Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 27 de maio de 2007

Beatles ainda

Há idéias que têm tudo pra dar certo e outras que têm tudo pra dar errado. Executar um tipo de música como se fosse outro estilo é uma das coisas de que eu não costumo gostar. Coisas como “A música de Nei Lopes e Wilson Moreira na voz dos meninos cegos de Viena”, por exemplo. Ou então, “Os maiores sucessos dos Roling Stones interpretados pela banda do corpo de bombeiros de Nova Iguaçu”.

Foi pensando nisso que eu comprei, na loja Iluminações, dois, dos quatro CDs da coleção Beatles ‘n‘ choro, em que as músicas dos Beatles são interpretadas no ritmo de chorinho. Comprei com o pé atrás e, de fato, a coisa não funcionou. O pior é que as músicas são tocadas por gente da mais alta qualidade, como Hamilton de Holanda, Paulo Sérgio Santos, Quarteto Maogani, Henrique Cazes ou Rildo Hora. Mas não deu certo. Definitivamente. Tanto que não me animei a comprar os volumes 3 e 4. Uma das poucas exceções é a gravação de The fool on the hill, tocada por Paulo Sérgio Santos.



Teimoso que sou, na mesma loja, eu vi uma outra coleção chamada BeatleJazz. Tinha tudo para evitar de cair na mesma armadilha, ainda mais que eu nunca ouvira falar nos 3 integrantes do grupo que toca as músicas. Dave Kikoski, no piano, Charles Fambrough, no baixo e Braian Melvin, na bateria. Em um dos discos ainda há participações de músicos mais conhecidos, como Toots Thielemans, tocando gaita. E apesar de estar com os dois pés atrás, acabei levando os discos pra casa. E não é que me surpreendi. E me surpreendi muito positivamente. A maioria das músicas são tratadas de maneira muito apropriada. Muito interessante.

Enfim, certas idéias têm tudo pra dar errado e no fim nos surpreendem. Por isso, às vezes, vale a pena acreditar.

Programa requintado

Ficamos sabendo apenas na semana passada que estava havendo, na CPFL, neste mês de Maio, um evento chamado O legado dos Beatles – 40 anos de influência do álbum Sgt. Pepper’s. Apesar deste nome pomposo, tratou-se de uma boa idéia. A cada sábado do mês, um artista foi convidado para apresentar-se tocando músicas dos Beatles ou mostrar o quanto sua música foi influenciada pelo grupo e pelo álbum que completa 40 anos. PianOrquestra, Alberto Marsicano e Paulo Porto Alegre preencheram os 3 primeiros sábados de maio. O último, foi com André Mehmari.

Nascido em Niterói, este pianista, arranjador e compositor, de 30 anos, recém completados, cresceu e educou-se em Ribeirão Preto. E de lá surgiu pra uma promissora carreira. Acabou de lançar um CD e DVD com Ná Ozzetti que é um verdadeiro primor. Dono de um estilo muito especial e próprio, seus arranjos sempre reservam surpresas aos ouvintes, já que o improviso é uma de suas mais fortes características. Já lançou vários discos, um deles, exatamente tocando Beatles, da coleção MPBaby.

Sua apresentação de ontem foi sublime. Mostrou que o pessoal do Clube da Esquina bebeu, e muito, da água do quarteto de Liverpool. Sua interpretação de San Vicente, de Milton Nascimento e Fernando Brant, mostrou que a canção poderia ter sido escrita por Lennon & McCartney. Tocou Norwegian Wood como ela realmente é, ou seja, uma música caipira. E, ao fazer um link com Tristeza do Jeca, provou que são, de fato, a mesma música. Sem utilizar-se de uma cítara, conseguiu extrair um clima extremamente indiano ao interpretar Within you without you em seu piano. Tocou a chatinha Ob-la-di Ob-la-da como uma ciranda de roda, o que tornou-a muito mais digerível, uma brincadeira inocente. Executou Eleanor Rigby do jeito que ela merece, como uma peça de concerto. Juntou Here comes the sun com O sol nascerá, de Cartola e Elton Medeiros, criando um resultado emocionante.

Mas foi, sobretudo, em Because, que mostrou o que John Lennon já havia declarado a respeito dessa sua composição. Ela é puro Beethoven.

A apresentação foi bem curta. Menos de 45 minutos. E, no bis, mostrou toda sua versatilidade tocando O futebol de Chico Buarque. Nada a ver com Beatles. Mas foi uma execução tão primorosa que caberia em qualquer programa.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Criatividade e sabedoria

Lendo o blog da Cláudia, lembrei-me de uma passagem que aconteceu comigo muito parecida com o que ela contou no seu último post. Eu ia fazer um comentário lá, mas começou a ficar muito longo. Virou um post. Está esperando o que? Vá lá ler o post dela e depois você volta aqui...

