Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 23 de junho de 2007

Coletâneas

Fanático por música que sou e comprador compulsivo de CDs, o que sempre me desagradam são os discos de coletâneas que as gravadoras lançam indiscriminadamente, numa demonstração descarada de oportunismo. Um disco, seja lá de quem for, reflete sempre um momento, uma fase do artista. Algo que ele está sentindo, experimentando. As coletâneas, em geral, misturam todos estes momentos, sem nenhum critério, resultando uma salada mista sem sabor definido. É muito raro uma coletânea com alguma qualidade.

Talvez o mercado editorial seja menos ganancioso que o fonográfico ou talvez os consumidores de livros sejam mais exigentes, mas o fato é que não é tão incomum que as coletâneas de contos tenham mais qualidade. É o caso do livro Contos Eternos Latino Americanos, da Editora Bom Texto, coletânea organizada por Alicia Ramal, responsável, também, pela tradução dos textos. São contos de autores muito importantes de vários países, do Uruguai ao México, sendo que o critério de escolha dos autores e dos textos é o ponto alto do livro. São os contos mais significativos dos autores mais importantes de cada país, escritos nos séculos XIX e XX. O Brasil entra com 3 autores: Machado de Assis, Mário de Andrade e Rubem Fonseca, com os contos Missa do Galo, O Peru de Natal e Feliz Ano Novo, respectivamente. Três clássicos.

Outro ponto alto é a tradução. Já tinha lido O Aleph, de Jorge Luis Borges, seu conto mais famoso e não tinha achado, assim, tão especial. Ao ler a tradução de Alicia, neste livro, compreendi o motivo pelo qual esse texto é tão festejado e por que esse é o autor mais importante da Argentina. Ainda há Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Márquez, Augusto Roa Bastos, Adolfo Bioy Casares e muitos outros.

Enfim, um livro excelente. Uma fonte imensa de prazer.

domingo, 17 de junho de 2007

Letra e música

No início era o verbo.

Meu primeiro contato com a música brasileira foi através das letras. Meu pai tinha um caderninho de capa preta, tipo brochura, com inúmeras letras manuscritas, com sua ortografia caprichada, forjada em aulas de caligrafia. Eram letras de sambas, boleros e versões de tangos. Meu pai não cantava e, por isso, aprendi a gostar de algumas letras de música sem conhecer suas melodias. Duas, das que eu mais gostava, eram Molambo de Jaime Florence e Augusto Mesquita e Neste mesmo lugar de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas. Amei essas músicas durante anos, sem conhecer as melodias.

Um dia chegou uma vitrola em casa. Velha, usada, com alguns defeitos. E os discos começaram, também, a chegar. Um deles, Serenata, de Silvio Caldas, me desvendaram algumas das melodias do caderninho. A música, pra mim, estava, invariavelmente, ligada às letras. Por isso, eu não via sentido em ouvir canções instrumentais, como um disco de Waldir Calmon (Feito para dançar) que meu pai insistia em tocar. Música sem letra não era nada. Nem clássica, nem jazz, nem chorinho. Nada! Música tinha que ter letra, mesmo que eu não a entendesse. Faziam minha cabeça as letras em inglês, indecifráveis, pra mim. Indecifráveis, mas reproduzidas, a meu jeito.

Despertei pra música instrumental por causa de Egberto Gismonti. Aos 15 anos me caiu nas mãos o disco Corações Futuristas e eu fiquei maluco. Nada se parecia com aquilo, até então. Cada nota, cada acorde, colocado no lugar exato. Aliás, a exatidão foi o que mais me seduziu na música de Egberto. Não queria saber de ouvir outra coisa. E a música instrumental se abriu pro meu paladar, dando chance pro jazz, pro choro, pra Mozart. A palavra não era mais tão absoluta, embora me emocionassem algumas letras de Geraldo Carneiro colocadas nas melodias de Gismonti.

Egberto namorou a música indígena, revelou-me Villa-Lobos e a música eletrônica.

Hoje, faz tempo que não ouço falar nele. Muito pouco conhecido no Brasil, é incensado na Europa e é mais fácil encontrar CDs dele quando viajo pra Alemanha do que nas nossas lojas, onde só se encontram coletâneas. Sumiu do mapa. Sinto saudades de ouvir coisas dele.

