Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Bolacha Refinada

Deve ser a idade, mas o que tenho sentido é que estou ficando cada vez mais sectário quando o assunto é música. Sempre fui bastante eclético a esse respeito, embora nunca tenha sido muito tolerante com música ruim ou excessivamente comercial. Gosto muito de jazz, de música popular brasileira e até mesmo de rock cheguei a gostar, de alguma coisa em alguma época. Gosto de música caipira e de quase todas as manifestações regionais brasileiras. Mas, há muito tempo tem sido o samba, o samba autêntico, o samba verdadeiro, a única forma de música que me emociona. E isso pode ser identificado no meu interesse nas lojas e nos sites da internet que permitem baixar discos completos.

Cada vez mais, só os discos de samba chamam a minha atenção. E é com grande interesse e avidez que eu fico garimpando páginas e prateleiras, a procura de novos cantores e grupos que cantem os sambas mais refinados, mais tradicionais, daqueles compositores mais importantes. Fujo, é claro, dos grupos de pagode e daqueles artistas que se aproveitam do samba como se fosse uma onda, um modismo ou uma oportunidade para se tornarem famosos.

E foi assim, garimpando, que encontrei o álbum duplo O Samba Informal de Mauro Duarte.

Mauro Duarte, o Bolacha, é daqueles sambistas pouco conhecidos pelo grande público, o que não lhe empresta nenhum demérito, muito pelo contrário. Mas, até mesmo o grande público conhece muitos de seus sambas como Canto das 3 raças ou Menino Deus, imortalizados na voz de Clara Nunes. Quem é do samba, entretanto, do samba verdadeiro, sabe muito bem quem foi este sambista e sabe, verdadeiramente, da sua importância para nossa música. Um compositor intuitivo, conhecedor dos segredos e atalhos necessários pra se compor um grande samba.

Neste disco, Cristina Buarque, sempre ciosa do que é culturalmente relevante, ao lado do grupo Samba de Fato, nos oferece 30 sambas muito pouco conhecidos deste grande compositor. São sambas raros, até mesmo pra quem é do ramo. São sambas garimpados à custa de muita pesquisa, muita conversa de botequim, muita persistência. Mais da metade destas músicas estavam inéditas e dez delas estavam incompletas. Coube a Paulo César Pinheiro, seu parceiro mais constante, a tarefa de completá-las. E não fez isso apenas colocando a letra (como se isso fosse pouco!), mas também, completando as melodias, já que, destes sambas, só haviam fragmentos, alguns gravados em fitas cassete, outros na memória de amigos.
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O samba de fato é um grupo formado por Pedro Miranda, componente do Grupo Semente, que acompanha desde sempre a cantora Tereza Cristina e por Alfredo Del-Penho que, junto com Pedro Paulo Malta, formam a dupla Dois Bicudos. Além deles, temos ainda Paulino Dias e Pedro Amorim. E como se isso não bastasse, o disco ainda conta com as participações de Paulo César Pinheiro e Elton Medeiros, cantando em algumas faixas.
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Um disco como este me deixa nas nuvens. É como um bálsamo, um orgasmo, um alívio. Alívio por perceber que o mundo não está perdido, que a vida pode, ainda, nos presentear com coisas belas, que o samba está cada vez mais forte e vigoroso. Um disco como este me alivia, pois justifica o meu sectarismo.

domingo, 18 de maio de 2008

Um príncipe, um plebeu e uma cidade

O que mais gosto e admiro no jornalista Ruy Castro é o método incansavelmente investigativo que ele utiliza para escrever seus livros, sejam as biografias, sejam os textos sobre música. Até já escrevi sobre ele num ou noutro texto deste blog. Nunca tinha lido, porém, algum livro de ficção escrito por ele. Embora não esperasse nada que fosse ruim, acabei ficando positivamente surpreso ao ler Era no tempo do rei.

Trata-se de um daqueles livros que misturam figuras e acontecimentos reais com personagens e fatos inventados. Muitos se atrevem a utilizar esta fórmula, mas isso não é uma coisa tão fácil de fazer. Rubem Fonseca obteve um ótimo resultado quando escreveu Agosto. Jô Soares, em seus livros, alcançou um resultado medíocre. É uma empreitada para poucos.

Apesar dos riscos, ou até mesmo devido a eles, Ruy Castro resolveu construir uma história de ficção envolvendo D. Pedro I, aos doze anos, e um menino das ruas do Rio de Janeiro, da mesma idade. Misturando expoentes da corte portuguesa com personagens mundanos da cidade maravilhosa, o livro destila um sem par de aventuras pelas ruas e vielas da cidade, protagonizadas pelos dois meninos. O texto é rápido e ágil e prende a atenção do leitor, do começo ao fim. Uma leitura leve e divertida, que não te permite desgrudar os olhos do livro. São 250 páginas que se lêem em poucas horas.

