Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 30 de setembro de 2007

Blogueando

Uma das coisas interessantes que a blogosfera nos oferece é a possibilidade de ficar passeando por ela e garimpando novas informações. Passear pelos blogs é descobrir novas pessoas, conhecer novos pontos de vista, argumentar, discutir, brigar até. Isso enriquece. Qualquer diversidade enriquece.

E foi num destes passeios que eu descobri o blog A vida em palavras da baiana Alena Cairo. Um blog com muito tempero, como toda a Bahia.

E foi no blog da Alena que eu descobri o site Apenas Bahia, Apenas Fotografia do também baiano Adenor Gondim. Vou deixar que ele mesmo se apresente:

"Meu nome é Adenor Gondim, sou Brasileiro, Baiano, nasci em Rui Barbosa, estou vivo há 54 anos, há pelo menos uns 30, tento ser fotógrafo, por não estar preocupado em quantos tenho pela frente, vou tentar através desta coisa chamada blog (Apenas Bahia. Apenas Fotografia) compartilhar com você o meu jeito de ver e sentir o povo e as coisas dessa terra chamada BAHIA."


Enfim, é um blog pra alegrar os olhos de todos aqueles que gostam da Bahia. E pra aqueles que não a conhecem, começarem a gostar.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cinema e Literatura

Gosto dos filmes de Fernando Meirelles. Gostei de Domésticas, tanto que até escrevi um texto sobre ele num outro site quando o vi no cinema. O texto sumiu da Net. Gostei de Cidade de Deus, apesar de sua dinâmica padrão global. E gostei de O Jardineiro Fiel, apesar de não gostar do ator Ralph Fiennes. Nos filmes de Meirelles me agrada, justamente, não conseguir reconhecer um estilo de dirigir, uma assinatura. Por isso, acredito que ele seja um dos diretores mais versáteis e criativos da atualidade.

Gosto muito de José Saramago. Gosto de seu estilo e de sua verve. Não li todos os seus livros, mas aqueles que li me agradaram muito. O primeiro foi O Evangelho segundo Jesus Cristo. Ateu como eu, Saramago se arvorou no direito de escrever um evangelho e o fez com uma visão mais humana de Cristo. Por ser o primeiro livro dele que eu lia, custou-me um pouco (bem pouco) acostumar-me com seu estilo desprovido de pontuação. Quando se pega o jeito, qualquer livro seu vira um vício. O que eu mais gosto, de longe, é Ensaio sobre a Cegueira.

E foi por isso mesmo que eu exultei quando soube que Fernando Meirelles iria filmar o Ensaio sobre a cegueira. Mais ainda quando soube que a atriz principal seria Julianne Moore, uma das que mais gosto. O filme será rodado em Toronto, Montevidéu e São Paulo. Aliás, o filme já começou a ser feito e descobri esta semana que é possível acompanhar os detalhes da filmagem. É que Meirelles resolveu fazer um blog relatando o que ocorre no set de filmagem. Para aqueles que gostam de assistir aos extras quando aluga um DVD, poderá ser uma experiência interessante, acompanhar as peripécias dos atores, técnicos e diretor, antes de ver o filme. Tenho certeza que, pelo menos no meu caso, isso só vai aguçar a vontade de vê-lo logo na tela.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Sonhando

Eu quase nunca sonho. Muito raramente. Ou, se sonho, nunca me lembro. A Clélia sonha sempre. Todos os dias. Lembra-se de detalhes e até controla o sonho. Até voa, quando decide.

Eu tenho, entretanto, dois sonhos recorrentes que, aliás, faz tempo que não me assaltam. Um angustiante e outro delicioso.

Sonho que estou nu, dentro de casa, muito tranqüilamente e de repente, por algum motivo eu me vejo trancado pra fora. E assim, nu e exposto a tudo e a todos, inicio uma angustiante corrida pra me esconder e esconder minhas vergonhas. Procuro por todo lado e não consigo encontrar abrigo. Não encontro nunca. O mais intrigante é que, no sonho, ninguém parece se importar com isso. Só mesmo eu sou acometido desta angústia insuportável.


