Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Toda maneira de amar

Isso era pra ser um comentário no blog do meu amigo Bruno Ribeiro, mas ficou tão grande que virou um post aqui no meu blog. Sendo assim, sugiro que, antes de continuar, dê uma olhada em seu texto da amizade de homens e mulheres pra depois voltar.

A princípio, sou meio avesso às generalizações, do tipo; todo argentino é assim, todo alemão é assado. Ou então, de frases que começam assim: O problema é que o brasileiro é.... São frases proferidas por brasileiros, que, evidentemente, nunca se incluem no problema, superiores que se enxergam. Da mesma maneira, tendo a rejeitar generalizações discriminatórias a respeito de pretos, de veados, de nordestinos, de ricos, seja a discriminação negativa ou positiva.

No caso de homens e mulheres, entretanto, sou obrigado a concordar que existem características claras que nos diferenciem, embora insista em identificar a individualidade de cada um, seja homem, mulher, criança.

Mas indo direto ao texto, achei um tanto simplista a análise do meu amigo. Acho que as mulheres são mais bem resolvidas que nós, os homens, apesar de todas as aparências. As mulheres são mais maduras e menos covardes que nós, que tendemos a só mostrar valentia quando ela pode ser exercida fisicamente. As mulheres tendem a ser mais honestas e transparentes e por isso, essa sensação de que são menos fiéis às amigas do que os homens entre eles.

Os homens que têm vontade de cantar a mulher do amigo, se não fazem isso é por covardia e não por lealdade. É por terem, mais arraigada a idéia de dominação e posse da mulher amada do que as mulheres. E o fato de parecer que haja mais mulheres “roubando” namorado das amigas do que o inverso é porque elas tendem mais à transparência. Minha sensação é que a balança está bem equilibrada nesta questão. Os homens, quando fazem isso (e fazem), são mais cuidadosos. Têm mais facilidade em escamotear.

Mas a questão que eu quero abordar é outra. Acho que toda esta conversa acaba revelando o quanto lidamos com o amor de forma possessiva. E isso vale pra homens e mulheres. Penso de outra forma. E minha forma de pensar, sei bem disso, quase não encontra eco. Quase ninguém concorda comigo. Felizmente, quem mais me interessa, pensa de forma similar. Pois eu acho que o amor não deve ser possessivo e não o sendo, não é exclusivista. Acredito, sinceramente, que assim como se pode amar mais de um filho, mais de um irmão, amar vários amigos, é possível amar mais de um homem, mais de uma mulher, ou ambos. Amar de formas diferentes, com intensidades diversas, enfim, simplesmente amar, sem condicionamentos.

Não estou falando só de sexo não. Restringir essa conversa a sexo é empobrecer o assunto. Estou falando de amar, mesmo. Gostar de estar com várias pessoas diferentes, não necessariamente ao mesmo tempo, querer compartilhar as sensações, sentir e matar as saudades, e, claro, fazer sexo. Amar uma pessoa é gostar de vê-la feliz, e, talvez, naquele momento, estar feliz não signifique estar ao nosso lado.

Sei, evidentemente, que essa forma de pensar não encontra adeptos tão facilmente e sei também, que não é uma coisa fácil de colocar em prática. Afinal, aprendemos, desde cedo, a amar de forma condicional. Amar sendo dono. Mas há tanta coisa em que a gente acredita e que não consegue ver colocada em prática. Tanta utopia. Esta é apenas mais uma. Pelo menos, a minha.
Aliás, existe um filme francês, muito legal, abordando este assunto. Marie-Jo e seus dois amores. Vale a pena assistir, mesmo discordando de mim.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

FÉ x VERDADE

Ateu que sou, mas tendo sido criado numa família católica, com direito a alguns dos sacramentos, sempre tive muita curiosidade na figura de Jesus, o Cristo. Mas não o Jesus teológico e sim o Jesus histórico. Interesso-me pelo personagem, assim como me interessa conhecer a história de quem quer que tenha influído na maneira que o mundo é. Sempre tive dificuldade de encontrar textos que tivessem este foco. Finalmente, consegui. Trata-se do livro Jesus – Esse grande desconhecido, do jornalista espanhol Juan Arias.

O livro é muito bem compartimentado e o primeiro capítulo nos convida a refletir como seria o mundo de hoje se não existisse o cristianismo. É interessante refletir a este respeito. Mas não era isso que me interessava. O segundo capítulo, entretanto, vai direto ao ponto. O título já parece uma provocação: Jesus de Nazaré realmente existiu ou é apenas um mito? E é com muita tranqüilidade que o autor, grande estudioso e pesquisador de assuntos bíblicos, nos mostra que, do ponto de vista rigorosamente histórico, não há evidências claras de que este personagem tenha, de fato, existido. À falta de documentos, junta-se o fato de que os grandes historiadores da época, fossem romanos, fossem judeus, tendo deixado farta documentação a respeito de personagens e acontecimentos contemporâneos, não citam a existência do profeta de Nazaré. A única exceção é Flávio Josefo, historiador judeu, muito pouco respeitado nos meios acadêmicos, até porque, na documentação deixada por ele, encontra-se enorme quantidade de incoerências e dados conflitantes.

