Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Negando o passado

Foi impossível sair do cinema, após assistir Lore, de Cate Shortland sem me lembrar de outro filme alemão, A Cidade sem Passado, de 1990, que mostrava o quanto uma cidade alemã, 25 anos depois do fim da Segunda Guerra, fazia questão de se esquecer do que ocorrera no país durante o Holocausto Nazista. Era como se nada tivesse acontecido, como se ninguém soubesse, à época, o que se passava no país. E este filme de 2013 mostra, exatamente, o início deste processo de negação por parte da população da Alemanha.
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Com a ocupação das cidades alemãs pelos exércitos aliados, começam a surgir as fotos dos campos de concentração e a reação geral é de incredulidade, de alegada surpresa, como se fosse propaganda do inimigo conquistador, como se os corpos amontoados fossem de atores magérrimos, contratados para posar como modelos.
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O filme é muito tenso, do início ao fim, e mostra o quanto a espécie humana pode ser egoísta quando se trata de livrar a própria pele. E como o mesmo indivíduo que não se importou com o que se passava com o vizinho judeu, diferente dele, não se importa com o que se passa com um alemão próximo a ele, igual a ele, seja homem, mulher, velho ou criança.
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O filme difere das centenas de histórias de guerra já produzidas pelo cinema (principalmente o americano) no fato de que as vítimas, agora, não são os judeus (ou os homosexuais ou os comunistas) perseguidos pelos nazistas e sim um grupo de crianças alemãs, filhos de nazistas fugitivos, que sofrem as agruras no país destruído. E, com isso, mostra que a capacidade do ser humano de impingir a dor e o sofrimento a um semelhante seu, como ocorreu com os nazistas aos judeus e com os judeus aos palestinos, não é característica de uma parcela da espécie, mas dela como um todo.
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Apesar de provocar muita reflexão, o filme é extremamente deprimente, assim como a realidade. Dá vontade até de negar o passado.
 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sexo tratado com beleza e elegância

Para minha surpresa, no fim de semana passado, havia mais de 5 filmes em exibição em Campinas que me interessavam assistir. Escolhemos um para o sábado e outro para o domingo. O critério da escolha obedeceu, exclusivamente, à questão do horário, mas, outra surpresa, resultou em 2 filmes com muitas coisas em comum. Ambos eram falados em francês, os dois tratavam de experimentações da adolescência, tinham atrizes belíssimas e, principalmente, a temática central era o sexo. Mais do que isso, nos dois casos, tratavam de sexo não convencional, ao menos na visão da maioria das pessoas.
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Jovem e bela é um filme de François Ozon cuja personagem se inicia na prostituição aos 17 anos. Sua motivação não é a necessidade de dinheiro, que ela acumula sem gastar um centavo. Tampouco é a libido que lhe motiva, já que o que a impele é menos a expectativa do prazer que possa experimentar com cada cliente e mais a ansiedade provocada pelo desconhecido, previamente, a cada encontro. Apesar da nudez da atriz Marine Vacth, de 23 anos, de extrema beleza, o que mais me seduziu no filme não foram as cenas de sexo e sim o comportamento da personagem, principalmente no que se refere ao seu relacionamento com as outras pessoas. A personagem era tão inexpressiva que fica a grande dúvida se esta é uma característica própria da atriz ou se ela é tão competente em seu ofício, que sua capacidade de convencimento seja extrema. Seja qual for a razão, a escolha de Marine Vacth foi muito acertada.
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O filme do domingo foi Azul é a cor mais quente, dirigido por Abdellatif Kechiche, que trata da relação entre uma adolescente e uma estudante de artes plásticas, alguns anos mais velha. Vencedor da Palma de Ouro deste ano, o filme foi lançado no Brasil na esteira de algumas polêmicas, entre as quais, a acusação de tirania, imputada ao diretor, devido ao seu nível de exigência nas filmagens. Outros dois aspectos, muito comentados na mídia, são a duração de 3 horas, bastante acima do convencional, e uma cena de sexo entre as duas, de mais de 7 minutos, feita com extremo realismo. Reconheço que a cena é, realmente, de tirar o fôlego, muito menos pela excitação que possa causar no expectador e mais devivo a um certo desconforto que a cena realmente provoca. O filme, entretanto, longe de ser uma obra erótica ou pornográfica, trata do quanto é complicado lidar com a questão das relações amorosas nesta época da vida de qualquer um. Desta forma, o fato desta relação acontecer entre pessoas do mesmo sexo acaba tendo uma importância secundária. Outro ponto a se ressaltar é a estonteante beleza da atriz Adèle Exarchopoulos, de 19 anos, que nos é insessantemente mostrada na tela, o tempo todo. É, realmente, uma overdose de beleza.
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A conclusão do fim de semana é que é possível fazer filmes sobre sexo (e não de sexo), com beleza e elegância e, ainda, nos provocar reflexões profundas.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Filho de peixe

