Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Twitter

Eu sou um dos caras mais lerdos no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Mesmo quando as lojas de discos estavam, já, infestadas de CDs em suas prateleiras, eu entrava nelas à procura dos discos de vinil, relegados, cada vez mais, aos cantos ermos. Quando inventaram o Windows, eu ainda fiquei um bom tempo trabalhando no ambiente DOS e, mesmo quando o Excel já era uma unanimidade, eu ainda me virava com planilhas feitas no Lotus 123.

Estou absolutamente conectado à Internet, tenho aqui este blog, mas passo longe do Orkut. Não estou nesta rede e, provavelmente, não vou entrar. E agora começo a ouvir, a torto e a direito, essa história de Twitter.

Confesso, meio envergonhado, que ainda não entendo exatamente do que se trata. Sei que é uma questão de pura preguiça, já que com uma rápida consulta ao Google, eu, possivelmente, terei acesso a milhares de páginas explicando como funciona este novo fenômeno de comunicação. Pelo menos isso eu sei: trata-se de alguma coisa ligada a comunicação. Mais do que preguiça, entretanto, eu sinto certa desmotivação em saber o que é isso. A sensação é de que seja uma coisa que não vai me fazer falta.

Sou do tempo em que tweeter era um auto-falante pequenino, específico para reproduzir sons agudos. Cansei de instalar tweeters em caixas acústicas e na porta do carro. Fui craque em calcular componentes eletrônicos para produzir divisores de freqüência que proporcionavam um maior resultado na reprodução do som. Hoje, ninguém mais faz isso. Nem eu e nem ninguém. Hoje já vem tudo pronto, é tudo plug and play, embora haja quem diga que, ao comprar esses equipamentos mais modernos, a expressão mais apropriada deveria ser plug and pray.
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De qualquer maneira, vou seguindo com meu atraso e minha desinformação. Estou cada vez menos interessado na modernidade, na rapidez, na falta de profundidade das coisas. Ah! Que saudade do vinil!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Novidade

Conheci a cantora Ceumar através de uma amiga que me enviou seu primeiro disco, Dindinha, dos Estados Unidos. Tudo era novidade naquele CD, recheado com canções de Zeca Baleiro, também uma novidade naquela época. Tinha mais coisa e tudo soava novo, desde músicas desconhecidas até canções popularíssimas como o baião Olha pro Céu, de Luiz Gonzaga e José Fernandes. Até esta, entretanto, parecia coisa novíssima.

Fui vê-la, pela primeira vez, no SESC de São Caetano do Sul, no ABC paulista. Num show intimista, palco pequeno, colado à platéia, ela se apresentou acompanhada do próprio violão, ao lado de uma excelente percussionista que o nome me escapou e que nunca mais vi na vida.

Ainda estive em shows dela no Café Filosófico da CPFL, em Campinas, e no SESC Pompéia, em São Paulo. Em todos eles, uma presença marcante no palco, aliada a muita qualidade vocal. Em qualquer uma das apresentações, sempre reservava uma novidade, como a presença inebriante do percussionista Gigante Brasil no show campineiro, falecido ano passado.

Se no segundo CD a novidade fora a presença de duas canções autorais, Ceumar nos brinda, agora, com um quarto disco, Meu nome, em que a totalidade das canções é de sua autoria. Embora isso seja novidade, a qualidade de Ceumar não me surpreende mais. Ganhamos este novo disco de uma amiga da Clélia, que foi ver o show, e nos trouxe um exemplar autografado. Foi só colocá-lo pra tocar e a convicção de que ouviríamos música de primeira qualidade se transformou em certeza, já no primeiro acorde.
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O disco foi gravado ao vivo, ano passado, num show em São Paulo. No palco, Ceumar e seu violão e as participações do músico mineiro Sérgio Pererê e do pianista cubano Yanel Matos.

