Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 28 de setembro de 2013

A Bossa Nova ainda seduz os gringos

Stacey Kent era uma estudante de Letras quando mudou-se dos Estados Unidos para a Europa a fim de estudar francês, italiano e alemão e completar um mestrado em Literatura Comparada. A partir daí, uma reviravolta aconteceu em sua vida e transformou-a numa das mais importantes cantoras de jazz da atualidade. Dona de um timbre sutil que, à primeira audição, pode parecer frágil, sua voz tem uma firmeza que faz com que não precise lançar mão de malabarismos melódicos para conquistar ouvidos exigentes e atentos. O que mais me seduz em sua maneira de cantar é a forma como articula as palavras, sílaba a sílaba, característica que sempre me encantou na performance de Frank Sinatra, por exemplo. Com mais de dez discos lançados, apresenta um repertório à prova de qualquer checagem. Perfeito. Canta com desenvoltura, tanto em inglês como em francês. Nos discos mais recentes, tem demonstrado muito interesse pela música brasileira, sobretudo a Bossa Nova e em seu álbum Raconte-moi, com repertório todo em francês, apresentou uma versão sublime de Águas de março.
 
Marcos Valle é um expoente da música brasileira, surgido na esteira da Bossa Nova sem ter se fixado na estética do movimento, já que, ao longo do tempo, foi se deslocando na direção de uma música Pop, com nítida influência norte-americana. Isso não significa, necessariamente, um declínio de qualidade. Embora sejam da fase inicial suas composições de minha preferência, não dá pra negar que as canções com acento Pop como Black is beaultiful, Com mais de trinta e Meu herói tenham grande qualidade. Apesar de a Bossa Nova ter uma meia paternidade do piano de Tom Jobim, foi o violão de João Gilberto, seguido dos de Menescal e Carlos Lyra que ligaram fortemente o movimento a este instrumento. Marcos Valle veio, como parte de uma segunda geração da Bossa, trazer novamente o piano a um lugar de destaque. Seu toque é sutil e minimalista, da mesma forma que sempre fora o de Tom.
 
Nesta altura do texto, alguém pode estranhar o motivo de eu falar de dois personagens tão diferentes. A razão é simples: acaba de sair o CD Marcos Valle & Stacey Kent ao vivo, com a cantora interpretando as canções dele, em sua maioria, versões em inglês. Há uma música em francês (La Petite Valse) e outra (Passa por mim) em que ela se arrisca a cantar em um português bastante convincente, não decorado, já que tem um surpreendente domínio do nosso idioma.
 
A seleção de repertório é bem abrangente, embora focada na fase inicial, com levada de Bossa Nova. Os arranjos também são diversificados, indo desde soluções minimalistas, apenas com piano, até execuções com banda completa. Em todas as faixas, o sax correto de Jim Tomlinson, marido da cantora, está presente. O único pecado foi ela não ter gravado O amor é chama, a canção que mais gosto, de Marcos Valle. Em compensação, as gravações de Samba de Verão e Eu preciso aprender a ser só são preciosas.


Summer Samba (Samba de Verão) - (Marcos e Paulo Sérgio Valle - Norman Guimble)


If you went away (Preciso aprender a ser só) - (Marcos e Paulo Sérgio Valle)


O ouvido argentino para a nossa música

É emblemática a frase do sociólogo Pablo Alabarces, da Universidad de Buenos Aires: “Os brasileiros amam odiar os argentinos, enquanto os argentinos odeiam amar os brasileiros”. De fato, se colocarmos a questão da rivalidade no futebol de lado, é claramente perceptível, em qualquer viagem a Buenos Aires, seja a passeio, seja a negócios, a admiração que as pessoas, na Argentina, nutre pelo nosso país. O inverso já não é tão perceptível. Aliás, é típica a má vontade dos brasileiros, em geral, com o país vizinho, como, de resto, é típica a má vontade dos nossos patrícios com outros povos, como os portugueses, por exemplo, como foi dito pelo escritor Valter Hugo Mãe, no programa Fim de expediente, da CBN, alguns dias atrás.
Mas, voltando aos “hermanos”, até mesmo na questão da carne, item no qual a deles é absolutamente superior que a nossa, mesmo nesse tema, é comum ouvir os argentinos se derreterem em elogios a um corte que não é muito comum por lá, ou seja, a picanha (que em minha opinião, nem é assim tão especial). Mas é, sobretudo na música, que percebemos a maior razão da admiração deles por nós. Enquanto, por aqui, o máximo que se observa é um parco conhecimento do tango, qualquer loja de discos de Buenos Aires, tem, pelo menos, uma uma estante inteira exclusiva para expor CDs dos nossos artistas. Eles, realmente, conhecem nossa música e este conhecimento não se atém somente ao óbvio. É possível encontrar muita coisa que, até por aqui, é raro.
Foi este fenômeno que me levou a comprar o livro Estação Brasil – Conversa com músicosBrasileiros, coletânea de entrevistas com alguns de nossos mais importantes músicos, pela argentina Violeta Weinschelbaum. 
O livro tem dois aspectos bastante interessantes. O primeiro deles é perceber o nível de conhecimento da autora dos detalhes de nossa história musical, sobretudo do movimento tropicalista. O segundo aspecto, mais importante, pra mim, é o fato das entrevistas sempre terem uma condução no sentido de se desvendar aspectos relativos à criação artística dos entrevistados. Em nenhum momento, no livro, encontramos qualquer pergunta a respeito da vida pessoal do músico. Isto, comparado a uma mídia como a nossa, em que a veiculação da fofoca e o culto às celebridades é o que impera, chega a ser uma redenção.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Overdose de cinema