Sou obrigado a confessar que sempre tive má vontade para ler o que escrevia Antonio Prata. O principal motivo era o fato de ele escrever na revista Capricho para um público adolescente, na época em que a Cecília fazia parte deste público. A outra razão é o fato dele ser filho de Mário Prata, um escritor de quem eu gosto muito de ler as crônicas. E, nesse caso, aliado à má vontade, há o preconceito de pensar que a carreira do filho possa estar atrelada ao reconhecimento que tem o pai e, com isso, as portas das editoras se abrirem mais facilmente.
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Por felicidade, tenho a consiência de que todo e qualquer preconceito é fruto de ignorância e, embora isso não possa evitar que os tenha (como todos nós), essa consciência foi capaz de permitir que eu folheasse o livro Meio Intelectual, Meio de Esquerda, certa tarde de um sábado em que eu estava à toa na livraria da Vila em Campinas. Comecei a ler as crônicas e fui tomado de assalto ao perceber como seu texto é ágil, divertido e inteligente.  Não posso negar que fui seduzido, também, pelo título do livro, expressão tirada de um dos textos, chamado Bar ruim é lindo, bicho.
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A maior parte do livro é composta de textos publicados no Estadão entre 2004 e 2010. Li, praticamente, num dia, numa viagem entre Campinas e Belo Horizonte, metade na ida, metade na volta. Cada texto me fazia querer ler mais e, conforme o livro terminava, ia sentindo certa angústia de perceber que iria acabar e por saber que eu não tenho a menor intenção de começar a ler o Estadão, onde nem mesmo sei se ele ainda escreve. Esta sensação arrefeceu, um pouco, quando cheguei em casa e ao comentar sobre isso, a Clélia me mostrou que temos outros 3 livros dele, comprados por ela, o que eu nem sabia. Deu pra respirar aliviado por dois motivos: vou poder ler mais coisas de Antonio Prata e fica reforçada a minha convicção de que todo preconceito é sinônimo de burrice.

sábado, 7 de dezembro de 2013

A Pausa do Tempo

Este meu blog já foi muito mais ativo. Comecei a escrever há 7 anos e, naquela época, postava quase um texto por dia. Era uma febre, uma compulsão, vício movido por desejo, nunca por obrigação. Aos poucos a frequência foi diminuindo, revelando queda na ansiedade, mas mantendo um ritmo muito alto, ainda. Era uma época em que eu tinha a paixão por escrever, quase todo dia.
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Sem que eu percebesse, a frequência foi baixando e, de repente, sem que nenhuma decisão fosse tomada neste sentido, o blog ficou inativo por mais de 2 anos. Foi um período em que senti muito mais necessidade de ler do que de escrever. Tenho voltado, agora, lentamente, com pouco mais de 2 textos em cada mês e quando releio os antigos, reconheço neles a carga de paixão que não percebo nos atuais.
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Das épocas remotas, também, eu frequentava diversos outros blogs, de onde me alimentava. Percebi o mesmo fenômeno na maioria deles, coincidindo, inclusive, as épocas de maior atividade e de diminuição de fôlego. Alguns já nem existem mais.
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Um dos blogs cuja visita me dava mais prazer era A Pausa do Tempo, da jornalista e agente literária Valéria Martins. O que sempre me seduziu em seu texto é a leveza com que ela lida com as palavras, como se estivesse conversando com o leitor e como se nesta conversa sempre houvesse uma pitada de poesia. Sua principal característica é a generosidade com que nos oferece suas palavras. A coincidência de interesse por alguns temas como o amor e a literatura, sempre me fez buscar, neste blog, o incentivo para escrever mais.  
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Foi  por tudo isso que fiquei muito animado ao saber do lançamento do livro A Pausa doTempo, com textos selecionados do blog homônimo, pela editora Jaguatirica. Assim que consegui comprar meu exemplar, mergulhei de cabeça na leitura e, embora reconhecesse alguns dos textos, relê-los não me provocou sensação de estar lendo algo de novo e, sim, a sensação de estar lendo algo novo. Comprar o livro, aqui em Campinas, não foi uma tarefa muito fácil, já que a Jaguatirica é uma editora pequena e, como a própria Valéria me explicou, as grandes livrarias não dão a mínima para as pequenas editoras. De qualquer forma, depois de procurar na Saraiva e na Livraria da Vila (na FNAC eu nem procurei, pois aquilo virou uma loja de eletrodomésticos!), consegui encomendá-lo na Livraria Cultura.
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Enfim, ler o livro, me deu o mesmo prazer que eu tinha quando acompanhava o blog com frequência e confirmou o que eu já sentia naquela época, ou seja, Valéria Martins escreve do jeito que eu gostaria de saber escrever.