Sonho que estou sozinho numa festa, cheia de gente. Cheia de gente desconhecida. E, de repente, chega à festa, também sozinha, uma mulher maravilhosa. A mulher mais linda que eu já pude ver na vida. E, assim que entra, ela, de longe, olha pra mim e me dirige um sorriso convidativo. Um sorriso oferecido. Um sorriso sobre o qual não pode restar a menor dúvida. E eu passo o sonho todo tentando entender por que é que aquela mulher tão linda, tão maravilhosa, escolheu justamente a mim, entre tantas pessoas, sem que eu tivesse, ao menos, proferido uma só palavra, feito um só gesto. Fico tão intrigado e interessado em entender seus motivos, que não aproveito a oportunidade que o sonho me dá.

Ídolos

Ontem faleceu Roberto Dias. Talvez tenha sido o meu primeiro ídolo. Final dos anos 60, eu não tinha nem dez anos ainda. Descobria-me são-paulino e me encantava ouvir no rádio as partidas em que um São Paulo sofrível conseguia enfrentar o Santos de Pelé e resistir graças a este zagueiro. Mais tarde, nunca mais tive ídolos. O último foi, por certo, Pedro Rocha, que me emocionou, já adolescente. Depois disso, nunca mais. Nem no futebol, nem na música, nem na política. Admirar sim. Idolatrar nunca mais.

O São Paulo venceu o Boca Juniors com a braçadeira do luto. Homenagem a Roberto Dias. Jogador de um tempo em que zagueiros e volantes sabiam jogar futebol.

domingo, 23 de setembro de 2007

Primavera

Nunca me liguei muito fortemente na questão das estações do ano. Vivendo em São Paulo, sempre foi muito tênue qualquer passagem de uma pra outra. As estações se revezavam num mesmo dia.

Desde que nos mudamos pro interior, porém, há uma estação que se impõe autoritariamente quando começa. E faz isso logo no portão da minha casa.

Rebeldia e Lirismo

Por incrível que pareça, a primeira vez que vi este grupo foi no programa Silvio Santos. Eu era menino, nem adolescente ainda. Era a época mais negra da ditadura militar, com Gil e Caetano exilados e Chico Buarque fora do país. Nada que parecesse revolucionário ou questionador tinha chance de aparecer, sobretudo na televisão. E de repente, ver aqueles jovens mal ajambrados, com roupas que não combinavam com nada, cabelos e barbas longas e amarfanhadas ao lado do apresentador todo empertigado, era a maior demonstração de rebeldia que eu já tinha visto. Reunia os baianos Morais, Galvão, Paulinho boca de cantor e Pepeu e a carioca Baby. Tratava-se dos Novos Baianos. Eu não conseguia tirar os olhos da tela. O que mais me impressionava, porém, era a música que eles faziam. Fiquei fascinado.

Seu segundo disco, Acabou Chorare é um verdadeiro clássico. Com uma formação que já havia agregado o baixista Dadi, além de Jorginho, Baixinho e Bolacha, produz um som cheio de influências, das mais autênticas, da música brasileira. A primeira faixa resgata um antigo samba de Assis Valente interpretado de forma deliciosa.



Quando eu ouço a canção Preta Pretinha, lembro-me de meu sogro. Anti-comunista ferrenho, ele considerava o termo “maconheiro”, a ofensa máxima que poderia lançar para uma pessoa. Ele adorava esta música, sem imaginar o que significava a expressão “enquanto corria a barca”. Morreu sem saber. E eu nunca quis lhe contar para não desiludi-lo.



A canção que mais gosto do disco é, provavelmente, a que mais gosto entre todas as que o grupo gravou. Trata-se de Acabou Chorare, de um lirismo impressionante.



Desfeito o grupo, cada um seguiu seu caminho, buscando uma carreira solo. Hoje estão meio sumidos, mas Morais e Baby até fizeram bons discos. Pepeu fez um primeiro disco sensacional, chamado Geração do som e depois enveredou por caminhos cada vez mais comerciais e mais cômodos.

Galvão escreveu um ótimo livro contando a vida do Grupo com histórias deliciosas e explicando seu conceito de vida em comunidade. O livro chama-se Anos 70: Novos e Baianos e é dificílimo de encontrar. Nele, fica evidente a identificação que o grupo teve com a cidade de São Paulo, registrada nos belos versos da canção Sampa, de Caetano Veloso:


Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
mais possível novo
quilombo de Zumbi
e os Novos Baianos passeiam na tua
garoa
e novos baianos te podem curtir numa boa.

sábado, 22 de setembro de 2007

Muita cana


É uma viagem de carro entediante, já que, depois de passar por Limeira, a paisagem que a rodovia Anhanguera nos oferece é imutável. É cana-de-açúcar dos dois lados. E foi assim até chegar em Sertãozinho, pouco depois de Ribeirão Preto. E aí, alguém há de me perguntar: E que diabos você foi fazer nessa cidade?

