e associa essa melhora ao governo. Se essa associação é pertinente ou não, pouco importa. A classe dominante tem levado a sua vidinha como sempre levou. Banqueiros, megaempresários, grandes empreiteiros, estão todos numa situação muito confortável, nada mudou. Lula se elegeria muito facilmente, caso pudesse ser candidato, hoje. Afinal, agrada a classe pobre e não desagrada a classe dominante.

A temporada eleitoral já se inaugurou há tempos e anda a todo vapor. Lula emplacou Dilma dentro do partido e Serra conseguiu vencer, meio na marra, é verdade, as principais resistências entre os tucanos. Será uma disputa ferrenha. Dilma tende a crescer mais e virar gente grande. Deve brigar pau a pau com Serra. Marina e Ciro devem continuar insignificantes.

Há grande diferença entre Dilma e Serra, mas há grandes semelhanças entre eles, também. Aliás, as semelhanças entre Dilma e Serra são maiores que as semelhanças entre cada um deles e seus respectivos aliados. O mais natural seria Dilma e Serra estarem na mesma trincheira e do outro lado do campo de batalha, na outra trincheira, o PMDB estar ao lado dos Demos. Os tipos de farinha estariam mais bem acomodados dentro de cada saco. Já foi assim, no passado. Faz tempo que não é mais. Já passamos desta fase.

De toda forma, não vai ser tão fácil eleger Dilma. Afinal, a candidata não tem o prestígio que o Presidente goza em relação à classe pobre. Também não tem a confiança que Lula conquistou junto à classe dominante. Aliás, uma confiança que a classe rica não deposita em Serra. Talvez confiem menos nele do que na candidata governista. Com isso, na eleição de 2010 a classe média pode ter um papel mais importante. Quem souber tratá-la com perspicácia, pode se dar bem.
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7 comentários:

Unknown disse...

Balanço preciso, meu caro Arnaldo! Discordo apenas num ponto: acho que o caminho para a eleição da Dilma já foi aberto. Nas projeções mais otimistas, Serra não ultrapassará os 40% dos votos válidos no primeiro turno. Eu arriscaria a dizer, inclusive, que a partir do início oficial da campanha seu índice de aprovação deverá oscilar entre 30 e 33%, não mais do que isso. Dilma, ao contrário, está em plena ascendência e deve continuar subindo até atingir - chute meu - entre 25 e 27% até março/abril. O que as pesquisas de opinião publicadas na imprensa não dizem é que MUITOS eleitores brasileiros ainda desconhecem que Dilma é a candidata do presidente Lula. A maioria esmagadora dentre estes declara a intenção de votar no candidato lulista. No provável segundo turno entre Serra e Dilma, acho que ela ganha com relativa tranquilidade. Pesará contra ela a imagem nada simpática (aquela cara de diretora megera de escola)? Talvez pese um pouco. Mas não devemos subestimar o poder da máquina de propaganda que o PT tem, atualmente, em mãos. Quem diz o contrário se esquece do milagre operado na imagem do Lulinha Paz e Amor em 2002. Da direita não podemos esperar outra coisa que não baixaria. Atente para o seguinte fato - e estou cantando a bola com antecedência: o ano que vem será marcado pelas piadinhas machistas e misóginas, com o claro objetivo de desqualificar a presença de uma mulher na presidência. Para o bem do Brasil, devemos TODOS votar em Dilma. Eu já comecei a campanha.

Grande abraço e que em 2010 possamos MESMO nos encontrar mais vezes. Tentemos um almoço logo em fevereiro!

Até!

Lord Broken Pottery disse...

Arnaldo,
O nosso mundo tem muito da bola que anda sozinha. O Lula teve a sorte de atuar, durante quase todo o seu governo, sob uma conjuntura das mais favoráveis.
Somos um país muito benevolente, esquecemos rapidamente os pecados de nossos dirigentes. Na maioria dos lugares, um presidente que tivesse seus principais auxiliares: Zé Dirceu, Delúbio, Marcos Valério, Genoino, Gushiken, envolvidos em processos de corrupção, seria no mínimo visto com reservas. Aqui acredita-se demais em inocência, afinal o Lula não sabia de nada.
Aqueles que lembram, não esquecem, e não aceitam o presidente, são acusados de direitistas. Provavelmente gente como a Marina Silva, Heloísa Helena, Gabeira, Roberto Freire, e tantos outros, entre os quais me incluo, sejam mesmo de direita, não é mesmo?
Se os brasileiros tivessem mais memória, e mais cultura, lembrariam que o PT foi um partido criado em São Bernardo, dentro dos sindicatos (o que há de mais corrupto por aí), com forte influência da Igreja, que não queria o Partidão, vulgo PCB, dominando a área. É uma esquerda religiosa, o que sempre me pareceu estranho.
O Lula só conseguiu o que conseguiu, por ter continuado a política econômica anterior. Tanto eles sabem disso, que não perdem a oportunidade de falar mal do governo anterior, o que é quase uma obsessão. Se o governo FHC tivesse sido assim tão ruim, ninguém se preocuparia com ele, estaria definitivamente enterrado.
Nós, os considerados de direita, não votaremos na Dilma, por considerá-la ligada à corrupção aceita pela esquerda vigente. Desculpe-me ter me alongado.
Grande abraço