No encarte do CD, Ceumar registra um comentário de seu pai a respeito do disco: “um CD com 20 músicas é bom pra viajar!”. De fato, ouvir Ceumar é bom pra viajar. Em todos os sentidos, pra qualquer direção.

sábado, 18 de julho de 2009

Sabor diferente

O Restaurante Clos Vert, em Barão Geraldo, só abre para o almoço. Isso faz com que eu só possa visitá-lo aos sábados, já que aos domingos também fecha suas portas. Já falei, brevemente, deste restaurante no post Desvendando Campinas, em que eu aludia ao fato de que, chegando lá um pouco tarde, na primeira vez que fomos, acabei pegando o bufê um tanto quanto desfalcado. Voltamos lá hoje, tomando o cuidado de não cometer o mesmo erro. Fomos quase os primeiros a chegar e os pratos estavam todos à disposição, a maioria deles intocado.

O restaurante tem identidade árabe, com um tempero diferenciado, graças à influência de Nadira, francesa, casada com Issa, que é sírio, donos do restaurante. Como é um restaurante árabe diferenciado, é melhor fugir das opções óbvias, como quibes e esfirras. O melhor é se enveredar pelos pratos mais inventivos, raros em restaurantes mais tradicionais. O restaurante é bom, sem ser magnífico. Na verdade, eu saí de lá com um sentimento dúbio. Sabia que tinha gostado, mas não tinha aquela sensação de ter comido a última maravilha do universo. Com o tempo, entretanto, ao longo da tarde, fui percebendo o quanto o sabor daquela comida permanecia em mim de maneira agradável. Tá difícil de explicar. Em geral, quando saio de um almoço plenamente satisfeito, a minha sensação é de grande regozijo, embora, por conta da quantidade, com o passar de algum tempo, aquela comida começa a pesar, tanto em meu estômago quanto em meu cérebro. Foi exatamente o contrário do que aconteceu ao sair do Clos Vert. Estou quase convencido de que essa sensação é melhor que aquela. Ainda não sei.

Comer muito no Clos Vert não é uma boa idéia, também, por causa do preço. Aos sábados é um pouco mais salgado, mas, desconfio que seja um tanto mais diversificado. De qualquer forma, a melhor estratégia é escolher muito bem aquilo que você mais gosta e pegar porções parcas daquilo que não conhece, mesmo que tenha que voltar mais vezes ao bufê e à balança. E essas manhas a gente só adquire com o tempo, ou seja, voltando lá mais vezes. É isso que vou fazer.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Moacyr Luz

Não vou mentir, no começo eu achava que Moacyr Luz cantava mal. Reconhecia nele um compositor de primeiríssima linha, principalmente por ter composto um dos meus 5 sambas preferidos. Mas achava sua voz falha, quase desafinada. Devo adiantar que não tenho nada especialmente contra os desafinados. Chico Buarque desafina, Francis Hime desafina, Eduardo Gudin e Tom Jobim são quase insuportáveis para quem faz questão da freqüência exata na emissão das notas musicais. Não é meu caso. Nunca deixei de comprar discos destes artistas que citei por esse motivo. Mas no caso do Moacyr Luz, tive, quando conheci, alguma má vontade com sua voz. Tanto, que foi por esse motivo que não fui assistir a seu show, em Campinas, na primeira vez que se apresentou no Tonico’s Boteco. O segundo show eu perdi pelo fato de estar viajando e o terceiro, felizmente, pude ir vê-lo. Sim, digo felizmente, pois felizmente eu percebi que sua maneira de cantar samba é das mais autênticas e sonoras que eu já pude ouvir. Hoje, pouca gente me comove tanto quanto Moacyr Luz cantando samba.

