Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Pornografia

Moacyr Scliar é um grande contador de histórias. Já disse isso, aqui, quando escrevi sobre o livro Os Vendilhões do Templo em que, assim como em A Mulher que Escreveu a Bíblia, ele se utilizou de uma temática religiosa para criar sua narrativa. E isso aconteceu novamente agora, em seu mais recente livro, Manual da Paixão Solitária. Apesar de muito bem escrito, o livro não me empolgou. Talvez essa repetição da temática seja o que tenha tirado um pouco minha empolgação com este seu novo texto. Ou, então, a inserção do componente erótico, quase pornográfico, que domina a narrativa. Outro autor que admiro, mais pelas crônicas do que pelos romances, o João Ubaldo Ribeiro, publicou A Casa dos Budas Ditosos, recheado de pornografia. Também achei o livro ruim. Muito pior que este de Scliar.

Não tenho nada, a princípio, contra a pornografia. Posso até gostar dela, contando que alimente minha imaginação e conduza a um erotismo que, realmente, me excite sexualmente. Isto nem sempre é muito fácil. A pornografia, pra funcionar, tem que mexer com a mente, tem que criar um imaginário instigante, que nos leve a sonhar um sonho que pareça minimamente factível, uma situação possível. E é aí que as várias formas de expressão podem ter maior ou menor chance de lograr sucesso.

A literatura tem um poder muito maior de incitar a imaginação do que o cinema. No cinema, a coisa já vem pronta, construída, escolhida. Na literatura, quem faz as escolhas é o leitor. Por mais que o texto seja explícito, detalhado, sempre sobra espaço pra criação de imagens, paisagens e tons. No cinema as cores estão prontas. Por isso, a um filme, só resta a opção de tentar mostrar alguma coisa que esteja escondida por detrás das imagens. Acaba sendo a antítese dos livros.

Por isso, o que mais me cala fundo, em termos de erotismo, ou mesmo de pornografia, são as narrativas, muito mais do que as imagens. Os filmes pornográficos, aliás, de forma geral e, sobretudo, os mais novos, pecam pela total falta de imaginação, com suas seqüências padronizadas do tipo chupa-é chupado-mete-goza na boca. É sempre a mesma coisa. Sempre. Sem falar na inaturalidade das posições, acrobáticas quase sempre, em sua tarefa de mostrar pra câmera, os ângulos e os detalhes que não deveriam aparecer. Não seria necessário, na verdade.

Sou do tempo em que as revistas masculinas sonegavam tudo. Nem sequer um mamilo era liberado, que dirá um chumaço de pelos pubianos. Hoje, vê-se mais que em consulta ao ginecologista (parafraseando Aldir Blanc). Pelos pubianos continua-se a não ver, pois já não os há (o que fizeram com os pelos pubianos?). Com tanta sonegação de imagens, o exercício da erotização ficava por conta da nossa criatividade. E como sou de uma geração que chegou a ter acesso aos últimos catecismos de Carlos Zéfiro, fica bem claro que mais do que os traços toscos de mulheres nuas e falos desproporcionais, o que levava os jovens às nuvens, eram as histórias contidos naqueles quadrinhos.

Com tudo isso, uma narrativa erótica ou mesmo pornográfica, produzida por um competentíssimo contador de histórias deveria sempre levar ao ápice da excitação sexual. Nem sempre isso dá certo, descobri.

2 comentários:

Romanzeira disse...

Oi Arnaldo! Realmente, uma história erótica bem contada vale por mil imagens. Não curto muito filmes pornográficos exatamente por conta dessa coisa mecânica, da previsibilidde. Não há uma história excitante, há apenas o ato sexual, mecânico, artificial com suas etapas previsíveis, como se as pessoas fossem na verdade bonecos, robôs. Chato...

Valéria Martins disse...

Sei lá... Pra mim, pornografia é pornografia. É explícito, não esconde nada, mostra tudo. Tem gente que se excita com isso. Já o erotismo é mais refinado por ser velado, sugerir mais do que mostrar. Acho que existem públicos para as duas coisas - e sentidos também.

Não li o livro do Scliar, acho que ele é um escritor maravilhoso e uma pessoa maravilhosa também.

Beijos, boa semana!