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Bruno,

Não acho que a eleição de Dilma esteja, assim, tão garantida. Aliás, este foi sempre um grande erro da esquerda, no Brasil, ou seja, o de menosprezar o adversário. Por causa deste menosprezo, ao longo da história, a direita colecionou vitórias impensáveis, quando mais parecia vencida. Aliás, neste caso, nem considero apropriado classificar a coisa como uma disputa entre direita e esquerda. Há forças de todas as colorações ideológicas de ambos os lados. De toda forma, aqueles que almejam a vitória da Dilma, vão ter que se esforçar para isso e ela, mais ainda. Não acredito que a sua associação à figura do presidente seja suficiente. Aliás, será triste se Dilma significar apenas isso.

Ricardo,

Acho que a coisa não é assim tão simples quanto uma divisão entre direita e esquerda. Já foi mais fácil, no passado. Hoje a coisa é mais complexa. Tanto PT quanto PSDB têm espectros ideológicos muito amplos. Se considerarmos o limite à esquerda do PSDB, certamente está mais à sinistra do que a direita do PT. Há uma intersecção nesta escala. Ambos os partidos têm gente valorosa quanto gente podre. Não tem santo nesta seara. Sem contar os aliados, de ambos os lados. Gente como Jader Barbalho, Sarney, Renan Calheiros, Orestes Quércia, Arthur Virgílio, Arruda, fazem qualquer balança pender para o lado do mal. E há gente deste quilate dos dois lados.

Em relação à questão da corrupção, todos sabemos que isso não é exclusividade de um ou outro partido. Querer enxergar isso apenas de um lado é deixar a cegueira ideológica turvar qualquer imagem de realidade. Como eu não tenho nenhum compromisso com nenhum dos lados, sinto-me absolutamente à vontade para criticar tudo e todos, assim como para enxergar o que meus olhos livres me permitem ver.

Quanto ao fato de se alongar demais ou de menos, nos comentários, não é necessário se desculpar. Você sabe muito bem que uma discordância elegante, como a sua, é sempre muito bem recebida aqui neste blog. Tenho uma convicção muito forte de que é na discordância que o debate se enriquece, sobretudo quando despido de vaidade e preconceito.

Um grande abraço.

Unknown disse...

Quanto ao que escreveu um certo Lord Broken Pottery (por que usar este apelido pernóstico?):

Depois do fim da Guerra Fria; da queda do Muro de Berlim; do fracasso do comunismo no Leste Europeu; da derrocada das ditaduras de direita na América Latina etc, fica difícil falar em "direita" e "esquerda" de forma político-partidária. O PT é mesmo um partido de esquerda? No sentido estrito do termo, não. É de direita? Muito menos... Enfim, usamos o termo "direitista" principalmente para definir um tipo de gente em extinção: um tipo paranóico que vê a "ameaça comunista" por toda a parte, que ainda chama de "terroristas" os que lutaram contra o regime militar, que querem criminalizar o MST e que babam na gravata quando os movimentos das minorias (negros, índios, mulheres, homossexuais etc) logram avanços na sociedae. Este é o direitista clássico e, não por acaso, pode ser encontrado entre os que "detestam" o Lula e se referem ao presidente de seu próprio país como "apedeuta", "analfabeto" ou "sem-dedo".

Ninguém pode ser "acusado" de direitista só pelo fato de ser contra o governo ou não votar em Lula. A esquerda radical, por exemplo, não votará em Lula. Tenho até mesmo amigos que pretendem votar no Serra - amigos que nem de longe poderiam ser chamados de "direitistas". Posso considerá-los equivocados, mas respeito sua opinião e ela não interfere em nossa amizade.

Direitista, para nós, é aquele tipo que "detesta" o Lula sem saber porquê. Não poupamos nem o alienado político, que reproduz o preconceito de classe que tanto atrasa o progesso do País. Também é direitista quem não reconhece os méritos deste governo por razões simplistas - a desculpa da corrupção não conta, afinal, nunca se roubou tanto como nos governos que antecederam o atual. A diferença é que pouco se investigou na era FHC. Não sou eu quem diz. É fato, é inconteste.