domingo, 1 de dezembro de 2013

The Voice Brazil

Antigamente, no Brasil, os programas de calouros eram a forma mais comum de um cantor aparecer e se tornar conhecido. Era, praticamente, a única maneira de um artista ter a chance de gravar um disco. Estávamos na era do rádio e cada estação tinha o seu, sendo os mais famosos o Programa César de Alencar e Calouros em Desfile, de Ary Barroso. Nos primeiros anos da televisão, tudo que passava na tela era o que já existia no rádio, adaptado ao novo veículo e a fórmula dos shows de calouros foi, também, exportada, sendo a Buzina do Chacrinha, seu melhor exemplo. Isso, aliás, multiplicou em muito a popularidade de seu apresentador quando passou para o tubo de raios catódicos. E como ele dizia que em televisão nada se cria, tudo se copia, rapidamente vieram outros, de muito sucesso como o de Silvio Santos e de Flávio Cavalcante e outros com sucesso mediano, como o do Bolinha ou Raul Gil. E este, pelo que sei, continua na tela de LED até hoje.
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Mas hoje, mesmo, o que temos de mais parecido com aquilo talvez seja o programa The Voice Brasil, produzido pela Rede Globo. Confirmando a frase do Velho Guerreiro, é uma cópia do homônimo produzido nos Estados Unidos. Pode ser parecido com os velhos programas de calouro, mas não é a mesma coisa.
 
Nos de antigamente, o candidato tinha o seu sucesso (ou seu fracasso), dependente apenas de sua voz. Vinha com uma roupinha simples, era acompanhado por um conjunto de música bem básico, quase chinfrim, sem nenhum arranjo rebuscado e tinha que cantar, ali, parado, à frente do microfone.
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No The voice, o que mais conta é a perfumaria. É a roupa moderninha, é o arranjo rebuscado, é o berro e a firula. Sim, porque, contrariando o título do programa, usa-se muito mais o grito do que a voz. Chega a ser irritante. Parece um concurso pra se saber quem berra mais. Berra-se com afinação, berra-se com ritmo, mas berra-se. Parece ser este o principal critério de escolha dos jurados (que agora chamam-se técnicos).
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Assistindo ao programa, fiquei pensando que, se tivesse sido sempre assim, ou seja, se somente os cantores que berram fossem selecionados, vozes como a de João Gilberto nunca teriam tido chance. Roberto Carlos não passaria pelo crivo dos técnicos. Nem Mônica Salmaso, nem Renato Braz, nem Emílio Santiago. Tivesse sido sempre assim, não teríamos conhecido a voz de Beth Carvalho, nem de Clara Nunes, nem tampouco de Milton Nascimento.
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Se dependêssemos dos critérios utilizados no The Voice, onde o grito e a firula são mais importantes que o canto, só conheceríamos vozes como a de Ana Carolina ou Paula Fernandes. E nunca teríamos ouvido Elizeth Cardozo. Ainda bem que não tenha sido sempre assim. A vida seria muito triste.

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Deixa (Vinicius de Moraes & Baden Powell) - Elizeth Cardoso