Em tempo: Essa caricatura é do grande Baptistão.

domingo, 10 de junho de 2007

Politicamente incorreto

Dentre os vários versos politicamente incorretos da nossa música, esses (em azul) estão entre os meus preferidos.

Do samba de breque Na subida do morro, de Moreira da Silva e Ribeiro Cunha:

Na subida do morro me contaram
Que você bateu na minha nêga
Isso não é direito
Bater numa mulher que não é sua

Deixou a nêga quase crua
No meio da rua...


Da moda de viola Moda da Pinga, de Ochelsis Laureano e Raul Torres:

A muié me disse ela me falou
Largue de beber peço por favor
Prosa de muié nunca dei valor
Bebo com sol quente prá esfriar o calor
E bebo de noite prá fazer suador


Sei que é meio canalha, mas tenho cá minhas falhas de caráter.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Justificativa à intolerância

O livro O Mito das Nações, de Patrick J. Geary, procura justamente desmistificar a noção de nacionalismo que vem sendo utilizada, ao longo dos tempos, pra justificar inúmeros conflitos bélicos em todo o mundo. Desde a II guerra mundial, até os mais recentes conflitos no leste europeu ou no oriente médio, o nacionalismo vem sendo usado como motivação para justificar a intolerância que sempre serve de estopim para deflagrar as mais variadas guerras.

O livro nos mostra que as noções de nacionalismo, utilizadas, não se sustentam em si e não resistem a uma análise historicamente mais consistente. Mostra ainda que a formação das nações, desde o longínquo império romano, passando pelas invasões bárbaras, deveu-se menos a questões de etnia ou religião, do que a interesses comerciais e de detenção de poder.

Isso me fez lembrar uma passagem ocorrida, alguns anos atrás, numa visita que fiz a uma fábrica em Santa Catarina. Vi um operário com uma camiseta defendendo o separatismo dos estados da Região Sul do resto do Brasil. Não resisti e fui conversar com o rapaz. O que ele defendia era a teoria de que, por serem mais ricos, os estados do Sul não deveriam “sustentar” os estados pobres do Norte e do Nordeste e que, se fossem um país independente, sua população teria maior bem estar.

Eu argumentei que, mesmo que isso fosse verdade, a solução não é assim tão simples. Mesmo porque, o próximo passo, após a separação, seria a constatação de que, dos três estados, um deles seria o mais desenvolvido e rico. O Estado de Santa Catarina, por exemplo, poderia considerar-se superior aos demais estados e isso ensejaria um movimento de separação. E se acaso isso acontecesse, seguindo a mesma lógica, alguma cidade de Santa Catarina iria se sentir superior ao restante do estado. Assim, o município de Joinville, por exemplo, poderia iniciar um processo de separação do resto do estado e depois disso, um determinado bairro, uma rua, uma quadra.

A solução não tem essa direção. Muito pelo contrário. Em minha opinião, o caminho certo é o inverso. A diversidade enriquece e proporciona maiores possibilidades de crescimento. E mesmo que respeitemos a diversidade cultural (e devemos respeitá-la), as populações não devem ser segregadas em função de hábitos ou origem geográfica. Sendo assim, devemos estimular a convivência entre o gaúcho e o potiguar. Entre o mineiro e o acreano. E vou mais longe ainda. Devemos buscar a integração entre as populações do Brasil e dos demais países da América do Sul. A convivência do nosso povo com o povo boliviano ou venezuelano deve ser estimulada. Isso é muito mais importante que as relações entre os governos dos países. Pois o povo do Brasil é mais importante do que Lula, como o povo da Venezuela é mais importante do que Hugo Chaves e mesmo o povo norte-americano tem mais importância do que Bush.

O que divide os homens não é a religião, nem a etnia e muito menos a origem geográfica. O que divide os homens, de verdade, é a classe social. Nesse sentido, nossa população miserável está tão ligada aos moradores pobres de New Orleans quanto a elite da Avenida Paulista está próxima do pessoal de Wall Steet. E da mesma maneira, um eventual bom relacionamento entre o governo Lula e o governo de Fidel Castro não garantem a integração entre o povo brasileiro e o povo cubano.


Esta integração deve ser buscada pela sociedade e isso só vai ser possível no dia em que a intolerância e o preconceito (como sempre, burro) forem vencidos.