Seus discos tenho todos, com exceção do primeiro, lançado em 1988, que já procurei muito sem lograr sucesso. Os 3 primeiros são de parcerias com Aldir Blanc, o que garante qualidade inquestionável e, na quarta empreitada fonográfica, gravou um disco com músicas de outros autores, chamado Na Galeria. Este tem um significado muito grande pra mim, por dois motivos: foi neste disco que aprendi a gostar de seu jeito de cantar e porque há nele sambas fantásticos de grandes compositores, bem desconhecidos (os sambas, não os compositores). São sambas de Cartola, Noel Rosa e Candeia, entre tantos outros. Sua gravação de Retiro, do Paulinho da Viola, vez por outra, me leva às lágrimas.
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Passei a comprar todos os seus discos e foi com Samba da Cidade que, na minha opinião, ele atingiu o auge da qualidade, não por acaso, ao diversificar os parceiros. Naquele disco, ele apresentava composições com Wilson das Neves, Martinho da Vila, Paulo César Pinheiro, Nei Lopes, Luiz Carlos da Vila, Wilson Moreira e Aldir Blanc, naturalmente. O disco é de arrepiar, acreditem. Som de Prata, com letra de Paulo César Pinheiro, é comovente.
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Foi uma sensação de muita excitação a que eu senti quando fui comprar seu último CD, Batucando. Nele há, também, parcerias diversas e parceiros novos como Ivan Lins, Hermínio Bello de Carvalho e Sereno. Há, neste disco novo, várias participações especiais, cantando junto com ele. Zeca Pagodinho, Wilson das Neves, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Ivan Lins, Alcione, Tantinho da Mangueira, Luiz Melodia e Mart’nália passeiam entre as faixas em companhia do Moa. Um disco muito bom, que eu não me canso de ouvir.
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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Feminino

Caramelo, o filme libanês dirigido pela atriz Nadine Labaki, fala da solidão das mulheres. Das mulheres maduras, sobretudo. Apesar de não negar referências regionais, o filme poderia se passar em qualquer outro lugar e em qualquer outro tempo. Afinal, a discriminação e a opressão que as mulheres sofrem na Beirute de hoje já foram iguais à que ocorreu na sociedade brasileira ou norte-americana em algum outro tempo. Não é esta questão, portanto, o que mais me toca no filme.

O ponto principal é como a sociedade, em épocas e regiões distintas, impõe às mulheres, modelos estéticos e de comportamento cruéis. Aliás, eu sempre digo que o tempo é cruel com as mulheres, menos pelo que a natureza opera em seu corpo e mais pelo que a sociedade lhes cobra. Afinal, uma gordura localizada, uma mecha branca nos cabelos ou algumas rugas, são absolutamente aceitáveis nos homens (quando não são, em muitos casos, admiradas) enquanto são abomináveis nas mulheres. Pouquíssimas são as munidas de coragem e personalidade suficientes para encarar estas transformações, absolutamente naturais, com dignidade.

Há que se ressaltar que esta cobrança não provém apenas da parcela machista da sociedade, mas também as mulheres exercem esta tirania de forma cruel, na maioria das vezes, mais do que os homens. Isso obriga toda mulher, ao amadurecer, a tomar decisões difíceis como a de encarar estas transformações de frente ou tentar, inutilmente, escondê-las, através de cirurgia e maquiagem, com resultados desastrosos, muitas vezes.

É de cada um destes e de outros dramas, enfrentados pelas mulheres, que trata Caramelo. É um filme repleto de mulheres, feito por mulheres, para as mulheres. Tanto é assim, que eu era um dos únicos dois exemplares do sexo masculino na sala de exibição. Isso não representa nenhum problema para mim. Se existe uma coisa de que eu gosto é da companhia das mulheres.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Meus 5 sambas preferidos

Meu amigo Alejandro gosta de fazer listas. Tem uma infinidade delas: filmes que ainda quer ver, próximos livros para ler, esse tipo de coisa, tudo no futuro. Ele as escreve em papeizinhos minúsculos, com um altíssimo grau de organização. Eu não consigo ser tão organizado e muito menos tenho disciplina para fazer listas, ainda mais no futuro. Nunca conseguiria cumpri-las. Por isso, em sua homenagem, resolvi fazer uma lista, mas uma lista no passado.