É que aconteceu lá, nessa semana, a Fenasucro 2007, a feira de negócios do setor sucro-alcooleiro que ocorre anualmente naquela cidade desde 1993. É uma exibição de toda a tecnologia que hoje está disponível para a extração do açúcar e álcool, hoje tão valorizado no mercado mundial.

Você anda pela feira e cheira dinheiro. Este mercado está hiper aquecido e tem muita gente investindo pesado, buscando aumentar a eficiência das usinas e garantir um lugar de destaque nesta festa que se anuncia. O ponto positivo é que toda essa tecnologia tende a diminuir a exigência de trabalho manual no processamento do que se extrai da cana-de-açúcar. Isso é bom, já que esse trabalho, historicamente, sempre foi bastante perigoso e insalubre. Desde a época dos escravos, este trabalho com a cana provoca muitos acidentes nos trabalhadores.

E passear pelos corredores da feira me levou a pensar no mundo em que estamos vivendo.

O lado mais negro do capitalismo tem a ver com a sua incapacidade de promover justiça social, já que o sistema é baseado num modelo que privilegia a competição, possibilitando o sucesso de poucos, em detrimento do bem-estar de toda a população. A derrocada de qualquer outro sistema econômico já testado no mundo faz o senso comum concluir que o capitalismo é o único capaz de se manter em pé. Mesmo que isso seja verdade, o que não é seguro afirmar, não quer dizer que seja o melhor. E certamente não é o mais justo.

O lado bom do capitalismo é a velocidade com que ele promove os avanços tecnológicos. E a vantagem que a tecnologia traz é substituir a necessidade de mão-de-obra braçal por outra mais especializada. Com isso, a tecnologia, tende a corrigir, ao menos parcialmente, o estrago que esse sistema econômico provoca na humanidade. Mas para isso é necessário que haja algum mecanismo que garanta que os benefícios tecnológicos estejam ao alcance de toda coletividade. E esse é um papel que somente o estado pode desempenhar.

É por isso que a faceta mais cruel do sistema capitalista é o liberalismo, que apregoa que todos os desequilíbrios, sejam econômicos, sejam sociais, podem ser resolvidos pelo mercado. Não podem. O mercado tem uma atitude cruel. O mercado enxerga o capitalismo pelo lado mais selvagem que lhe é inerente, buscando maximizar os ganhos da minoria de sucesso em detrimento do bem-estar social da comunidade. O mercado não enxerga o lado social e seria muita ingenuidade esperar isso dele. Quem tem que enxergar isso é o estado. Por isso o estado tem que ser forte. Por isso o estado tem que ser atuante. Pra que educação, saúde e segurança não sejam tratados como produtos. Pra que não aconteça o que está acontecendo hoje. Porque assim, como é hoje, a situação fica insustentável. E pra suportar, só com muita cana. Na cabeça.

sábado, 15 de setembro de 2007

Erotismo & pornografia

A primeira coisa interessante com que se depara ao ler o livro Intimidades, organizado por Luisa Coelho, é uma comparação entre erotismo e pornografia.

Ela começa sua análise reconhecendo que estas definições têm variado ao longo do tempo, de acordo com a ideologia de quem as profere e com o contexto em que elas estão inseridas. Sem nenhuma análise de juízo moralizante, conceitua a pornografia como um discurso em que a descrição do corpo nu ou a utilização de suas partes no exercício do ato sexual é feita com o único objetivo de produzir a excitação de uma pessoa. O discurso pornográfico torna o ato sexual transparente, em que o sexo surge sem relação com o sujeito. O discurso pornográfico, segundo ela, apresenta uma sexualidade sem mistério, sem intimidade.

Já o erotismo trabalha as diferentes formas dos mitos e fantasmas dos seres humanos. É um discurso que encara a sexualidade como não sendo apenas confinada ao sexo, mas envolvendo uma história, onde se inscrevem as relações que se estabelecem entre o desejo e o interdito, o encontro e o desencontro, o prazer e a dor, o sonho e a realidade, o amor e a morte.