Na falta de documentação mais confiável, Arias decide utilizar-se dos evangelhos, não só os canônicos, mas também os apócrifos, apesar da enorme quantidade de incongruências encontradas, quando comparados entre si. Analisa cada um dos quatro textos reconhecidos pela igreja, tenta desvendar a identidade de seus autores e parte deles para identificar fatos que possam garantir a existência histórica do messias.

Ressalvando-se que os critérios de investigação e documentação histórica de hoje são absolutamente diferentes dos daquela época e considerando que a igreja católica não se preocupa com a questão do Cristo histórico, mas do Cristo teológico, Juan Arias decide seguir em frente, com as poucas informações que existem. Sua maior argumentação, aliás, é que, numa época em que pululavam centenas de profetas e pretendentes a messias, um personagem cujo discurso tenha sobrevivido e influenciado tão fortemente o mundo, durante 2 mil anos, dificilmente pode ter sido apenas um mito.

A partir daí, baseado nas informações dos evangelhos, o autor faz uma análise muito transparente de como alguns temas como a política, o amor, a paz, a relação com as mulheres e o sexo são abordados por Jesus. E, principalmente, e aí reside o ponto alto do livro, Arias nos mostra o quanto a igreja, já no século II, passa a defender valores e a se comportar de maneira absolutamente contrária ao que pregava Jesus de Nazaré.

O livro mostra, nitidamente, o quanto era clara a opção de Jesus em favor dos pobres e perseguidos e o quanto sua posição era contrária aos interesses dos ricos e poderosos. A postura de Jesus, segundo os parcos documentos existentes, é, claramente, no sentido de defender os desvalidos, os doentes, os mais fracos, as crianças e mulheres, inclusive as prostitutas. A igreja, por sua vez, aproximou-se do poder, tendo sido facilmente seduzida pelo império romano e, ao longo desses 20 séculos, sempre tem se colocado ao lado dos abastados, apesar de eventuais correntes minoritárias, eventualmente, buscarem uma reaproximação com o discurso original. O Vaticano, porém, sempre tem sido muito rigoroso em relação a este comportamento, a exemplo da repressão que faz aos defensores da Teologia da Libertação.

No fim, absolutamente adepto do discurso original de Jesus, o jornalista mostra o quanto os cristãos de hoje estão distantes deste discurso. O quanto as pessoas são pouco solidárias. O quanto elas privilegiam o indivíduo em detrimento do coletivo.

Enfim, é um livro magnífico, que deveria ser lido por todos os cristãos, pelos crentes de todas as religiões e até pelos que, como eu, não acreditam na existência de deus.

Sofisticado

Villa-Lobos, Pixinguinha e Tom Jobim talvez sejam nossos autores mais geniais. Mas acho que o mais sofisticado é Edu Lobo. E não uso o termo sofisticado como sinônimo de falsificado ou artificial ou afetado ou falsamente refinado, como o Aurélio qualifica este verbete. Digo sofisticado como refinado ao extremo, aprimorado, recorrendo ao mesmo Aurélio.

Edu Lobo é assim. Sempre foi. Desde suas primeiras composições. Suas primeiras melodias. Muitos compositores brasileiros têm refinamento e sofisticação. Mas nenhum deles sempre foi assim. Chico Buarque, por exemplo, foi capaz de cometer melodias paupérrimas no começo da carreira, embora quase sempre acompanhadas de letras ricas. Edu Lobo não. Desde o começo, desde antes dos festivais, suas melodias sempre foram de um refinamento deslumbrante. Coisa de dar orgulho na gente.

Pois acaba de sair um CD do grande flautista e saxofonista Mauro Senise, tocando só Edu Lobo. O disco chama-se Casa Forte. Mauro Senise freqüenta, há muitos anos, as fichas técnicas dos meus velhos vinis. Está em discos de Milton Nascimento, do tempo do Clube da Esquina, nos melhores LPs do Egberto Gismonti, já tocou com o Hermeto e, fuçando nos antigos discos da Gal, Elis, Nana Caymmi, Gonzaguinha, é sempre possível encontrar seu nome em algumas faixas, tocando flauta ou sax.

Neste CD, ele se acompanha da bateria de Ivan Conti e do baixo de Paulo Russo, seus velhos companheiros dos festivais de jazz. E nos arranjos e piano, tem Gilson Peranzzetta. Eu sempre tive certa má vontade com Gilson Peranzzetta, responsável pelos arranjos dos melhores discos de Ivan Lins, na década de 1970. Neste disco, pra minha feliz surpresa, seu piano está magnífico e os arranjos são absolutamente cool. Típico de quarteto de jazz dos velhos night clubs.

Enfim, não é um CD pra se ouvir na festa. É um CD pra se ouvir ao lado de um bom livro e de uma pessoa que seja especial. E isto, por si só, já é uma festa.

domingo, 26 de novembro de 2006

Sabores antigos

A primeira vez que comi um hambúrguer, tinha menos de 9 anos. Sei disso, pois ainda morava no bairro do Ipiranga. Meu pai trouxe a novidade de uma lanchonete, ao lado da igreja do Sião. Até então, meus sanduíches haviam se resumido a cachorro quente e misto frio. Fiquei abalado com aquele sabor. Me chamaram a atenção a maciez do pão e o gosto da maionese. Não sei bem porque, mas meu pai nunca mais trouxe aquilo pra casa. E, quase quarenta anos depois, nunca mais consegui comer um hambúrguer que tivesse aquele gosto.