Pois é. Isso aconteceu quando eu estava no colégio. Nas aulas de português, havia uma tarefa chamada expressão oral. Acho que era uma vez por semana. Tínhamos que escolher um tema e nos apresentar na frente da turma, utilizando a lousa e expondo o assunto escolhido por 15 minutos. Dava pra haver entre 3 e 4 apresentações. No início da aula, a professora sempre perguntava se havia algum voluntário que quisesse apresentar seu tema. Desnecessário dizer que após essa pergunta fazia-se um silêncio sepulcral na sala. O próximo passo era o sorteio. E aí, 3 ou 4 felizardos tinham que expor suas apresentações naquele palco.

Eu nunca preparava nada. Numa classe com mais de 40 alunos, eu sempre contava que a teoria das probabilidades estaria ao meu lado e eu nunca seria sorteado. E isso sempre deu certo, até o fatídico dia em que fui sorteado. Gelei. Não tinha nada preparado, evidentemente. E aí, eu tinha duas opções. Eu podia dizer que não havia preparado nada e com isso levaria uma nota zero, além de servir ao escárnio de toda a turma. A outra opção seria exercitar a minha cara de pau e criar na hora, um tema e uma apresentação. Escolhi a segunda opção.

No caminho que vai do fundo da sala até a beira da lousa eu inventei o tema. Chegando na frente dos alunos eu anunciei o assunto: Vou falar sobre energia solar.

Eu não tinha a menor idéia de como se gera, armazena, transmite e utiliza energia solar. Eu só tinha uma certeza. Se eu, estudante de um curso técnico em eletrônica, não sabia isso, a professora de português saberia menos ainda. E aí, comecei a divagar. Nenhum dos meus colegas entendia do assunto. A única coisa que eles sabiam era que eu estava falando um monte de besteiras. E olhando pra cara da professora, ficou claro que ela estava engolindo aquele blá, blá, blá. Ficou claro pra mim e pra turma toda, que numa generosa demonstração de corporativismo, evitava a todo custo cair em gargalhada com as bobagens que eu dizia. Mas como generosidade tem limite, o pessoal resolveu participar da farra e começou a me bombardear com perguntas. E eu comecei a respondê-las, cada vez com mais convicção.

Explquei como se construíam as placas coletoras de energia e que, através de orifícios redondos o sol passava e incidia numa superfície sensível à luz e ao calor. Dei detalhes construtivos da placa coletora e informações técnicas sobre o material da superfície fotossensível. Usei a lousa com maestria pra ilustrar cada explicação que eu dava. E aí, veio a pergunta crucual, proferida por meu melhor amigo: Como é que se gera a voltagem de 110 volts e a de 220 volts? Não tive dúvidas e respondi sem pestanejar. Muito fácil. Basta fazer alguns furos com diâmetro pequeno e outros com o dobro da medida.

Levei um dez. Pelo total domínio do assunto e por ter conseguido gerar tanto interesse na platéia. Às vezes, a criatividade vale mais que a sabedoria.

sábado, 19 de maio de 2007

40 anos

Descobri, no blog A Prateleira e também no blog do Baptistão, que o disco Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band fez 40 anos, este mês.

Já disse aqui que só vim a me interessar pelos Beatles depois que eles já tinham se separado. E cheguei aos Beatles através de John Lennon, depois de comprar o disco Imagine, que fez muito a minha cabeça. Comecei a ouvi-los em dois discos duplos de coletâneas e, aos poucos, fui comprando os outros, conforme o dinheiro dava. E, felizmente, não os comprei em ordem cronológica, pois se tivesse feito isso, teria parado logo. Não tenho muita paciência com os primeiros e pelos posteriores sou absolutamente apaixonado.

Acredito que este disco, o Sargent Peppers, seja o que mais me comove (ou, talvez, seja o Álbum Branco). O disco é revolucionário em muita coisa. Começa pela concepção gráfica da capa, cheia de ícones da cultura pop. E, na contracapa, traz as letras das músicas. Li, em algum lugar, que foi o primeiro disco em que isso aconteceu. Mas, é lá dentro, naquela bolachona preta com a maçã no meio, que está o verdadeiro tesouro. Eu, que sempre fui fanático por John Lennon, comecei a dar mais valor a Paul McCartney ouvindo She’s Leaving Home.