Já falei aqui sobre a dificuldade de assistir a bons filmes nas dezenas de salas de cinema espalhadas pelos inúmeros shopping centers de Campinas. Depois do fechamento do Cine Paradiso, no centro da cidade, só nos restou o Cine Topázio no longínquo e raquítico Shopping Prado para quem gosta de cinema de qualidade.
Neste final de semana não foi diferente. Após avaliar a oferta dos shopping centers mais próximos de casa e perceber (como se já não soubesse) que não havia nada “assistível” nestas salas, dada a enxurrada de blockbusters (agora inventaram esta excrescência de oferecer filmes dublados nos cinemas), resolvi me encher de coragem e encarar a travessia da cidade até o Shopping Prado.
O Cine Topázio, para nossa alegria, oferecia 5 opções bastante interessantes. Fomos no sábado e no domingo, dois filmes em cada dia.
O primeiro a que assistimos foi Os sabores do Palácio, filme francês, delicioso de assistir por causa da língua (falo tanto do idioma quanto do paladar). Trata do trabalho de uma chef de cozinha contratada para cuidar da alimentação do presidente da república, em Paris. Ansiosa em saber quais são os gostos de seu novo patrão, ela se surpreende com a solicitação de que se privilegie a elaboração da comida simples, aquela que era feita pelas nossas avós, na infância. O que surpreende mais, na verdade, é que não se trata de comida fácil ou sem graça. Comida simples pode ser comida elaborada, criativa, difícil e, por isso mesmo, apresentar sabor recompensador.
Embora o filme misture as preocupações gastronômicas com as agruras da convivência com os burocratas do palácio, o que mais me seduziu foi a mensagem de que, seja servindo à mais alta autoridade no país ou a uma turba de trabalhadores na cantina de um local ermo, o serviço deve ser feito com o mesmo esmero e o sabor da comida apresentada deve ser irrepreensível.
O filme aproveita para dar uma cutucada crítica naqueles que priorizam a estética dos pratos ao seu sabor, aos construtores desta culinária que serve muito mais aos olhos do que ao paladar e que desperdiçam o tempo construindo espumas coloridas ou flores de açúcar.
E por falar em flores, Flores Raras foi o filme a que assistimos em seguida. Ele trata da relação amorosa entre a arquiteta brasileira Lota Macedo Soares e a poetisa americana Elisabeth Bishop, no Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960. Com produção cuidadosa, as cenas mostram tanto a cidade do Rio de Janeiro quanto a Serra de Petrópolis como eram naquela época.
Ao lado da questão estética da cidade, que é o principal pano de fundo do filme, há também a referência ao momento histórico em que vivia o país, mostrando a relação próxima de Lota com o político Carlos Lacerda, desde quando ele aspirava ser governador até, depois de eleito, ser deposto e exilado pelo regime cujo golpe de estado, tanto ele quanto ela apoiaram.
Sobre o trabalho dos atores o destaque é para Glória Pires no papel da arquiteta, embora a Lota real tenha sido fisicamente muito menos atraente que a atriz. Outra coisa estranha foi a caracterização de Lacerda que parece, no filme, alguém muito mais leve do que ele era realmente. Independentemente do que se pense a seu respeito, uma coisa que não se pode negar sobre Carlos Lacerda é que ele era uma pessoa intensa.
Intenso é um adjetivo que não se deve utilizar para qualificar o filme uruguaio Tanta Água, o primeiro que vimos no domingo. Um filme, certament, bem difícil de assistir, o que não quer dizer que seja difícil de gostar. Eu, ao menos, gostei. O que chama a atenção é o caráter medíocre da vida real. E uso medíocre com o sentido original do termo, que significa mediano, ordinário, regular. O roteiro trata da vida de pessoas absolutamente comuns, assim como são comuns as coisas todas que acontecem com elas. Neste filme, não acontece nada de anormal, a não ser o fato de 3 familiares, um adulto, uma criança e uma adolescente, estarem viajando em férias no verão. O problema é que, ao chegarem ao seu destino, não para de chover, inviabilizando tudo o que poderia ser feito à guisa de lazer. O que é que tem isso de mais? Nada.
Se é só isso, se ele mostra apenas uma situação corriqueira e absolutamente desprovida de drama ou aventura, pra que assistir a um filme assim? Pois é nesta questão que se encaixa o interesse (ao menos, o meu), porque, apesar dele mostrar um mundo absolutamente regular e normal, ele incomoda. Ele incomoda ao nos mostrar que, talvez, a nossa vida pode estar sendo desperdiçada. Por mostrar que, talvez, trabalhar o dia todo para, no final do dia, comer uma comida básica, informar-se assistindo ao Jornal Nacional e ver algum filme dublado, depois de assistir a alguma novela banal, seja sufocante. O filme incomoda por mostrar que quase todo mundo é igual e que são quase sempre iguais e tacanhas as relações familiares.
São quase sempre iguais as relações familiares e é isso o que nos mostra o filme francês O verão do Skylab. Diferentemente do filme anterior, embora também mostre situações corriqueiras, que todo mundo conhece, o que não falta ao filme é graça. E muita graça, no sentido de ser engraçado e no sentido de ser gracioso. As situações mostradas com esta numerosa família poderiam ocorrer em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo, mas é o fato de ocorrer na década de 1970 que permite que seja ridiculamente engraçado e por situar-se na região francesa da Bretanha que o torna gracioso. A presença das típicas situações envolvendo as grandes famílias, como a comida e bebida fartas (quando não exageradas), a avó meio atrapalhada, o tio meio maluco, as discussões entre cunhados com opiniões contrárias e argumentos absurdos, e as travessuras das crianças. A atuação das crianças, aliás, é o ponto forte do filme, sobretudo a da jovem atriz Lou Alvarez.