Todo mundo que lê esse blog percebe que o assunto mais constante aqui é a música. E sabe que, dentre as minhas preferências, é o samba a que mais me emociona. Por isso mesmo, resolvi fazer a lista dos meus 5 sambas preferidos. Não é uma lista definitiva (nunca será) e nem eterna. Essa lista, se eu tivesse pensado em fazê-la no ano passado, talvez fosse outra. Se eu cismar de fazê-la daqui a um ano, poderá ser diferente, quem sabe?

Não é uma lista dos melhores sambas e nem dos sambas mais importantes. É a lista dos sambas que eu mais gosto, que mais me tocam e que, portanto, mais tocam em meu carro, minha casa, minha cabeça. São os sambas que mais me dão prazer ouvir e cantar. E vou colocá-los aqui com as gravações com as quais eu os conheci:



E lá se vão meus anéis (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro)
com Os Originais do Samba

O meu amor pelo samba é tão grande quanto o meu ódio por aqueles conjuntos de pagode, em que 5 ou 6 marmanjos dublam “dançandinho”, vestindo a mesma roupa, sambas melosos de qualidade duvidosa. Ao que tudo indica, felizmente, esses grupos estão sumindo do mapa. Acho-os abomináveis. Houve, porém, num passado remoto, um grupo que fazia esta mesma coisa que eu abomino, com uma diferença crucial: eles sabiam tocar e cantar samba e um samba da maior qualidade. Faziam isso quando isso não era moda. Eram os Originais do Samba e foi com eles que eu conheci esta maravilha, fruto de parceria entre Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro.


Pressentimento (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho)
com MPB4 e Quarteto em Cy

O grupo vocal de que mais gosto é o MPB4. Não o da formação de agora, com o Dalmo Medeiros, mas da anterior, com o Ruy Faria. E dentre os seus discos, o que mais me encanta é o 10 Anos Depois, recheado de gravações clássicas, entre elas, esse samba de Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho.


Senhora Liberdade (Nei Lopes e Wilson Moreira)
com Zezé Motta

Sempre gostei da voz vigorosa da atriz Zezé Motta, como gostei de seu vigor no filme Chica da Silva, esbanjando sensualidade, como uma rainha africana. Lembro-me do quanto gostava de ouvi-la cantando, assim como gostava de ver suas pernas. Em seu disco Negritude, cheio de músicas excelentes, o destaque era para Senhora Liberdade, de Nei Lopes e Wilson Moreira.


Saudades da Guanabara (Moacyr Luz, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc)
com Beth Carvalho

É a primeira faixa do disco de mesmo nome que Beth Carvalho gravou, em 1989, no auge de sua maturidade como cantora. Uma parceria de Moacyr Luz com meus dois letristas preferidos da música popular brasileira, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc. Aliás, a história de como este samba foi composto pode ser lida aqui, no Blog do Moa.


O samba é meu dom (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro)
com Wilson das Neves

Num dos shows de aniversário de 50 anos de Paulo César Pinheiro, no SESC Pompéia, estavam reunidos no palco grandes nomes do nosso samba como João Nogueira, Joyce, Márcia e Eduardo Gudin. Cada um, cantava algumas músicas e saía, dando vez para outro que entrava. O grupo que acompanhava a turma era de primeiríssima qualidade. De repente, Wilson das Neves, famoso baterista, sai de trás do instrumento e vem à frente do palco cantar um samba seu em parceria com o aniversariante. Era O samba é meu dom. Lembro-me que fiquei perplexo e saí de lá, naquela noite, com esse samba na cabeça e não sosseguei enquanto não pude encontrar um disco com a gravação daquele jóia. Custou, mas quando consegui, a exaltação que sentira da primeira vez voltou com a mesma força.