Chegamos, eu e a Clélia, a cantar esta música no coral da Cultura Inglesa. Naquela época, a Cecília era pequenina e era impossível não pensar nela, cada vez que a cantava.

Algumas coisas nos causam uma nostalgia melancólica. Uma sensação meio angustiante de que as coisas eram melhores antigamente. Uma saudade de coisas e pessoas que a gente sabe que não vai mais encontrar. Uma sensação, sobretudo, de ter perdido um sabor que outrora experimentou.

Tudo bobagem. Os tempos são outros e podem ter sabores tão bons como os de antes. Apenas são diferentes.

Ainda bem.

Tem blog novo no ar !!!

É o blog da minha querida sobrinha, a Bá.

Por enquanto não tem quase nada no blog. Apenas sua apresentação, algumas dúvidas, outras tantas indecisões e incertezas. Mas essa menina é especial, acreditem. Sempre foi, aliás.

O site é o coisadejornalista e eu não tenho medo de recomendar, mesmo estando vazio, ainda.

Sei que muita coisa boa há de pintar por lá.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Fama e sucesso


Há artistas que tentam e nunca conquistam a fama. Muitas vezes exibem talento, fazem escolhas corretas, mas não emplacam. Parece que alguma coisa emperra o processo, entorta a trajetória. Há outros que não buscam a fama. Fazem tudo direito, criam espaço, mas não o ocupam, por absoluta falta de interesse pela coisa de ser celebridade. Não sei em qual dos dois casos se encaixa a cantora Célia. Afinal, ela tem uma voz bonita, de ótima qualidade, um repertório bastante correto e já está na estrada há mais de 30 anos. Nunca, porém, ocupou um lugar de destaque na nossa música. Nunca teve espaço na mídia, apesar de ter gravado 10 discos em sua carreira. Um deles, aliás, o penúltimo, foi há 7 anos, chamado Pra fugir da Saudade, junto com o também ótimo Zé Luiz Mazziotti, cantando sambas de Paulinho da Viola.

Pois acaba de sair um novo disco de Célia, acompanhada do violonista Dino Barioni, chamado Faço no tempo soar minha sílaba. O título é um verso da canção Muito 
Romântico, de Caetano Veloso, que fez muito sucesso numa gravação excelente de Roberto Carlos. Eu me atrevo a dizer que essa gravação de Célia é muito melhor. É a primeira faixa do CD.



Este disco tem participações de Dominguinhos, Lucinha Lins e Zélia Duncan. Tem ainda Beth Carvalho cantando Pressentimento de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho, um dos sambas que eu mais gosto.

Seja por falta de sorte, seja por falta de interesse, o fato é que apesar de não ter fama, Célia teve sucesso, em sua carreira. E é muito importante saber diferenciar claramente essas duas coisas. Pois enquanto a fama tem a ver com a notoriedade, com o aplauso das multidões, com o reconhecimento no meio da rua, com a revista Caras, o sucesso tem a ver com a satisfação de fazer uma coisa bem feita. Fazer algo a que se propôs com correção e dignidade. Mesmo que quase ninguém perceba.

domingo, 13 de maio de 2007

Sono

Tudo o que ele quer é sonhar com a mulher bonita que habita seu sono. Entre levantar da cama vazia e tomar o café da manhã na padaria tem aquelas coisas que não se relatam por falta de importância. O seu café às vezes é puro, às vezes tem leite. Um pão com manteiga ou um misto quente. Nada mais espetacular. Ir pro trabalho de ônibus ou de táxi, às vezes. Sua vida sem grandes aventuras lhe permite esse luxo. No trabalho, na repartição pública, sempre ouvindo as mesmas histórias. Brigas com a esposa, problemas com as crianças, aventuras com a amante. Ele não fala nada. Não tem histórias pra contar. Por isso, por ser tão calado, é considerado antipático. Não é nada disso. Só não tem histórias pra contar. Não tem esposa, não tem crianças, não tem amantes. Não torce pra time nenhum. Mas tem o sonho. E nenhum de seus colegas tem uma mulher ou uma amante tão bonita quanto a do seu sonho. E é por isso que ele volta pra casa animado. E come o frugal jantar ansioso. E assiste aos entediantes programas de televisão excitado, esperando o sono chegar. Porque tudo que ele quer é sonhar com a mulher bonita que habita seu sono.


sábado, 12 de maio de 2007

Eu também odeio!

Esta música nem é lá grande coisa, mas reflete exatamente o que eu penso sobre rodeios e música sertaneja (não confundir com música caipira, que eu adoro!).

