Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 11 de julho de 2009

Passeio à moda antiga

Umas das coisas mais irritantes que aconteceram nos últimos tempos foi o Mercado Municipal Paulistano ter virado ponto turístico. Um local que sempre serviu para se comprar ingredientes, os mais frescos e raros, tornou-se, de repente, ponto de visitação pública, com hordas de turistas tirando fotos do que não é fotografável, desprezando seus sabores e aromas, insensíveis aos apelos que excitam os 5 sentidos, criando um tráfego insuportável em seus corredores estreitos.

Os comerciantes mais antigos, alguns da primeira geração, não aprovam a novidade, conscientes de seus interesses e da vocação verdadeira do mercado. A novidade mais revolucionária é o fato dele abrir aos domingos, dia em que ninguém deveria ir ao mercado. Aliás, nos finais de semana, você se sente um extra-terrestre caso vá lá “apenas” para comprar algum ingrediente para um jantar especial ou para abastecer uma dispensa criativa. Aos sábados e domingos, vai-se ao mercadão para passear. Virou um programa. Não há mais as bancas em que se podia comprar galinhas, patos ou coelhos, ainda vivos, para preparar uma refeição com produtos frescos. Hoje, os corredores ficam infestados de gente formando filas para comer os sanduíches de mortadela que, de tão famosos, acabaram virando artigos esdrúxulos, com recheios exageradamente gigantescos para justificar seu preço gigantemente exagerado. No início não era assim. As pessoas comiam sanduíche de mortadela, pois sentiam fome e tinham que comer alguma coisa que não fosse cara. Tudo, agora, está invertido.
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É exatamente por isso que senti um prazer imenso ao ir no mercado num dia comum, no meio da semana. A sensação remeteu-me ao tempo em que eu ia lá com meu pai, para comprar alguma coisa diferente, para fazer uma comida especial. O mercado estava mais vazio, mais transitável, mais normal. Estava tão tranqüilo que eu pude até tirar uma foto de seus vitrais, sem que algum japonês se acotovelasse comigo, disputando uma posição para conseguir um foco, com uma câmera mais possante que a minha.
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É só no mercadão que se pode sentir todos os aromas e sabores, tocando nas coisas, cheirando as lingüiças, provando as azeitonas. É quando se pode deixar a mente viajar e a imaginação criar possibilidades de pratos prazerosos. É onde se pode pensar numa variação para o bacalhau, de diversas procedências, para todo tamanho de desejo e de bolso.

É só no mercadão que a velha senhora pode comprar ingredientes que a remetam aos sabores de sua juventude, naquela época em que os alimentos não haviam sido, todos eles, industrializados, trazendo junto com isso o sabor plastificado. É onde se pode examinar cor e textura do que não está acondicionado em refrigeradores cuja luz faz com que tudo tenha a mesma cor, pasteurizando a nossa vida.

É só no mercadão que se pode encontrar a maior quantidade de temperos que enriqueçam o mais banal dos pratos, emprestando-lhes sabores espanhóis, italianos, turcos ou genuinamente brasileiros. A infinidade de condimentos faz qualquer aluno iniciante entender melhor porque é que se gastou tanto dinheiro na época das grandes navegações, em busca de especiarias.

É só no mercadão que consigo comprar a melhor morcilla fabricada no Brasil, a do Pirineus, cujo caminho me foi indicado pela Alejandra, do Bar Buenos Aires, de Embu das Artes, o melhor restaurante argentino da cidade. Aliás, o mundo está no mercadão. O oriente médio, a Ásia e a Europa com seus queijos.

Ah! Os queijos. Os queijos são o principal motivo que me impelem a ir para o Brás, sempre que posso. É só lá que consigo um cacciocavalo honesto, com sua manteiga irresistível. É onde compro o meu preferido Prima Donna pelo preço mais acessível. É onde os holandeses esbanjam sua soberania. É onde consigo provar muitas fatias, até achar o sabor exato, a cura certa.

Que dia saboroso. Que jornada extasiante. Mercadão aos domingos, nunca mais!

7 comentários:

Vanessa Dantas disse...

Arnaldo, cinco coisas sobre o post:

1. Quase fui ao mercadão hoje para comprar amêndoas douradas e prateadas (encomenda de uma prima de Fortaleza), mas quando lembrei que era sábado, abortei o plano! É realmente insuportável! Nunca fui no domingo, mas sei que muitos dos boxes não abrem! É turismo puro!

2. Lindas as fotos.

3. O Prima Dona também é o meu preferido!

4. Para compras maiores (de final de ano, ou festa em casa) opto pela zona cerealista - Rua Santa Rosa, mais especificamente - os preços são bem menores, e fica ao lado do mercadão. Vale a pena conferir!

5. Seu texto ficou ótimo! Certamente um dos mais interessantes e instigantes sobre o local e, embora você reclame do turismo, quem ler, vai querer correr pra conhecer. Curioso, não?!

Inté.

Marcia disse...

coisa bem boa este mercado.
aliás, o mercado de POA também é legal.
e o BH, que conheci recentemente, também.

eu gosto da confusão do entorno, do clima, das cores, aromas e texturas.

Diego Moreira disse...

Fui ao Mercadão uma vez só, num grupo de 40 pessoas. Parecíamos turistas mas não... éramos estudantes de Geografia buscando no mercado alguns (achamos muitos) marcos da imigração para o Brasil.

Seu texto falou um pouco do que vimos. Vimos a África, o Oriente Médio, o Extremo Oriente, a Oceania, a Europa e, claro, o Brasil que não é São Paulo, com frutas do Norte do Brasil etc.

Quero levar minha senhora, que nunca esteve lá, para que ela conheça esse espaço maravilhoso e possa experimentar desses sabores e olores universais.

Belo texto, belas fotos e belo mote, meu velho!

Abraços!

Alex. W. disse...

Fala Arnaldo,
Mais uma vez um excelente texto. Remete à muitas de nossas lembranças de família. Comida de Vó, ida com meu Pai na feira da Riberia na década de 70 na Ilha do Governador/RJ, pra comprar algo pro almoço de família do domingo. Vez ou outra ele levava um ramo de flores pra mamãe. Que saudades! Eu estive no Mercado num sábado, uns 2 anos atrás, depois de fazer as compras na Santa Rosa também. Lá o preço é mesmo melhor. Fui no Mercado só pra ver mesmo, e confirmar que tinha feito uma boa compra antes. Lembro que na época, o kilo do "Jamon", que na Santa Rosa já tinha a partir de R$60,-, no Mercado não existia abaixo de R$80,-. Essa dica do dia de semana é boa. Vou separar uma segunda-feira pra isso novamente... Abraços

Andrea Nestrea disse...

delicía de post....
eu, como a vanessa, ia na zona cerealista também!
bj

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Pelo jeito, essa zona cerealista é um lugar que vale a pena ir. Quando eu voltar pra São Paulo vou dar uma checada. Eu fui à rua Santa Rosa há muitos anos atrás e me lembro que só havia armazens de cebolas, alho e batatas, e assim mesmo, pra comprar em grandes quantidades. Mas isso faz muito, muito tempo mesmo. Vou conferir.

Rosane Queiroz disse...

oLÁ Arnaldo

sou jornalista e estou escrevendo uma materia sobre o mercado e arredores para a revista Living Alone. voce topa dar umas dicas, ja que conhece tao bem o lugar?