Enfim, como eu já disse, pode nem ser a lista dos melhores ou mais importantes sambas já compostos. Só sei que, depois de postar este texto, não sei se serei capaz de sair da frente do computador.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Nossa vida com graça

Eu nunca me atrevi a escrever um romance, pois tenho a forte convicção de que não conseguirei chegar perto de um Saramago ou de um Cony. Na juventude, cometi poemas e letras de música, mas como não me equiparava a um Drummond nem a um Paulo Cesar Pinheiro, resolvi desistir. Os contos que tenho escritos estão absolutamente inéditos, pois não são da mesma casta dos de um Machado de Assis.

Sendo assim, o que me permito mesmo é escrever estes textos publicados no blog que, na falta de uma classificação mais apropriada, eu poderia chamar de crônica. Melhor não. Afinal, estes rabiscos não chegam aos pés de crônicas de um Rubem Braga ou um Paulo Mendes Campos.

Vida de cronista, ao menos os mais famosos, tem seu lado ruim e seu lado bom. O lado ruim é a obrigatoriedade de escrever todo santo dia uma crônica diferente. Já li muitos deles reclamarem desta ditadura. O lado bom é que a maioria deles, depois de ter suas crônicas publicadas em jornais e revistas, acaba lançando livros reunindo seus melhores textos, ou seja, fazem um mesmo trabalho servir pra dois propósitos. Cansei de comprar livros do Ubaldo, do Veríssimo, do Loyola e, ao lê-los, descobrir que mais da metade das crônicas não eram inéditas pra mim.

Foi por isso que fiquei com um pé atrás quando comprei o livro Cem melhores crônicas (que, na verdade, são 129) do Mario Prata. Fiquei bastante satisfeito ao perceber que não tinha mais do que 2 ou 3 que eu já havia lido. Mais satisfeito ainda, ao perceber que este escritor está no mesmo nível daqueles que eu citei anteriormente. Muito gostoso ler suas crônicas, li seu livro em um piscar de olhos.

O Mario Prata tem o dom de ser engraçado sem ser um comediante. Ele não fica tentando fazer graça. Sua graça é natural e flui principalmente quando fala das coisas mais banais da vida. Ao constatar como a vida é banal e, mais, ao nos mostrar como a nossa vida é banal, acaba nos mostrando como ela é cheia de graça. Ler Mario Prata, portanto, é uma forma de achar graça na nossa vida, por mais que ela pareça tacanha. É um livro tão prazeroso, que deveria ser classificado como um livro de auto-ajuda.

domingo, 12 de julho de 2009

Conflito e serenidade

Horas de verão é um filme, acima de tudo, simples. Simples como a vida pode ser.

O enredo trata da partilha de bens entre 3 irmãos após a morte da matriarca da família. Embora esta sinopse possa sugerir uma teia de intrigas e conflitos mal conduzidos, o que se vê na tela é uma verdadeira aula de como é possível lidar com desavenças de forma serena, quando essas desavenças ocorrem entre pessoas que se amam.

O ponto central do filme (e dos conflitos) diz respeito ao valor das coisas, dos bens materiais. Este tema me é bastante caro, pois é esta a razão do maior conflito entre eu e a Clélia. Na verdade, é o único. Explico: eu e ela temos maneiras absolutamente antagônicas de lidar com coisas e objetos. E não falo em relação a bens de valor material e sim sentimental. Enquanto ela é apegada às coisas, quer guardá-las e preservá-las, eu me apego a elas enquanto enxergo uma utilidade clara e objetiva. Vejamos os livros, por exemplo: tenho uma total paixão pelos livros não lidos. Aqueles que estão na estante, à espera de uma oportunidade de entrar na minha lista dos próximos a serem lidos. Enquanto ainda são virgens da minha leitura, nutro por eles um carinho e atenção quase pessoal. Eu os namoro e anseio pelo dia em que passarão alguns momentos em minha companhia. Assim que termino de lê-los, entretanto, passam a não ter mais nenhuma importância pra mim. É como se eu sugasse deles tudo o que posso e, depois, passassem a ser matéria morta, sem importância. Por mim, depois de lido, um livro pode ser dado, vendido, jogado à fogueira.