Apesar de concordar, de forma geral, com essas definições, eu tendo a não supervalorizar o erotismo em detrimento da pornografia. Na verdade, não tenho nada contra a pornografia. Acredito que, enquanto qualquer manifestação artística de erotismo tenha a capacidade de nos proporcionar prazer, uma obra pornográfica pode também alcançar esta façanha. Por sua típica pobreza de enredo e de substância, qualquer manifestação de pornografia acaba exigindo muito mais criatividade para extrair alguma satisfação consistente. E é justamente aí que pode residir uma fonte, ainda que indireta, de prazer. Pois neste caso, ao invés do prazer que obtemos ao ler um texto erótico, a história que nós mesmos criamos, a partir de um objeto pornográfico (seja ele um filme, uma foto de revista, um conto) é que vai nos propiciar esta sensação. E o prazer de estar criando esta história, isso por si só, já nos satisfaz.

Satisfação, aliás, é o que pode ser conseguido com qualquer obra de arte, erótica ou não. O prazer se manifesta de muitas maneiras. E, apesar de reconhecer muitas outras funções da arte, é a geração de prazer aquela que mais me toca. É a mais básica.

Foram as revistinhas de Carlos Zéfiro (os chamados catecismos) que forjaram a sexualidade da minha geração. Na época, eram absolutamente proibidas e consideradas maleficamente pornográficas. Seu autor as publicava num esquema de completa clandestinidade, temeroso de ser descoberto e sofrer os rigores da lei. Mais tarde, muito mais tarde, descobriu-se que se tratava de Alcides Caminha, um funcionário público carioca, parceiro de Nelson Cavaquinho em dois ou três ótimos sambas. Hoje, estas revistas são consideradas obras de um universo cult. Hoje, são objetos de arte erótica. Tudo muda. Muda com o tempo, muda como as pessoas mudam.

Voltando a falar do livro, ele tem a interessante característica de reunir contos eróticos escritos apenas por mulheres. Escritoras brasileiras e portuguesas. E aí, podemos nos deparar com a maneira com que as mulheres escrevem erotismo. É diferente da dos homens. E as mulheres portuguesas escrevem de maneira diferente das brasileiras. Toda diferença enriquece. Viva a diversidade!

domingo, 9 de setembro de 2007

Cão medroso

No final do mês passado foi lançado o livro Direito à memória e à verdade, no qual, o Estado Brasileiro relata, oficialmente, os crimes e torturas praticados pela ditadura militar. Não vi ainda o livro, já que a primeira edição, com 5 mil exemplares, será distribuída a comissões de familiares, centros de pesquisa, imprensa, parlamentares e bibliotecas públicas. Entretanto, uma versão eletrônica da publicação já está disponível nas páginas da Secretaria Especial dos Direitos Humanos e na do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

O que me chamou à atenção, na verdade, foi a diferente abordagem que duas revistas semanais deram à notícia do lançamento.

Enquanto a Carta Capital noticia o lançamento, mostrando a postura firme do governo e também as reações contrárias (Jarbas Passarinho) ou neutras (Delfim Netto), a Revista Veja aborda o fato, alertando para os perigos do revanchismo. A reportagem da maior revista semanal de notícias do Brasil, admite, timidamente, a correção com que os fatos são narrados no livro, mas ressalta, de forma covarde, o quanto essa iniciativa pode melindrar setores das forças armadas, descontentes com a total abertura dos arquivos da ditadura. Mais adiante, o texto de Veja abandona o tom de covardia para, aí sim, adotar um discurso revanchista, ao dizer que “o livro descreve em detalhes a selvageria que se instalou nos porões da ditadura contra os militantes de esquerda – boa parte, nunca é demais repetir, disposta a qualquer coisa para instalar uma ditadura comunista igualmente sangrenta no país”.

Com isso, a revista tenta, na prática, justificar, por exemplo, o comprovado hábito de decapitar os guerrilheiros do Araguaia. Ela se posiciona como se entre as duas facções em luta, não houvesse uma que era constituída pelo Estado Brasileiro, e que deveria, portanto, seguir a lei. Ela se esquece que, num governo democrático, o Estado deve combater aqueles que desrespeitam a lei, utilizando apenas artifícios e ferramentas absolutamente legais.