Há muitos sabores da infância que desapareceram. Ou porque não existem mais, ou porque mudaram. Vai aí uma lista deles:

Guaraná Antártica
Só havia a garrafa de 290 ml e a caçulinha, um pouco menor. Seu sabor era mais azedinho e muito mais borbulhante. Tanto que no rótulo, vinha escrito Guaraná Champagne. Hoje tem gosto de xarope.


Sonho de Valsa
A casquinha era mais crocante e o recheio tinha sabor de paçoca, desmanchando na boca. Hoje, tem gosto de pasta de amendoim.

Diamante Negro
A Clélia acha que seu sabor mudou. Não tenho tão clara essa sensação. Só me lembro que era o chocolate preferido de minha mãe.

Biju
Em qualquer bairro de São Paulo havia um vendedor de biju. Eles carregavam uma lata imensa nas costas e chamavam a atenção da criançada com um dispositivo de madeira com um arame grosso que fazia um ruído característico. Isso desapareceu da cidade. Os que existem, industrializados, não têm nada a ver. Quando viemos morar em Valinhos, há 5 anos, encontramos um vendedor de biju autêntico. A Clélia nunca tinha comido. Nos esbaldamos por muito tempo. Depois disso, ele arrumou um emprego público e parou de fazer aquela delícia.

Churros
O verdadeiro churro espanhol, feito em rodelas e frito num tacho de óleo, era fácil de encontrar em São Paulo, principalmente nas feiras livres. Tinha a massa lisa e não eram doces. Depois, vieram esses detestáveis churros sextavados, feitos em máquinas e adocicados. Hoje, só é possível comer o churro tradicional em um endereço da Mooca, na rua Ana Néri, nas madrugadas e manhãs de sextas, sábados e domingos. E não sei por quanto tempo. Vida longa ao Toninho!

sábado, 25 de novembro de 2006

De novo, Almodóvar.

Como imaginara, gostei do novo filme de Pedro Almodóvar, Volver. Eu estava, há algum tempo, insatisfeito com seus filmes, como se ele tivesse perdido a mão. Os dois anteriores, Má educação e Fale com ela não me agradaram. Não fizeram com que eu saísse do cinema encantado, como ocorreu com Ata-me ou Mulheres à beira de um ataque de nervos, meus preferidos.

Um pouco deste encantamento voltou a me acometer ontem, quando saia do cinema quase vazio (que delícia!). Achei o filme emocionante e poético, à moda de Almodóvar, evidentemente. Gosto de seu jeito afetado de dirigir e da maneira com que enfoca as coisas, sempre de um ponto de vista feminino. Acho que neste aspecto, sou um pouco como ele. Tento ver o mundo de um ponto de vista feminino. Não sendo mulher, uso as mulheres que habitam minha vida para enxergar.

Penélope Cruz está lindíssima, embora com uma bunda e um par de peitos forçadamente não naturais. Não precisava. Mas quem rouba a cena, quem manda no filme, é mesmo Carmen Maura, a atriz espanhola de quem mais gosto.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Uma picada inevitável?

O que o título do livro A Mosca Azul, de Frei Betto, nos promete é uma análise de como o poder seduz as pessoas, a ponto de fazê-las esquecer seus dogmas e ideais. Promete e cumpre. De fato, neste livro, o autor descreve de que maneira o PT, estando no poder, deixou-se contaminar por todos os vícios que criticara, quando oposição.

Frei Betto acompanhou todo o processo de criação do PT, desde as reuniões preliminares à sua fundação até o momento que o partido ganhou a eleição presidencial. Sem nunca ter sido filiado, sempre participou da vida do partido, chegando a ocupar um cargo nos primeiros momentos do governo Lula. Claramente contrário aos rumos que o partido tomou, afastou-se.

O livro, entretanto, nos oferece muito mais que isto. Com certa erudição, mas sem arrogância, ele cita diversos filósofos para explicar fenômenos como as mazelas do poder, a diferença entre governo e estado, e, sobretudo, sua visão socialista das realidades brasileira e mundial.

Fundamentalmente, Frei Betto possui duas crenças. A fé religiosa e a fé no socialismo. Sem perder a perspectiva histórica, ele crê, com sinceridade, nesta forma de estado como solução para os problemas sociais. E apesar de ter a consciência das necessidades individuais do ser humano, persiste em sua crença na possibilidade de uma sociedade que sobreponha os interesses coletivos aos pessoais.

É aí que, a meu ver, reside o maior conflito desta história. Pessimista que sou, não creio que o caráter essencial do ser humano seja o do solidário, mas sim, o do egoísta. De uma espécie capaz de sentimentos como inveja e rancor, e de atitudes como a tortura e a escravização do semelhante, não se deve esperar muita coisa.

Na parte final do livro, ele faz uma excelente defesa da comunhão entre religião e política. A igreja, ao longo da história, sempre pregou que religião e política devem estar dissociadas. Apesar disto, a igreja, sobretudo a católica, sempre se colocou ao lado dos poderosos. O que Frei Betto sustenta é que a religião deve andar sempre ao lado da política e que o papel do religioso é o de dar apoio aos mais pobres e oprimidos pela sociedade. Defende, assim, a atuação das comunidades eclesiais de base e o discurso da Teologia da Libertação.