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Bons Tempos & Pezão

O Bons Tempos é um dos grupos que eu mais gosto, aqui de Campinas. O repertório deles coincide exatamente com tudo aquilo que eu aprecio e sua maneira de cantar me encanta. Além da coisa musical, eles emanam uma alegria sincera quando se apresentam, deixando evidente que estão se divertindo muito, fazendo algo que gostam. Isso dá uma sensação especial em quem os está vendo e ouvindo. E, além do mais, são pessoas ótimas. Realmente bons amigos.

O único porém é que, de tanto vê-los tocando e cantando, já sabemos de cor até a seqüência das músicas. Até as piadinhas já nos são conhecidas. Já falei isso mil vezes pro Elder e pro Caco, mas eles são meio preguiçosos, eu acho. É raro ouvir uma coisa nova, por mais que a gente peça (e a gente pede). Mas, apesar disso, é sempre um grande prazer ouvi-los.



Faz tempo que eu não os vejo tocar. Estou com saudades. E pra nossa feliz surpresa, recebemos um e-mail do Alfeu informando sobre um novo projeto que deve acontecer, uma vez por mês, na Cachaçaria Tradicional, no distrito de Souzas. O projeto chama-se Bons Tempos convida. E na primeira edição, o convidado será o cantor Pezão.

Pezão é um caso à parte. Dono de um estilo contagiante, é um fã mais fervoroso de Chido Buarque do que a Graziana, coisa que é quase impossível. Mas, na minha opinião, é quando toca os sambas do João Bosco que ele abafa.

Faz tempo que não o ouço. Ele anda sumido. Sei que pode ser visto e ouvido, toda última quinta-feira do mês, no Empório do Nono, ao lado do Chiquinho do pandeiro, outro integrante do Bons Tempos. O problema é que a gente não gosta muito do Empório do Nono. Está sempre muito cheio e o espaço que permite ver os artistas é mínimo.


Enfim, amanhã, dia 12, às 22 horas, teremos oportunidade de ver, juntos, em cores e ao vivo, essas pessoas de quem gostamos tanto. Tenho certeza que vai ser ótimo.

domingo, 6 de maio de 2007

Feliz parceria

Não sou adepto a ficar fazendo lista de melhores ou maiores. Mas se fosse obrigado a escolher o compositor preferido da atualidade, votaria em Chico Buarque. Até aí, não tenho nenhuma exclusividade. Sei que divido essa preferência com metade da população brasileira, principalmente com as mulheres de meia idade. Não sei, entretanto, se teria concordância em relação à minha escolha da maior cantora brasileira dos dias de hoje. Provavelmente não. Pois eu não tenho dúvida em afirmar que minha preferida é Mônica Salmaso. Desde a primeira vez que ouvi sua voz, no disco Eduardo Gudin e notícias dum Brasil, de 1995, fiquei encantado com sua voz e sua maneira de cantar.

Pois acaba de sair um disco dela, cantando só músicas de Chico Buarque. Noites de gala, samba de rua. As qualidades do disco começam na escolha do repertório, em que ela foge da obviedade sem ter medo de enfrentar os standards do compositor.

Outro ponto alto são os músicos que a acompanham. Trata-se do grupo Pau-Brasil. Este quinteto que tem os extraordinários Nelson Ayres no piano e Teco Cardoso no sax e flauta, cai como uma luva na proposta do disco. E, acima de tudo, há o reencontro com Paulo Bellinat, com quem ela gravou seu primeiro CD, só com os afro-sambas de Baden e Vinícius.

Enfim, um disco pra ouvir e desfrutar. Como todo grande prazer deve ser.

Nada genial. Não precisa.

Estando em São Paulo, nesse sábado, resolvemos ir assistir Scoop – O grande Furo, de Woody Allen, já que o filme não está passando em Campinas. Aliás, nem sei se passou. Muito tem se dito que Woody Allen perdeu a mão, que seus últimos filmes não têm a mesma qualidade dos de outros tempos. De fato, reconheço que os das décadas de 70 e 80 falaram muito mais alto, pra mim, do que os mais recentes. Aliás, a partir dos anos 90, ele nunca mais fez obras-primas como Annie Hall, Manhattan, Zelig ou A Rosa púrpura do Cairo. Mas eu não diria que ele piorou. Acho que ele encontrou uma nova maneira de filmar. Eu não acho que seus últimos filmes sejam ruins. Só não são geniais. Não são obras-primas. Mas isso não aconteceu só com ele. Desde quando Spike Lee não faz um filme tão bom quanto Faça a coisa certa ou Jungle Fever? Quando foi que Pedro Almodóvar, nos seus filmes mais recentes, chegou perto de Ata-me ou Mulheres à beira de um ataque de nervos?