O governo da época não era democrático. Não havia se constituído através de um processo legal. O governo, à época, era o resultado de um infame golpe de estado que contou com o apoio das mais retrógradas parcelas da nossa sociedade. Nem por isso, entretanto, podemos admitir que se permita que a história fique escondida debaixo da cama, como um cão medroso.

Piracicaba

Ontem, fomos pra Piracicaba, visitar o 34° salão de Humor. Pra ser sincero, fiquei um pouco decepcionado. Não sei por que, esperava uma coisa mais grandiosa, menos singela. No fim, percebi que era assim mesmo que tinha de ser e valeu a pena. O mais legal foi ver os painéis com as fotos das edições passadas, desde 1974. Desde o lançamento, o salão teve a participação de gente muito importante do mundo do desenho, como Millôr Fenandes, Ziraldo, Jaguar, Henfil, Luis Fernando Veríssimo, os irmãos Caruzo, etc. Interessante lembrar como era fazer humor em plena vigência da ditadura militar.

Das obras premiadas este ano, a que mais gostei foi esta:



E depois, pra aproveitar a viagem, fomos comer um peixe no Dezoito's. Isso, aliás, sempre vale a pena.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Bossa & Jazz

Antes da Bossa Nova, a música brasileira que tocava no rádio era mais triste. Não era pior. Longe disso. Eram ótimos os tangos, polcas, boleros e sambas cantados por Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves ou Cauby Peixoto. Só que era uma música mais dramática. A Bossa Nova surgiu pra reagir a essa dramaticidade. E a reação, na verdade, veio até um pouco antes. Gente como Dick Farney, Lúcio Alves ou Johnny Alf, estava enjoada daquela coisa de “ninguém me ama, ninguém me quer”. Eles queriam algo diferente, algo mais moderno. E o que havia de mais moderno, na época, vinha dos Estados Unidos. Vinha nas vozes de Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan, e nas canções de Cole Porter, Irving Berlin ou os irmãos Gershwin. A modernidade vinha, sobretudo, na voz de Frank Sinatra.

Foi no início dos anos 1950, pouquinho antes do surgimento da Bossa Nova, que foi fundado, no Rio de Janeiro, o Sinatra-Farney Fã Clube. Presidido pelo diretor de cinema Carlos Manga, reunia músicos e aspirantes em torno deste tipo de música. Tinha carteirinha e tudo. E entre os que o freqüentavam, dois músicos bem jovens: João Donato e Paulo Moura.

50 anos depois, numa festa na casa de Manga, surgiu a idéia de juntar estes dois esplêndidos músicos num CD, com o repertório das canções que se tocava no clube. E pra homenagear o anfitrião, batizou-se o disco de Dois panos para Manga.

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Donato e Moura têm muito em comum. Mas a principal característica de ambos é a extrema criatividade, seja nos arranjos, nas composições, nos improvisos. E este disco nos brinda com essa união. Uma feliz combinação. Piano e clarinete. Preto e branco. Bossa Nova e jazz. As músicas foram gravadas de forma tão simples e natural, que parece até um descompromissado sarau na sala de casa. Uma delícia de se ouvir.

Um detalhe à parte é o caprichado encarte, onde, em meio a fotos tiradas no tradicional hotel Copacabana Palace, somos presenteados com a transcrição de uma deliciosa conversa entre os dois. Enfim, um disco para ler e ouvir. E se deliciar.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Porto Alegre

Porto Alegre é um grande mistério pra mim. É que, apesar de viajar com alguma freqüência pra lá, raramente os meus compromissos são na capital gaúcha. A grande maioria dos clientes que visito ficam nas cidades próximas, como Canoas, Gravataí, Sapucaia ou Novo Hamburgo. Ou então, acabo indo pra Caxias do Sul, na Serra. E como a filial da empresa fica em São Leopoldo, é sempre naquela cidade (bem simpática, aliás) que me hospedo.

E desta vez não foi diferente. Cheguei ontem à noite e depois de uma rápida reunião, rumamos para São Leopoldo. Jantar e dormir. Hoje, logo cedo, fui pra cidade de Charqueadas, onde fiquei o dia todo, indo direto, de lá, para o aeroporto.

Programa meio besta, este, não é? Até seria, se não fosse o jantar de ontem.