Tenho uma fixação exagerada pela utilidade das coisas, como se algo só pudesse ser importante se a sua utilização tivesse uma finalidade muito clara, objetiva, fundamental. E é por isso que tenho tanta dificuldade com os objetos de decoração. Tenho extrema má vontade com os enfeites, as coisas que só servem para embelezar um ambiente. Até consigo ver e beleza num ramo de flores, mas não consigo enxergar beleza nenhuma num vaso que esteja vazio. Mesmo que seja um objeto de arte. Antes de comprar qualquer coisa deste tipo, a pergunta que me faço é: pra que é que serve?

Voltando ao filme, é dessas duas maneiras de encarar as coisas, os objetos, os bens (até os mais valiosos) que ele trata. E mostra que as duas maneiras possíveis, com apego ou com desprendimento, são naturais e honestas. E mostra, sobretudo, que pessoas com modo de encarar esta questão de maneira distinta, podem lidar com essa diferença e esse conflito de forma serena. Basta que se amem.
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sábado, 11 de julho de 2009

Passeio à moda antiga

Umas das coisas mais irritantes que aconteceram nos últimos tempos foi o Mercado Municipal Paulistano ter virado ponto turístico. Um local que sempre serviu para se comprar ingredientes, os mais frescos e raros, tornou-se, de repente, ponto de visitação pública, com hordas de turistas tirando fotos do que não é fotografável, desprezando seus sabores e aromas, insensíveis aos apelos que excitam os 5 sentidos, criando um tráfego insuportável em seus corredores estreitos.

Os comerciantes mais antigos, alguns da primeira geração, não aprovam a novidade, conscientes de seus interesses e da vocação verdadeira do mercado. A novidade mais revolucionária é o fato dele abrir aos domingos, dia em que ninguém deveria ir ao mercado. Aliás, nos finais de semana, você se sente um extra-terrestre caso vá lá “apenas” para comprar algum ingrediente para um jantar especial ou para abastecer uma dispensa criativa. Aos sábados e domingos, vai-se ao mercadão para passear. Virou um programa. Não há mais as bancas em que se podia comprar galinhas, patos ou coelhos, ainda vivos, para preparar uma refeição com produtos frescos. Hoje, os corredores ficam infestados de gente formando filas para comer os sanduíches de mortadela que, de tão famosos, acabaram virando artigos esdrúxulos, com recheios exageradamente gigantescos para justificar seu preço gigantemente exagerado. No início não era assim. As pessoas comiam sanduíche de mortadela, pois sentiam fome e tinham que comer alguma coisa que não fosse cara. Tudo, agora, está invertido.
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É exatamente por isso que senti um prazer imenso ao ir no mercado num dia comum, no meio da semana. A sensação remeteu-me ao tempo em que eu ia lá com meu pai, para comprar alguma coisa diferente, para fazer uma comida especial. O mercado estava mais vazio, mais transitável, mais normal. Estava tão tranqüilo que eu pude até tirar uma foto de seus vitrais, sem que algum japonês se acotovelasse comigo, disputando uma posição para conseguir um foco, com uma câmera mais possante que a minha.
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É só no mercadão que se pode sentir todos os aromas e sabores, tocando nas coisas, cheirando as lingüiças, provando as azeitonas. É quando se pode deixar a mente viajar e a imaginação criar possibilidades de pratos prazerosos. É onde se pode pensar numa variação para o bacalhau, de diversas procedências, para todo tamanho de desejo e de bolso.