Poderia ser mais um entre tantos filmes sobre famílias e suas peripécias, mas o roteiro é tão dinâmico que não dá tempo da gente sossegar. Aliás, tudo é tão ágil que não há momento algum em que tenhamos oportunidade de avaliar se estamos gostando ou não. O cinema poderia ser sempre assim.

domingo, 22 de setembro de 2013

Comendo feijoada em Campinas

Posso dizer, sem chance de equívoco, que feijoada é uma das comidas que eu mais gosto. É um dos pratos mais democráticos que eu conheço, já que, por ter uma quantidade imensa de ingredientes, é difícil encontrar alguém que não goste de nenhum deles.
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Gosto de comer e gosto de fazer em casa. Acontece que feijoada é uma comida que só tem graça fazer pra bastante gente. No mínimo 15 pessoas. E como não é sempre que quero uma multidão à minha volta, eventualmente, pra matar a vontade, temos que recorrer aos restaurantes, que a servem, como é regra e tradição, nos almoços de sábado.
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Em Campinas, eu gostava da feijoada do boteco Seo Pimenta, em Barão Geraldo, servida ao som do bom samba da Velha Arte. O problema é que o boteco pegou fogo e com isso, a cumbuca se foi. Quase em frente ao finado boteco, o Empório do Nono serve uma que não chega a me empolgar.
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Decidimos, então, eu e a Clélia, procurar outras opções na cidade.
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Antes de começar o relato do nosso périplo, vão aí duas informações necessárias:
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Primeramente, nunca encontrei um restaurante que servisse uma feijoada mais gostosa do que a que eu faço. Isso não quer dizer que a minha feijoada é a melhor do mundo. As que minha avó e minha mãe faziam eram melhores que a minha. Deve haver muito boas por aí. Só que eu não consigo encontrar.
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Em segundo lugar, quando vou a restaurantes, prefiro as feijoadas servidas com tudo numa só cumbuca. Não gosto muito daquelas em que cada um dos pertences é servido separadamente. Isso pode até ser prático para que cada um escolha o que mais gosta, mas, assim, perde-se a unidade do prato. Fica cada coisa com um sabor e nenhuma delas com sabor de feijoada.
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Infelizmente, este modo de servir é o que predomina nos restaurantes e botecos hoje em dia. Sendo assim, nos rendemos a esta realidade e provamos feijoada em 3 lugares de Campinas (não no mesmo dia, evidentemente):
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Restaurante Vila Real
Local: Hotel Royal Palm Plaza
Preço: R$ 93,00 por pessoa
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Servida em sistema de buffet, ao som de um trio que toca chorinho e MPB instrumental.  Na ocasião em que nós fomos, contava com a participação de Chiquinho do Pandeiro, o que, por si só, já é garantia de boa música.
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Além do buffet com a feijoada (e mais uns pratos quentes para quem não aprecia a iguaria), há uma mesa de saladas pouco criativa e um balcão em que se servem acarajés. O problema começa justamente aí. O acarajé é absurdamente descaracterizado e, em lugar do vatapá, caruru, camarão seco frito e pimenta, ele é servido com um camarão com creme de leite (ou algo que o valha).  Ainda por cima, os bolinhos de feijão fradinho estavam murchos. Se quiser comer acarajé em Campinas, tem que ir ao restaurante da Tonha.
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Falando da feijoada, propriamente, aconteceu aquilo que eu mais temia. Cada pertence, servido individualmente, parecia ter sido cozido separado, a quilômetros de distância do feijão que, por isso mesmo, não tinha gosto de nada (a não ser de feijão). Colocar no prato um punhado de feijão cozido e alguns pedaços de carne cozidos, não transforma este prato em uma feijoada.