Mais uma vez, meu ceticismo vai de encontro a esta tese. Ateu que sou, não enxergo as pessoas, apesar de se declararem religiosas, seguindo radicalmente os preceitos de suas crenças. Insisto que, do meu ponto de vista, vejo muito mais gente preocupada consigo mesma do que com o próximo. E isso não é uma crítica. É a essência do ser humano.

Cristão que é, Frei Betto identifica no discurso e atitudes de Jesus, a proximidade com o discurso socialista. É como na ótima letra de Tiro de misericórdia, de Aldir Blanc, que o coloca ao lado de outros contestadores:

(...) – irmãos, irmãs, irmãozinhos,
Por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos
Em cada cruz?

– irmãos, irmãs, irmãozinhos,
Nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma:
Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus (...)

Um jeito de fazer samba


Pode até ter nascido na Bahia, mas foi no Rio de Janeiro que o samba atingiu seu esplendor. O samba carioca tem um gingado diferente, bem malandro, com raízes nos morros, tendo gerado nomes como Ismael Silva, Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Mano Décio, Cartola, Nelson Cavaquinho, enfim, uma lista tão grande que qualquer que seja sua extensão, sempre será injusta e pecará por esquecimento. Depois de influenciar a bossa nova, recebeu influência desta e uma nova safra surgiu e vem surgindo, a cada ano, em cada canto do Rio de Janeiro.

Existem outras maneiras de fazer samba. E os maneirismos são regionais. O de São Paulo tem uma característica mais quebrada, mais dura. E tem o sotaque italianado. Apesar de ser urbano, tem forte influência rural. Adoniran Barbosa foi o mais famoso compositor deste tipo de samba, e seu maior intérprete foi o conjunto Demônios da Garoa. Germano Mathias, entretanto, é o sambista mais emblemático deste estilo. Sambas como, Guarde a sandália dela, Minha nega na janela e Senhor Delegado, grandes sucessos do final da década de 1950, são exemplos típicos desta maneira de cantar. Não devemos nos esquecer ainda de Paulo Vanzolini e Geraldo Filme.

São dois estilos distintos e ambos deliciosos. E, hoje em dia, há muito intercâmbio entre estas duas escolas, muitos artistas transitando livremente entre estas duas cidades, com influências mútuas, sem que cada uma perca sua identidade. Há, entretanto, um artista paulistano que inaugurou, há mais de 30 anos, essa ponte aérea. Trata-se de Eduardo Gudin.

Em suas parcerias com Paulo César Pinheiro, Gudin sempre produziu um samba da mais alta qualidade, em que se podem perceber os aromas carioca e paulistano, convivendo harmoniosamente. Sem nunca ter ocupado espaço na grande mídia, Gudin, ao longo dos anos, nunca deixou de estar presente nas cenas musicais mais importantes do Brasil. Seja como compositor, seja como arranjador ou mesmo produzindo shows e discos alheios, ele sempre deixa muito clara a sua marca. Não sendo um cantor de muitos recursos, em seus discos, ele sempre lança jovens cantores que, depois, muitas vezes, seguem vôo com as próprias asas. Foi o caso de Mônica Salmaso e Renato Brás.

E agora, acabou de sair mais um CD, em que mostra sambas com parceiros diferentes como Paulinho da Viola, Francis Hime, Luiz Tatit, e uma parceria póstuma com Nelson Cavaquinho. Não podia faltar, evidentemente, um samba com Paulo César Pinheiro. O CD é muito bom e mostra sua tão qualificada maneira de fazer música. E o título do disco não podia ser mais feliz: Um Jeito de Fazer Samba.

domingo, 19 de novembro de 2006

Família & Tradição

Quando o Ademar e o Paulinho chegavam em casa, em horário pouco provável, todos sabíamos o que tinha acontecido. Alguém da família havia morrido. E vinham buscar o meu pai, que, com eles, formava o triunvirato funéreo. Sua incumbência era fazer com que o enterro acontecesse de forma apropriada. Eram tarefas singelas, como colocar a roupa no defunto, arrecadar dinheiro pra comprar um caixão, descobrir se alguém na família tinha um lugar pra enterrar o dito cujo, estas coisas. Mas a tarefa mais importante do grupo era garantir que o bar mais próximo do velório ficasse aberto a noite toda.

Os enterros da minha família seguiam um roteiro padrão. Os homens ficavam no bar, contando piadas e enaltecendo as qualidades (nem sempre elogiáveis) do defunto. As mulheres ficavam velando o corpo, em conversas sussurradas, falando mal de alguém que não estivesse presente, ou estivesse mais longe, do lado de dentro do caixão, por exemplo. E o tititi corria solto, até que alguma desmancha-prazeres, mais desavisada, tivesse a infeliz idéia de puxar um terço. Aí, não tinha saída. O segredo era ser bem rápida com as palavras pra terminar logo as contas e retomar as conversas.

Os meninos ficavam com um grupo ou com o outro, dependendo da faixa etária. Lembro-me da minha felicidade, no enterro do meu avô, dia em que mudei de grupo, livrando-me das rezadeiras e passando a ouvir as piadas que eu não entendia a metade. Mudei do chá pro guaraná, outra vantagem.

Há histórias hilariantes sobre enterros, a maioria delas não presenciadas por mim, apenas ouvi contar, possibilitando muita mentira, portanto.