Mais do que por qualquer personagem, Ruy Castro é um confesso apaixonado pela cidade do Rio. O fato de ter nascido mineiro, na cidade de Caratinga, é considerado por ele um acidente de percurso. Como ele mesmo sempre diz: “Sou tão mineiro quanto o Milton Nascimento é carioca”. E é devido a esta paixão pela cidade que o Rio é, no livro, um dos principais personagens. Em sua última página, aliás, depois de terminada a história, ele nos fornece uma tabela com a correspondência entre os nomes de lugares e ruas citados no livro e os nomes destas mesmas localidades nos dias de hoje. Pena que eu não conheça tão bem a geografia da cidade. Se a conhecesse, extrairia muito mais prazer desta leitura, tenho certeza.

Dom Pedro I sempre foi meu personagem favorito na história do Brasil. Embora seu filho tenha sido muito mais admirável, os traços do primeiro imperador, mulherengo, fanfarrão, até mesmo canalha, sempre me fascinaram mais. E isso, certamente, ajudou para que eu gostasse do livro. Tanto que, assim que o terminei, fui correndo até a estante e já iniciei a leitura de sua biografia, escrita pela historiadora cearense Isabel Lustosa. E a leitura está sendo tão prazerosa quanto a anterior.


Mas este é um assunto para depois.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Os Estados Unidos

O ponto de partida do livro História dos Estados Unidos – das origens ao século XXI é uma pesquisa informal realizada pelo jornalista americano Mark Hertsgaard, especializado em questões ambientais, a respeito do que as pessoas pensam sobre seu país. Ele fez esta pesquisa entrevistando pessoas comuns na África, Ásia e Europa. O resultado foi a constatação de que, no resto do mundo, as pessoas têm opiniões muito contundentes, mas contraditórias sobre os Estados Unidos. As pessoas adoram ou odeiam aquele país. Ao enumerar o que os estrangeiros pensam sobre Os Estados Unidos, ele nos mostra uma lista em que os entrevistados creditam aos norte-americanos a maioria das coisas boas e das coisas ruins que acontecem no mundo.

Partindo disso, o livro coloca questões difíceis de responder, a respeito da religiosidade, moralismo, cultura de massas, política e ideologia dos americanos. Para tentar responder a essas questões, os quatro historiadores responsáveis pela redação do texto indicam a análise da história daquele país, desde o período da colonização até os dias de hoje. Seria pretensioso contar a história de um país, sobretudo dos Estados Unidos, num livro de apenas 280 páginas. Mas nem é esta a intenção do trabalho. Tanto que, para quem quiser se aprofundar no tema, eles dão, no final do livro, uma consistente relação de obras a respeito do assunto.

O maior mérito do livro, em minha opinião, é desmistificar alguns fatos e personagens da história americana. Muita gente, sobretudo no Brasil, gosta de dizer que, se tivéssemos sido colonizados pelos ingleses ao invés dos portugueses, seríamos o que os Estados Unidos são hoje. Ninguém diz que, se isto tivesse ocorrido, seríamos como a Índia, ou a Guiana. E é justamente esta, a primeira tese que o livro desmente. Ele mostra as diferenças entre as colonizações, quanto à organização (muito mais efetiva, no caso dos portugueses) e os seus objetivos. E continua desmistificando. Mostra a Guerra da Secessão com a real motivação de ambos os lados. Desmente aquela idéia de que os nortistas seriam mais “bonzinhos” e defendiam os escravos negros. Através de análises de textos da época, fica evidente que os interesses do norte industrializado era meramente econômico e que os nortistas desejavam criar uma massa consumidora para os bens lá produzidos, mesmo achando que os negros eram “inferiores” como seres humanos. Esta era, inclusive, a opinião de Abraham Lincoln.

Quando trata da participação dos Estados Unidos na segunda Guerra Mundial, ressalta o fato de que enquanto enviava tropas para lutar no Japão, o governo americano negava sistematicamente refúgio aos judeus que eram perseguidos na Europa. Não deixa de citar, aliás, a decisão americana de bombardear Hiroxima e Nagasaki, uma atitude, em todos os sentidos, mais cruel que os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

E nesta toada, todos os fatos e personagens relevantes daquele país são analisados com muita correção, sempre desmistificando tudo. A guerra do Vietnã, os governos Kennedy e Reagan, o bloqueio a Cuba e tudo o mais. Destrincha o american way of life e ressalta a importância do movimento negro. Mostra, aliás, como os movimentos negro e feminista, têm sido importantes para a formação daquela sociedade.

Um dos aspectos que o livro não deixa de lado, é a importância que nós, brasileiros, damos à opinião que os americanos têm a respeito do Brasil. É interessante perceber que, em geral, criticamos os americanos acusando-os de não saber qual é a capital de nosso país, mas quantos brasileiros, mesmo os da classe média e alta, sabem qual é a capital de Angola, Congo, Equador, Canadá ou Hungria? Ou será que nós pensamos que somos mais importantes do que qualquer um destes países? Por que é que exigimos que os americanos se interessem pelo Brasil se nós não nos interessamos pela maioria dos países de todos os continentes?

É um livro que nos mostra o melhor caminho pra encarar a característica de um país e um povo estrangeiro, que é buscar conhecer suas origens.