É só no mercadão que a velha senhora pode comprar ingredientes que a remetam aos sabores de sua juventude, naquela época em que os alimentos não haviam sido, todos eles, industrializados, trazendo junto com isso o sabor plastificado. É onde se pode examinar cor e textura do que não está acondicionado em refrigeradores cuja luz faz com que tudo tenha a mesma cor, pasteurizando a nossa vida.

É só no mercadão que se pode encontrar a maior quantidade de temperos que enriqueçam o mais banal dos pratos, emprestando-lhes sabores espanhóis, italianos, turcos ou genuinamente brasileiros. A infinidade de condimentos faz qualquer aluno iniciante entender melhor porque é que se gastou tanto dinheiro na época das grandes navegações, em busca de especiarias.

É só no mercadão que consigo comprar a melhor morcilla fabricada no Brasil, a do Pirineus, cujo caminho me foi indicado pela Alejandra, do Bar Buenos Aires, de Embu das Artes, o melhor restaurante argentino da cidade. Aliás, o mundo está no mercadão. O oriente médio, a Ásia e a Europa com seus queijos.

Ah! Os queijos. Os queijos são o principal motivo que me impelem a ir para o Brás, sempre que posso. É só lá que consigo um cacciocavalo honesto, com sua manteiga irresistível. É onde compro o meu preferido Prima Donna pelo preço mais acessível. É onde os holandeses esbanjam sua soberania. É onde consigo provar muitas fatias, até achar o sabor exato, a cura certa.

Que dia saboroso. Que jornada extasiante. Mercadão aos domingos, nunca mais!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Samba e dignidade

Há infindáveis artistas de muita qualidade, no Brasil. Músicos e compositores, muitos deles com produção irregular, cheios de altos e baixos. Alguns poucos, entretanto, têm regularidade surpreendente, sempre inventivos, como se não secasse nunca a fonte de inspiração. É desta estirpe o compositor Eduardo Gudin. Nunca pestanejo ao me deparar com um disco seu. Compro-o, com a certeza de que vou gostar. Não preciso ver capa nem contracapa. Não preciso saber das músicas nem dos parceiros. Pois foi com esta certeza que encarei o disco Olha quem chega, da Dona Inah, no qual ela canta sambas de Eduardo Gudin.

Com 73 anos, Dona Inah está no samba há mais de 50, sempre se mantendo distante dos holofotes e perto do povo. Tocou a vida, trabalhando como babá, cozinheira e empregada doméstica. Como qualquer pessoa ordinária, qualquer pessoa normal. Como Monarco, que foi feirante, como Nelson Sargento, pintor de paredes, como Nelson Cavaquinho, policial. O samba é isso mesmo. É feito por gente assim. O samba, mas o samba de verdade, não admite essa coisa de celebridade.

Dona Inah gravou seu primeiro CD em 2004 e, em 2005, ganhou o prêmio Tim de revelação, vejam só que ironia. E, agora, com este novo CD, com sambas do Gudin, atesta seu compromisso com a qualidade.

Concorreu como melhor cantora de samba, mas quem levou foi Leci Brandão. Não faz mal. Essa coisa de prêmio tem pouca importância. O que importa mesmo é o samba ter sempre a sua voz e alguém que carregue seu estandarte. E Dona Inah o carrega sempre com muita dignidade.


quinta-feira, 9 de julho de 2009

Música, literatura e cinema

Acredito que pouca gente questione a qualidade da música produzida por Chico Buarque. Estou entre a multidão que o cultua, já que considero sua produção musical absolutamente acima da média, inclusive da média alta de nossos melhores compositores. Sua música pode ser classificada entre boa, ótima ou genial. Não há nada regular. Quanto menos fraco.

A respeito de sua produção literária, entretanto, tenho alguma má vontade. Não que isso tenha alguma importância para o Chico Buarque escritor. Não tem. Mas tem muita importância pro eu leitor. Sim, já que sempre que pego um livro seu pra ler, minha expectativa (talvez ingênua) é a de encontrar alguma coisa ao menos boa, quiçá genial. Esta última, nunca me aconteceu.