O enterro do tio Zé foi no cú do mundo. O cara morava num casebre, praticamente, e o bar mais próximo era a léguas de distância. O jeito foi trazer a bebida para o velório, solução radical e só utilizada em casos extremos. Aquele era um caso extremo. Apesar disso, o velório transcorreu sem nenhum imprevisto. Problema foi mesmo na hora de seguir pro cemitério. A porta do casebre era mais estreita do que a largura do caixão, que entrara na casa vazio e de lado. Agora, evidentemente, ele estava cheio e não havia como passar. Nem pela porta, nem pela janela. Ninguém teve dúvida. Quebrou-se a parede e o féretro seguiu incontinente pro seu destino. A parede quebrada ficou de herança pra viúva.

O que nunca falta em um velório é gente disposta a ter chiliques. E uma tia minha, useira nesse comportamento, era a viúva num dado velório. Previa-se um chilique especial e a previsão confirmou-se. À beira do caixão, os soluços viraram gritos e, num momento de êxtase, ela pediu pro defunto levá-la junto com ele. A coisa tendia a fugir do controle quando o tio André (sempre ele) aproximou-se da viúva e sussurrando, sem ninguém mais ouvir, informou-a que o dito cujo tinha morrido numa cama, ao lado da outra, num momento mais que sublime. Como por encanto, os gritos calaram. O enterro seguiu tranqüilamente, mas ninguém entendeu porque as lágrimas secaram no rosto da viúva.

Houve uma ocasião em que surgiu um problema, aparentemente, insolúvel. O enterro seria num cemitério bem longe, pra onde não havia ônibus. Ninguém na família tinha carro. O tio André, então, contratou vários carros de praça (antigo nome dos táxis) pra levar a família toda pro cemitério. E assim foi resolvida a questão do transporte. Aquele foi o único enterro ao qual o tio André não compareceu. E até hoje, ninguém me contou quem pagou os táxis.

No velório da minha mãe ninguém conseguiu garantir um bar aberto a noite toda. Certamente, contribuiu pra isso, o fato do meu pai não estar com a cabeça voltada pra este problema prático. Não notei nenhum movimento estranho e não percebi se havia ação para trazer bebida pro local. O corpo iria ser velado a noite toda e eu estava meio cabreiro porque tentei convencer o povo a ir pra casa, voltando no dia seguinte, pela manhã. Afinal, aquele caixão não iria sair dali. Ninguém me ouviu. Eu fui dormir e convenci meu pai e minha irmã a fazerem o mesmo. E, na rebeldia dos meus vinte anos, avisei que se alguém desse chilique seria botado pra fora do local. No comecinho da manhã, um tio, completamente bêbado, esboçou algo parecido com um fricote e recebeu o devido cartão vermelho. Este incidente, pelo menos, me fez perceber que não houve falta de bebida naquela noite. Fiquei mais tranqüilo. Afinal, pra que serve uma família se não consegue manter suas tradições?

quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Coisa perfeita

Não tenho nada contra poesia. Mas eu gosto mesmo é de letra de música. Meus letristas preferidos são Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro. Absolutamente empatados. Por isso, o supra-sumo do prazer, pra mim, é ouvir o samba Saudades da Guanabara, com letra dos dois sobre melodia do Moacyr Luz. A história desta música é ótima. Quem a contou foi o próprio Moacyr, num programa de televisão:

O samba tinha outra letra quando Moacyr mostrou pra Beth Carvalho, na esperança dela gravar. Beth gostou da melodia mas não gostou da letra. Ele, então, chamou Aldir e Paulinho Pinheiro em sua casa e cantou o samba. Falou que precisava de uma letra nova.

Acabou a cerveja. Como Aldir mora no mesmo prédio do Moacyr, foi em sua casa buscar mais. Quando voltou com as geladas na sacola, trouxe junto a primeira parte do samba na cabeça. Paulinho, então, escreveu, na hora, a segunda parte, seguindo a mesma estrutura métrica e repetindo as rimas. Ficou assim:
.
Saudades da Guanabara
.
Eu sei
Que meu peito é uma lona armada
Nostalgia não paga entrada
Circo vive é de ilusão (eu sei...)
Chorei
Com saudades da Guanabara
Refulgindo de estrelas claras
Longe dessa devastação (... e então)
Armei
Pic-nic na Mesa do Imperador
E na Vista Chinesa solucei de dor
Pelos crimes que rolam contra a liberdade
Reguei
O Salgueiro pra muda pegar novo alento
E plantei novos brotos no Engenho de Dentro
Pra alma não se atrofiar (Brasil...)
Brasil, tua cara ainda é o Rio de Janeiro
Três por quatro da foto e o teu corpo inteiro
Precisa se regenerar

Eu sei
Que a cidade hoje está mudada
Santa Cruz, Zona Sul, Baixada
Vala negra no coração (chorei...)
Chorei
Com saudades da Guanabara
Da Lagoa de águas claras
Fui tomado de compaixão (... e então)
Passei
Pelas praias da Ilha do Governador
E subi São Conrado até o Redentor
Lá no morro Encantado eu pedi piedade
Plantei
Ramos de Laranjeiras foi meu juramento
No Flamengo, Catete, na Lapa e no Centro
Pois é pra gente respirar (Brasil...)
Brasil, tira as flechas do peito do meu Padroeiro
Que São Sebastião do Rio de Janeiro
Ainda pode se salvar
.
Pode existir coisa mais perfeita?
Como é que a Beth Carvalho iria recusar?
Não recusou. Gravou.