Outra: não vejo nada de estranho numa "esquerda religiosa" - é assim que o leitor se refere ao PT. Ora, o PT NUNCA foi um partido marxista-leninista. Em seus estatutos não consta que o partido almeje o comunismo, sistema de governo declaradamente ateu e materialista. Ao contrário, o PT sempre deixou claro que estaria centrado num projeto de esquerda viável às características do Brasil e do povo brasileiro. Por isso é acusado, até hoje pela esquerda radical, de ter se "vendido" para os interesses do "imperialismo yankee". Por isso, tenho acesso de risos quando vejo um direitista se referindo ao Lula como um "comunista perigoso". É tão patético quanto os xiitas do PSTU e do PSOL.

O argumento de que Lula só tem feito um ótimo governo porque deu continuidade à política econômica anterior também esconde uma verdade relativa. Lula agiu com responsabilidade - queriam que ele mudasse tudo, botasse para f..., mas ele soube aprimorar o que de bom o governo anterior havia deixado. Nós reconhecemos isto. Mas e os direitistas reconhecem o que de bom Lula deixará para o País? Reconhecerão o pagamento da dívida externa, a redução da pobreza, o crescimento do emprego, da indútria, a descoberta do Pré-Sal, o esforço para a inclusão de minorias, o prestígio internacional? Como não reconhecer algo tão óbvio, tão evidente?

Saudações!

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Bruno,

Uma das características que eu mais prezo, neste blog, é o de permitir que opiniões diferentes da minha possam ocupar o espaço com liberdade. O que eu não tolero é preconceito deslavado e manifestações de desrespeito às pessoas. Não aceito que desrespeitem, desta forma, o presidente Lula, como não aceitarei que desrespeitem a pessoa do governador Serra. E não é por causa dos cargos. O respeito que eu exijo, é às pessoas, à sua condição de seres humanos.

Quanto ao apelido do Ricardo, não tenho a menor idéia do motivo, mas isso nunca fez parte da minha lista de curiosidades. De qualquer maneira, ele é uma pessoa que se dirige, sempre, de forma respeitosa a mim, embora invariavelmente discordemos em termos de concepção política. Mas é como eu disse na minha resposta ao comentário dele: a discordância, em minha opinião, enriquece qualquer debate.

De toda forma, a minha posição política está mais próxima da sua do que da dele, embora existam algumas diferenças (talvez sutis), entre o que você defende e aquilo em que eu acredito. Uma das diferenças, por exemplo é que eu não posso dizer, hoje, se meu voto irá para a Dilma. Se o candidato fosse o Lula, o voto iria, certamente, para um terceiro mandato. Quanto à Dilma, não estou ainda convencido. Estou, na verdade, esperando ela desgrudar da figura do presidente, pra ver o que é que eu extraio deste suco, depois que ela for espremida. Sendo assim, pode até ser que eu reforçe a lista de amigos teus que irão votar no Serra (por mais que isso me cause azia). Vamos ver. Não estou prometendo nada.

Um grande abraço.

Unknown disse...

Caro Arnaldo:

Peço desculpas ao Ricardo pelo comentário que fiz sobre o seu apelido. Você tem toda a razão. Ao contrário das desculpas do Boris Casoy, as minhas são sinceras.

E permita-me discordar, elegantemente como é do meu feitio, de sua posição em relação à Dilma. Francamente, também não me agrada muito a sua figura. E digo isto sem tê-la conhecido no palanque ou coisa que o valha. Sei que tenho dela apenas primeiras impressões - e que costumam ser precipitadas. Mas penso que devemos votar na continuidade do projeto bem sucedido que Lula conseguiu implantar, bem ou mal, nestes oito anos de governo. Entregar o País novamente para o PSDB não me parece uma solução inteligente. Embora não seja um dos quadros mais retrógrados do partido, Serra deu provas suficientes de que traz consigo traços de um autoritarismo tacanho e da sanha privatista que dominou o Brasil na era FHC. Honestamente, considero um retrocesso.

Grande abraço!

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Bruno,

Acho lícito que o PT tenha um projeto de continuidade no poder. Tão lícito quanto qualquer outro partido. Afinal, é natural que qualquer partido queira perpetuar-se no poder. Cabe à sociedade equilibrar isso.

Eu só não tenho a convicção de que o nome de Dilma seja o mais apropriado, dentro do partido. Não senti que o nome dela tenha saído de um consenso, de uma discussão, de uma análise de possibilidades. Pode até ter sido assim, mas não foi essa sensação que o processo me passou. Eu teria outros nomes preferidos, mas minha preferência não tem importância, já que não milito e nem mesmo sou membro do PT, como aliás, não sou, de partido nenhum. Na verdade, minha única experiência militando em partido político foi há muito tempo e, dela, não tenho saudades.