Gostei de ler Fazenda Modelo quando era moleque. Mas aquilo não vale, já que, naquela época, meu gostar era fácil. Mais tarde, mais exigente, peguei o Estorvo e não consegui ir até o fim. Acabei não vendo o filme. De Benjamim gostei mais, embora não tenha me empolgado. O filme valeu pelo desempenho do Paulo José e a beleza da Cléo Pires, até então desconhecida, pra mim. Mas achei o filme fraco.

De Budapeste gostei mais ainda. Foi um livro que me prendeu, me deu uma sensação boa, de que o Chico escritor pode estar chegando próximo a o que eu acho bom em sua produção musical. Fui ver o filme essa semana e achei ruim. Pior que Benjamim. De novo, o que salvou foram os menos de 3 minutos de participação de Paulo José. Giovanna Antonelli está bonita. E é só.
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Budapeste é um livro escrito na primeira pessoa, cheio de reflexões, cheio de questionamentos pessoais. Isso é o ponto alto do livro. Quase nunca é possível transformar um texto assim num bom filme. Aliás, as pessoas deveriam largar essa mania de achar que qualquer livro pode virar filme. Não pode.

Comecei hoje a ler Leite Derramado. Estou cheio de boas expectativas (minha ingenuidade não tem fim), já que cada livro escrito por ele tem me agradado mais. Não espero algo genial, mas anseio por algo mais que bom. E que não venham fazer mais um filme.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Texto ilustrado, tudo verde

Mesmo sendo são-paulino, fui à noite de autógrafos do livro Meu Pequeno Palmeirense, escrito pela Soninha Francine e ilustrado pelo Eduardo Baptistão. Na fila, evidentemente, predominava o alviverde, mas eu fiquei lá, impávido, com dois exemplares na mão, um pra ter em casa e outro pra presentear meu sobrinho Cauê, inexplicavelmente palmeirense. Enquanto ficava na fila, li o livro e finalmente compreendi o motivo desse moleque, tendo pai santista e mãe corintiana, avô e tio são-paulinos, ter decidido, na tenra infância, torcer pelo Palmeiras. E foi na leitura da primeira página que as palavras da Soninha me revelaram o segredo:
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... eu me apaixonei mesmo por futebol quando vi o Palmeiras de 93. Talvez você aí, meu amigo palmeirense, não tenha visto este timaço jogar, mas uma coisa eu garanto: o verdão estava impossível.
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E foi aí que a Soninha matou a charada. De fato, em 93 e 94 não tinha time nenhum pra bater no Palmeiras. E nessa época o menino tinha 5 ou 6 anos. Assim não tem mesmo jeito. É difícil resistir ao apelo de um time vencedor.

Lembro-me que a primeira vez que o Cauê foi ao estádio, era ainda bem pequeno, 10 ou 11 anos, no máximo. Foi levado por mim e pelo meu pai, dois tricolores perdidos naquela multidão verde. Foi a única vez que fui ao Parque Antártica. O adversário foi o Grêmio, se não me engano. E o Palmeiras ganhou de goleada. Os olhos do menino não piscavam. Tudo era novidade, uma novidade boa. Poder ver os ídolos de perto (o Palestra Itália proporciona isso), ver o senhor pacato, ao lado, soltar-se em sonoros palavrões e a chuva. Ah! Nada como uma boa chuva na arquibancada pra gente sentir o verdadeiro sabor do futebol.

Voltando ao livro, é difícil não gostar de um texto tão singelo. E se o texto é sublime, a ilustração é empolgante. O Baptistão é um craque da caricatura. No futebol e na música popular, justamente os dois assuntos que mais me seduzem.

Que sigam sempre juntos. O texto e a ilustração. O futebol e a música. A Soninha e o Baptistão.