Pra que entender as mulheres?

Conhecer as mulheres é o nosso grande desafio. Conhecer e entendê-las. Vencer este desafio já é o prêmio, em si. Mas é um desafio inatingível. Portanto, delicioso.

Apesar do título, o livro O homem que conhecia as mulheres, de Marcelo Rubens Paiva, não nos ensina nada. Ainda bem. Essas coisas, a gente tem que aprender sozinho. Pra ter sabor. E o livro tem muito sabor. É uma infinidade de perfis, dos mais variados exemplares de mulheres. Quase todas apaixonantes. Aliás, toda mulher é apaixonante. Depende de uma série de fatores intrincados e nebulosos. Não posso dizer o mesmo sobre os homens. Acho homem um bicho meio pobre, meio sem recursos. A mulher não. A mulher é sempre rica. Na diversidade de sensações, nas variações de humor, na sensibilidade, na inteligência e emoção.

Mas eu estou aqui pra falar do livro. Ou do autor. Devo confessar que sou dos poucos da minha geração que não leu Feliz ano velho. Por isso, não conhecia a escrita do Marcelo Paiva. E este livro novo me surpreendeu. O cara escreve bem pra cacete. Seu rosário de mulheres desfila pelas páginas de maneira natural e fácil. São personagens estanques, às vezes conectadas umas com as outras, às vezes não. Algumas vão e voltam, outras só vão. É um desfile delicioso. Tem charme, tem sensualidade, tem humor, tudo numa dose tão perfeita que atinge um equilíbrio raro. Como deve ser a mulher que habita os nossos sonhos. Uma mulher com tantos matizes, mas tão equilibrados, que ela parece sempre a mesma, sendo diferente todos os dias.

Além dos perfis, há algumas boas historinhas. Minha preferida é a de Dora. Mas não vou contar nada sobre ela. Quem quiser, que leia o livro.

Minúscula lista

Na era de ouro de nossa música, o Brasil teve cantores fantásticos. Chico Alves foi o rei da voz. Numa época em que os recursos técnicos exigiam potência vocal, o cantor fez um enorme sucesso. Além dele, tivemos Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas, Cauby Peixoto. Uma constelação.

Ultimamente, esta constelação tem mais estrelas do que astros. Nestes tempos mais modernos, em que as cantoras reinam absolutas, desde Elis Regina até Ceumar, tínhamos uma única exceção, entre as grandes vozes, masculina. Era Emílio Santiago. Hoje, podemos dizer que ele não está mais sozinho. Temos também Renato Braz.

A primeira vez que eu ouvi sua voz foi no CD Eduardo Gudin & Notícias dum Brasil, de 1995. Neste ótimo disco, pra nossa sorte, ele recebe o suporte de um quarteto vocal. Renato Braz faz parte deste quarteto. Foi nele, também, que ouvi, pela primeira vez, a voz de Mônica Salmaso. As duas vozes me encantaram, mas não tive a curiosidade de ler os nomes no encarte. Na verdade, acho até que tive, mas minha memória não soube guardá-los. Como, felizmente, minha memória auditiva é melhor que a memória para nomes, assim que ouvi a Mônica Salmaso novamente, lembrei-me do disco. E com Renato Braz foi a mesma coisa.

O cantor já está em seu quinto CD (quase escrevi LP, vejam só). Todos são ótimos. Este último, Por toda a vida, só com canções dos irmãos Jean & Paulo Garfunkel. Não sei por que, fiquei reticente na hora de comprar o disco. Só comprei por causa do Renato. Ainda bem! O disco é excelente e as canções são encantadoras. Tem até uma letra para a Marcha Nupcial, de Richard Wagner, super bonita. Acreditem!

Gostamos ainda mais do disco quando fomos, Clélia, Cecília e eu, assistir ao show de lançamento em São Paulo. Teve participação da Mônica Salmaso e a presença dos irmãos Garfunkel na platéia, na primeira fila. Nós estávamos na segunda e, de lá, deu pra ver que um deles chorou o show inteiro. Deu vontade de chorar (eu choro muito fácil – até em propaganda de TV). No final, na última canção, subiram ao palco para cantar.

É bom poder ouvir vozes masculinas bonitas. É bom que tenhamos alguém pra fazer companhia pro Emílio Santiago nesta ainda minúscula lista. Aliás, talvez o Zé Luiz Mazziotti esteja também nesta lista. Talvez não. Não sei. Vou ouvi-lo, assim que chegar em casa.

Será que é preciso vencer?

A sociedade norte-americana é, certamente, a mais competitiva do mundo, em todos os tempos. Uma das ofensas preferidas por lá é chamar alguém de loser, ou seja, perdedor. Isso começa na escola, onde você tem que ser bonito ou bom em algum esporte, enfim, tem que ser popular. Senão, você é um perdedor. Quando vira adulto, esta competitividade se mantém presente. No trabalho, você é cobrado, todos os dias, pelos resultados e esta cobrança é sempre baseada numa comparação com os resultados de um colega, alguém que está sempre olhando pra você, com uma expressão de sórdida superioridade. Mas não é só no trabalho que isto acontece. No seu bairro, você tem sua garagem constantemente monitorada, pra que se saiba se seu carro é mais novo, mais possante, ou mais caro do que o do seu vizinho. E mesmo o seu filho vive te jogando na cara que o pai do colega da escola tem um carro esporte de último modelo. Tudo ali é feito pra te deixar pra baixo, caso não seja um vencedor. É a sociedade da ostentação. É o país da competição desenfreada.