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Se alguma coisa serve de consolo, em termos de comida, o buffet de doces brasileiros é acima do razoável.
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Casa Rio – Bar & Restaurante
Local: Sousas
Preço: R$ 29,00 por pessoa
A Feijoada é acompanhada pelo samba do grupo Canta Brasil, com repertório afiadíssimo. O local apresenta, ainda, a vantagem de servir feijoada, também, aos domingos, excessão à regra.
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Dispostas num buffet mais simples, as carnes são servidas por tipo (e não separadamente). Desta forma, a linguiça e o paio vêm numa mesma cumbuca, o lombo e a costela também estão juntas, assim como orelha e pé. Fiquei com a clara sensação de que todas as carnes foram cozidas juntas e, só depois, separadas para servir. Se for isso mesmo, é fenomenal. Se não for assim, tanto faz, pois o sabor de tudo estava muito bom. Além do mais, há opções no buffet que combinam perfeitamente com o prato, como frango a passarinho, costelinha frita, torresmo e mandioca, que podem funcionar como tira-gosto pra acompanhar o caldinho de feijão.
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O balcão de sobremesas, com doces brasileiros, é bastante autêntico.
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Um único cuidado deve ser tomado. Se não quiser ficar bem no centro da muvuca, com pesoas dançando ao seu redor e música muito alta, inviabilizando a sua conversa, escolha uma mesa um pouco mais distante do palco.
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Choperia Giovannetti
Local: Cambuí
Preço: R$ 53,00 por pessoa
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Servida no salão da belíssima unidade que fica ao lado da prefeitura de Campinas, o diferencial deste restaurante é seu buffet de saladas, extremamente criativo e variado. Além disso, há um terceiro buffet com massas, que não chegamos a provar, mas que pareceu interessante.
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A feijoada, com os pertences em cumbucas separadas, apresenta, apesar disso, um sabor convincente. Couve, farinha, farofa, laranja picada e torresmo compõem, com dignidade, os acompanhamentos. Embora tenha agradado, a lembrança que fica é mesmo do buffet de saladas que, ao lado, oferece, ainda, algumas boas opções de pratos quentes pra quem prefere passar longe do feijão preto. Este buffet é tão bom que, ontem, tendo voltado ao Giovannetti, acabamos declinando da feijoada e nos servimos, além das saladas, de um excelente filé com creme de aspargos, uma lasanha de escarola surpreendente e um risoto de maracujá com gorgonzola delicadíssimo.
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Na casa não há música ao vivo, mas, em compensação, tem um chope Brahma que é, de longe, o melhor da cidade.
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Conclusão:
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Na comparação entre as 3 opções, a que menos gostei foi a do Vila Real. Isso sem falar no preço, que me pareceu extorsivo.
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A minha preferida, considerando o sabor, é, sem dúvida, a da Casa Rio, e também não falo isso influenciado pelo preço, felizmente, o mais baixo dos três.
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Ao Giovannetti, apesar de ter gostado do sabor da feijoada, iremos voltar pelo seu buffet de saladas que me fez levantar várias vezes da mesa em sua direção, passando pela feijoada, sem cair em tentação.
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Como esta busca é infindável, vamos continuar na árdua procura e já estamos planejando conhecer a feijoada do Tonico's Boteco, qualquer sábado destes.