Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 13 de outubro de 2013

Desconforto

Inferno foi o primeiro livro de Patrícia Melo que eu li. Gostei muito e soube, mais tarde, que ela ganhou um importante prêmio por ele. E foi por isso que comprei, há algum tempo, Acqua Toffana, sem saber que ele foi seu primeiro livro publicado.
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Fazia um bom tempo que ele estava na estante e, semana passada, resolvi pegá-lo pra ler. Confesso que fiquei um tanto decepcionado, não que ele seja ruim, mas, provavelmente, por eu estar com uma expectativa exagerada devido ao outro.
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O que mais me incomodou, ao começar a leitura, foi a forma não linear da narração que me causou certo desconforto. Isso não é incomum e, nem necessariamente, negativo. Lembro-me de ter sentido o mesmo desconforto quando li, pela primeiravez, um livro de José Saramago. Era O Evangelho Segundo Jesus Cristo e sua forma de escrever os diálogos, sem utilizar o sistema convencional de pontuação, com travessão, me perturbou um pouco. Esta sensação, entretanto, passou rapidamente e logo eu estava absorto na leitura que terminei quase perdendo fôlego. Quando fiz minha segunda incursão na obra deste autor, Ensaio Sobre a Cegueira, eu estava absolutamente confortável para encarar aquela leitura que também me arrebatou.
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No livro inicial de Patrícia Melo, o desconforto não me abandonou um só instante. Ele foi, aliás, agravado pelo fato de eu tê-lo indicado no blog, antes de começar a ler, como, aliás, faço com todos os livros que indico.
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Caso minha memória não esteja me traindo (e nem minha preguiça de checar), acho que é a primeira vez que faço um comentário que não seja elogioso de uma indicação do blog. De qualquer forma, preferi escrever, mesmo assim, até porque o maior desconforto que o livro me causou foi o fato de eu não saber, até agora, se gostei dele ou não.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Resposta ao tempo

Se, por brincadeira, alguém pedir pra eu escolher um, apenas um, dentre os meus letristas de música preferidos, este inquiridor ficará sem resposta. Julgo-me absolutamente incapaz de sacar apenas um nome de uma relação que tem Noel Rosa, Orestes Barbosa, Chico Buarque, Fernando Brant, Vitor Martins, Cacaso, e muitos, muitos outros mais.
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Se a coisa não fosse brincadeira, se eu tivesse, mesmo, que escolher um nome, sob ameaça contra a vida, até por instinto, teria que abdicar de certos pudores e reduzir a lista até chegar a um nome. E este nome único seriam dois: Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc. Isso mesmo. Ambos são meu letrista preferido na música brasileira, por mais que a sintaxe desta frase soe errada. Nunca tive qualquer dúvida a este respeito e isso acabou de ser reforçado após ler o livro Aldir Blanc, Resposta ao tempo – Vida eletras, do jornalista Luiz Fernando Vianna.
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Sem se preocupar estritamente com dados precisos e dando maior valor aos acontecimentos sob o ponto de vista da lembrança de pessoas entrevistadas, mesmo que apresentem falhas, o que valeu, mesmo, foi alinhavar os fatos às sensações do poeta e perceber como elas foram, no decorrer de sua vida, construindo sua poesia. Servindo-se de alguns versos de suas inúmeras obras-primas, o livro vai encadeando os períodos do tempo, formando uma biografia do letrista na qual a própria história da nossa música vai se construindo, numa quase confusão em que conter e estar contido se misturam, como acontece na vida real.  Aldir Blanc, aliás, é o mais competente cronista da nossa música atual, como já fora, no passado, Noel Rosa, por coincidência (ou não), também oriundo de Vila Isabel.
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Aldir é um sujeito recluso, não é dado a manifestações de estrelismo, não é uma celebridade. Por isso é esquecido pela mídia, até mesmo por que não compactua com seu jogo. Por esse motivo, o livro trata até dos momentos difíceis de sua vida sem a dramaticidade que, certamente, venderia mais livros. Mesmo o episódio do afastamento entre Aldir e João Bosco é tratado de maneira natural e sem alarde, como eles mesmos, os protagonistas, preferem tratar. Este assunto é o que mais me interessava quando comecei a ler a biografia, não por gostar de fofocas, mas pelo fato de que este afastamento provocou em mim uma sensação de orfandade, já que me privou de continuar recebendo, através dos discos, o tipo de música que mais me fascinava naqueles tempos.
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O fim da parceria entre Aldir Blanc e João Bosco me causou, num primeiro momento, a sensação de que nenhum dos dois, compondo com outros parceiros, conseguiria arrebatar minha emoção no mesmo nível que o fizeram quando compunham juntos. Esta sensação perdura até hoje em relação a João Bosco, mas Aldir Blanc conseguiu continuar a me surpreender e me encantar com letras feitas com outros parceiros, sobretudo Guinga e Moacyr Luz.
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Não importa que sua música não venda tanto quanto as bobagens que habitam a nossa mídia. Para mim, ele continua sendo o primeiro de todos, mesmo que empatado com outro.
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Notas musicais:
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1 - Na contracapa do livro, Guinga diz: “Aldir não escreve, presta depoimento”. Acredito que este samba, feito em parceria com João Bosco, seja bastante emblemático desta forma de fazer letra que tanto me encanta.


Siri Recheado e o cacete (João Bosco e Aldir Blanc) – João Bosco
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2 – Ao lado de um grande senso de humor e picardia, Aldir é, também, hábil com as palavras ao desvendar as amarguras do ser humano, como nesta belíssima canção, composta em parceria com Guinga.


Catavento e Girasol (Guinga e Aldir Blanc) - Guinga
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3 – Com Moacyr Luz, Aldir conseguiu atingir o mesmo grau de perfeição ao compor sambas, como este.


Pra que pedir perdão? (Moacyr Luz e Aldir Blanc) - Moacyr Luz e Aldir Blanc