Eu não considero Scoop um filme menor. Muito menos um filme ruim. É um filme como Melinda e Melinda, ou Match Point. São filmes bons, onde ele tira muito mais dos atores do que fazia antigamente, quando o principal (quando não, o único) protagonista era ele mesmo. Agora, representando sempre o mesmo personagem, ele tem adotado uma posição mais coadjuvante em seus filmes. E não há nada de errado em representar sempre o mesmo personagem. Não é isso que faz com que um ator seja bom ou ruim. Afinal, não foi isso que fez Jaques Tatit em seus filmes? Não foi isso que fez Chaplin com seu Carlitos? Não foram perfeitos?

Nesse filme, Woody Allen insistiu em Scarlett Johansson, que também fez Match Point. Reconheço que ela não está bem no papel. Talvez ainda não esteja talhada para a comédia. Mas ela é uma atriz muito jovem e tem muito que aprender. E atuar, só se aprende atuando. Ela é, em minha opinião, uma atriz excelente. Desde a primeira vez que a vi, criança ainda, no bobinho O encantador de cavalos, ela roubou a cena. Suas atuações em Moça com brinco de pérola, Uma canção de amor para Bobby Long e Encontros e desencontros são memoráveis.

Dona de uma expressão enigmática, esta atriz exala sensualidade sem ter o biotipo ou mesmo atributos físicos dentro dos padrões atualmente impostos pela mídia. Neste filme, aliás, ela está bem gorducha, o que, partindo de mim, é elogio, não crítica.

Enfim, saí do cinema consciente de que não vi o melhor filme de Woody Allen. E convencido de que nunca mais verei.

A verdadeira magia

Quando eu era garoto, um dos programas que fazia mais sucesso na TV era A feiticeira. Eu me divertia com as trapalhadas da tia Clara e com a maldade da Endora. O marido tentando ser politicamente correto, apesar de meio frouxo, sempre abrindo as pernas para o chefe, um cara meio sem caráter. É engraçado perceber, pensando com a cabeça de hoje, como tudo naquele seriado era mais brando do que a vida real. As mutretas do chefe eram brandas, as sacanagens com a vizinha bisbilhoteira eram brandas, até as maldades da Endora eram brandas. Aliás, todo mundo, em todas as séries de TV daquela época era meio assexuado. Não tinha espaço para o tesão. Nem na Feiticeira, nem na Jeannie é um Gênio, nem na Terra de Gigantes. E todas as séries tinham umas meninas com saias curtinhas e as pernocas de fora. Até na família Robson, do Perdidos no Espaço. Mas isso não era suficiente pra estimular a libido de nenhum dos personagens masculinos. Confesso que eu tinha um tesão reprimido pela Elizabeth Montgomery, mas só quando ela estava fazendo o papel da Serena, a prima sacana da Samantha, enquanto esta, nunca me despertou o menor interesse.

Fiquei sabendo que fizeram um filme, uns dois anos atrás, uma espécie de refilmagem da série. Não dei muita importância pra isso. Essas coisas não costumam dar muito certo. Pois, essa semana, num momento de bobeira, zapeando os canais da TV, começo a ver o filme. No papel de Samantha estava a Nicole Kidman, um pouco cheinha, com uma bunda e uns peitos que eu nunca tinha visto. Reconheço que estava bem bonita. O ator que fazia seu marido, Will Ferrell, não me diz nada. Fez algumas bobagens por aí.

O filme ia em banho-maria quando aconteceu, finalmente, um momento de magia. Foi quando, numa cena, sem nenhum encanto especial, entra uma música cantada por Frank Sinatra. Isso bastou pra eu me interessar. E até comentei com a Clélia, que colocar uma música com Frank Sinatra era um artifício muito utilizado pelos diretores e que sempre dava certo. E na verdade, essa foi a única coisa boa no filme, que tinha, aliás, uma trilha sonora interessante, com Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, Bing Crosby e Natalie Cole, no meio de algumas bobagens. Mas Sinatra é único. E apesar de qualquer coisa sobre seu caráter, do eventual envolvimento com a máfia, enfim, nada disso abala minha convicção de que ele foi o maior cantor americano de todos os tempos. Sua voz límpida, sua dicção perfeita, sua excelente noção de ritmo e divisão sempre me encantaram. E quanto mais ele envelhecia, mais sua voz me agradava. Seja cantando Cole Porter, seja cantando Tom Jobim, Sinatra sempre me emocionou.

E sobre o filme eu não posso falar mais nada, pois dormi, na metade.