Avesso que sempre sou a comer pizza fora de São Paulo, acabei capitulando e, surpreso, tenho que admitir que, nesta questão, há vida fora das divisas paulistas. E a agradável surpresa foi a pizzaria Bucadisantantonio, em São Leopoldo. A pizza de lá é, de fato, bastante razoável. Boa até, eu diria. Só não consigo entender essa detestável mania, dos gaúchos, de colocar catchup na pizza. Em São Paulo isso dá mandado de pisão preventiva. Tá no código penal.

Mais interessante que a pizza, entretanto, foi ficar conversando com seu proprietário, Sandro Cassel, até quase uma da manhã. Sandro é daqueles gaúchos super extrovertidos, espaçosos, engraçados, sempre cheio de histórias. Gremista, sobretudo. Anti-colorado, acima de tudo.

Eu, que já lera e já ouvira falar, muitas vezes, da tradicional rivalidade entre gremistas e colorados, tive a medida exata desta peleja conversando com ele. É uma coisa que foge do convencional. É algo surrealista esta rixa. Mas, apesar de todo discurso, não senti em suas palavras, nada que remetesse ao clima amargo de violência que temos aqui em São Paulo. Estou seguro que este clima há, também nos pampas, mas não é o caso de Sandro. A rivalidade é ferrenha, é séria mesmo, mas é absolutamente divertida. É ótimo ouvi-lo contando, apaixonado, as histórias de cada partida, de cada campanha do Grêmio. É delicioso ouvi-lo descrever suas artimanhas para garantir que todas os jovens da família não trilhem o “mau caminho”, optando pelo lado errado. É emblemático ouvi-lo revelar que na sua família, “ainda não perdeu nenhuma criança”.

Enfim, uma viagem que se prometia burocraticamente enfadonha, revelou-se encantadora.

Mas continuo não conhecendo Porto Alegre.

sábado, 1 de setembro de 2007

Salvador

Sempre que vou a Salvador tenho muito pouco tempo pra aproveitar a cidade. E desta vez não foi diferente. Cheguei na madrugada de terça pra quarta e na quinta bem cedinho, já estava de novo no aeroporto pegando o vôo de volta. A única coisa que sempre dá pra fazer é comer alguma iguaria baiana, deliciosa. E vai acontecer a mesma coisa na semana que vem. Segunda feira, à noite, vou pra Porto Alegre e na terça à tarde já estou voltando.

Já virou uma tradição jantar no restaurante Yemanjá, onde se come o melhor bobó de camarão que minhas papilas gustativas tiveram oportunidade de experimentar. O local é meio direcionado aos turistas, o que, em geral me incomoda um pouco, mas a comida é tão especial que eu relevo este fato.

Uma excelente opção no almoço é o restaurante A Porteira. É um daqueles restaurantes que servem de tudo, de massas a comida japonesa, passando por frutos do mar e comida sertaneja, tudo servido num bufê. Neste tipo de restaurante, em geral, nada do que se serve é especial. Em A Porteira, entretanto, ocorre o fenômeno raro de cada comida provada ser extremamente bem preparada e deliciosa, como se você estivesse em vários restaurantes especializados. O ponto alto é a excelente carne de sol com paçoca. Me fartei.

Em tão pouco tempo, seria impossível encaixar algum evento gastronômico entre estes dois programas. Nada é impossível pra mim, porém, em se tratando de comida boa. Sendo assim, consegui um jeito de saborear o acarajé da barraca da Cira, no Rio Vermelho. É algo absolutamente inenarrável e imperdível. Eu não me perdoaria se tivesse deixado isso de lado. Cometi a insanidade de pedir uma pitada extra de pimenta no meu. Apesar de ter ficado com a boca em chamas, não me arrependi. Acarajé sem pimenta é como samba sem batucada: também é bom, mas fica sempre aquela sensação de que falta alguma coisa.

Só mais um comentário: É um pecado que tenha sido fechado o restaurante Casquinha de Siri. O Casquinha era um dos lugares mais democráticos que eu conheci. Conviviam, no mesmo ambiente, ruidoso e barulhento, personagens dos mais diversos tipos. Tinha de tudo. Turistas gringos e vermelhos de alegria, famílias inteiras com direito a avós e crianças e uma infinidade de putinhas, daquelas mais baratas e, por isso mesmo, das mais autênticas. Todo mundo convivendo pacificamente, como deveria ser no planeta inteiro. Provavelmente, o fechamento do lugar foi iniciativa de algum desses falsos moralistas, a quem a alegria alheia causa azia.