Esta competição é a linha condutora do filme Pequena Miss Sunshine. É uma legião de perdedores, das mais diferentes idades, todos pertencentes à mesma família, que se metem a encarar um desafio que todos sabem, desde os protagonistas até o público do cinema, que é inatingível.

O filme é divertidíssimo. Ri de me matar, durante o tempo todo. E olha que eu não sou bom de comédia. Não rio com facilidade. Dou vexame. A maioria das comédias reúne dois ingredientes que eu abomino. Elas lidam com o preconceito (da pior maneira que se pode lidar – ridicularizando minorias) e são sempre previsíveis. Pois este filme não estimula a discriminação, muito pelo contrário. E é absolutamente imprevisível. Todo ele.

O filme conta com um grupo de atores muito bom, do velho à criança, que suporta a trama. Não tem nada que me agrada mais num filme do que ele ser sustentado pela competência dos atores, ao invés dos efeitos especiais ou de cenas de impacto. Neste filme, o elenco é o ponto forte. Aliás, um filme em que um dos personagens principais é uma Kombi amarela tem muita chance de ser interessante. E Pequena Miss Sunshine é muito mais que interessante. É magnífico. Fazia tempo que eu não me divertia tanto no cinema.

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Às crianças de ontem

Na copa de 1970, eu estava prestes a completar dez anos. Pela primeira vez eu via meu pai e meus primos torcendo por um mesmo time. Achei legal. Todo mundo torcendo junto. Meu pai não tinha carro, mas tinha um caminhão com o qual íamos pra cima e pra baixo. No dia da final com a Itália, assistimos ao jogo na casa da minha avó. Na volta pra casa, o caminhão todo enfeitado de verde-amarelo, em cada semáforo que parávamos, uma porção de torcedores subia na carroceria pra comemorar, pulando e cantando. Nunca tinha visto aquilo. E foi a primeira vez também, que eu percebi que tinha tanto carro do exército nas ruas. Naquela viagem de volta (naquele tempo, ir do bairro de Santo Amaro para São Bernardo do Campo era uma verdadeira viagem), fomos parados, pelo menos, umas quatro vezes pelo exército. Eram coisas que eu não entendia, assim como não entendia o motivo do meu tio André chegar, às vezes, em casa de madrugada, pedindo abrigo. Eu acordava de manhã e ele já tinha ido embora.

Foi impossível não lembrar destas coisas quando assisti ao filme do Cao Hamburguer, O ano em que meus pais saíram de férias. Se cinema fosse só estética e entretenimento, eu teria uma série de críticas a fazer. Mas cinema não é só isso. O cinema é também, ou principalmente, uma ferramenta para emocionar e provocar reflexão. Este filme foi dirigido por uma criança e dirigido para as crianças. Crianças que estão hoje na faixa dos 45 anos. No filme, nós conseguimos identificar o álbum de figurinhas, a bola de capotão, o leite vendido em garrafa de vidro.

Enfim, é um filme que emociona as crianças que naquela época já percebiam, mesmo de relance, que estava acontecendo alguma coisa muito ruim no nosso país. E é também um filme pra fazer refletir as crianças que naquele tempo, achavam que tudo no Brasil era uma maravilha. Não era.

Muita gente vibrou com a conquista da copa de 70. Muita gente se emocionou com a seleção de Pelé, Tostão e Gerson. Muita gente parou pra assistir aos jogos. Mas teve muita gente que não pôde assisti-los. Justamente porque saiu de férias.

domingo, 12 de novembro de 2006

A vida da Pequena Notável

Ruy Castro é um craque. Bom jornalista e escritor, é no papel de biógrafo que se sobressai. São ótimos seus livros sobre Garrincha, Estrela Solitária e sobre Nelson Rodrigues, O Anjo Pornográfico, além de sua radiografia da bossa nova, Chega de Saudade. Sua biografia sobre Carmen Miranda também é muito boa, principalmente pelo mérito de nos trazer mais do que aquilo que permaneceu na memória brasileira sobre ela. O que ficou de Carmen foi a imagem da primeira artista a fazer sucesso nos Estados Unidos. A história da artista que ganhou muito dinheiro vencendo lá fora, mesmo à custa de emprestar sua imagem a uma personagem estereotipada, da típica latina que não dominaria o idioma inglês nem que vivesse lá por 100 anos. Carmen rendeu-se a esta imposição do mercado, além de ter servido à causa da política de boa vizinhança, imprimida pelo governo americano, à beira da Segunda Guerra. Foi muito criticada no Brasil por isso. Já naquela época e mesmo depois de sua morte. E é disso que trata os dois terços finais do livro.

A parte deliciosa desta biografia, entretanto, é justamente o primeiro terço, que fala dos tempos de Carmen enquanto estava ainda no Brasil. E é deliciosa, nem tanto por Carmen, mas, sobretudo, por mostrar um retrato rico em detalhes de como era o Brasil e, principalmente, a cidade do Rio de Janeiro naquele começo de século XX. Um Brasil que começava a se conhecer musicalmente. É impossível ler esta parte do livro, sem ficar cantarolando os inúmeros sambas e marchinhas que Ruy vai citando ao longo da narrativa. E, enquanto vai nos mostrando Carmen, vai também nos revelando Assis Valente, Custódio Mesquita, Braguinha, Ari Barroso e Caymmi. É um passeio muito rico por uma época de grande afirmação da cultura popular.

O maior defeito do livro seja, talvez, o excesso de idolatria do autor por Carmen. Acredito que seja muito difícil fazer a biografia de alguém a quem não se admira. Estou certo que Ruy Castro é fã de Garrincha e Nelson Rodrigues, assim como da bossa nova. Em relação a Carmen, entretanto, sua admiração beira a tietagem. E com isto, ele exagera nas críticas a quem fazia críticas a ela, sem admitir que algumas delas fossem realmente justas. Ruy foi especialmente cruel com Aloysio de Oliveira, integrante do conjunto Bando da Lua, que a acompanhava. Pinta Aloysio com as cores de um namorado canalha durante boa parte da vida de Carmen. E, por isso, Ruy acaba não conseguindo mostrar algumas qualidades que ele já tinha, à época, como músico e, principalmente, como organizador da sua vida musical e pessoal. Aloysio merece lugar de destaque na nossa música, como produtor e por lançar, praticamente, todos os nomes da bossa nova. Foi também o criador do selo Elenco, que revolucionou o conceito estético da indústria fonográfica brasileira. Como se não bastasse, foi autor de Dindi, Fotografia, Inútil paisagem, Só tinha de ser com você e Demais.

Um segundo exagero do livro é supervalorizar o sucesso de Carmen nos Estados Unidos. De fato, ela fez muito sucesso lá. Ganhou muito dinheiro. Mas sentia uma saudade angustiante do Brasil. Tivesse ficado aqui, certamente não ficaria rica. Mas, tivesse ficado aqui, não teria sido tão infeliz. E não sou eu que digo isso. Quem diz isso é o livro de Ruy Castro.

O carnaval de Ana Costa

A principal característica da voz de Ana Costa é a suavidade. Mas não é a única. Ela tem uma excelente noção de divisão, mas não abusa disso em malabarismos vocais. Seu primeiro disco, Meu Carnaval, é muito mais do que um disco de samba, embora seja, essencialmente, um disco de samba. E mesmo sendo oriunda do samba, não tem pudores de flertar com o pop e o rap. Teve coragem e inseriu a faixa Olhos Felizes, de Marina Lima e Antonio Cícero, mostrando o samba que esta canção é. Mescla músicas de bambas consagrados como Luiz Carlos da Vila, Moacyr Luz, Aldir Blanc, Wilson Moreira, Jorge Aragão e Cláudio Jorge, de outros autores menos conhecidos do grande público e também de autoria própria, mostrando grande talento como compositora. Responsável por quase todos os arranjos, acompanha-se ao violão na maioria das faixas e é acompanhada de gente muito boa como Ovídio Brito, Alceu Maia e Paulinho da Aba, todos feras no mundo do samba. Egressa do grupo Couer Samba, com os filhos de Martinho da Vila, conta com a participação de Mart’nália e Analimar em duas faixas do disco. Um CD muito bom. Um ótimo começo.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

O Torcedor Irreal... 4

Escrevendo essas coisas sobre futebol, percebi que nunca fui ver um jogo do São Paulo sem meu pai. Fui a muitos jogos. Sempre com ele. Todos. Comia amendoim e chupava Chica Bom. Um no primeiro tempo e o outro no segundo. Era sempre o mesmo roteiro. Depois do jogo, sair do estádio e ficar procurando o carro, invariavelmente perdido. Não sei bem o que acontecia. Acho que a gente chegava sempre atrasado, estacionava o carro bem longe porque era mais barato e corria pra comprar os ingressos. Quando a gente saía, não tinha a menor idéia de onde o carro estava. Era sempre assim. Era sempre angustiante e sempre divertido. Percebi também que faz mais de 30 anos que não vou ao estádio ver um jogo do São Paulo. Essa conversa me deu saudades do meu pai.

O Torcedor Irreal... 3

Gosto de copa do mundo. Espero, ansioso, o início da copa, mas sempre me decepciono. É sempre assim, quando a ansiedade é muito grande. Como tudo na vida. Só me lembro de não ter ficado decepcionado em 82. Fiquei super feliz. Adorava ver aquele time jogar. E nem liguei quando o time perdeu a copa. Nem liguei pelo fato de Sócrates, Zico, Júnior e Falcão não terem sido campeões do mundo. Como diz Fernando Calazans, se o Zico não ganhou a copa do mundo, azar da copa. As últimas copas foram detestáveis. Acho que nunca mais haverá copa do mundo prazerosa. Aliás, o futebol está muito pouco prazeroso, ultimamente.

O Torcedor Irreal... 2

Nunca achei graça em tirar o sarro do torcedor de outros times. Nunca entendi direito essa coisa de rivalidade. Tenho lido uns textos no blog da Leonor Macedo, que meu amigo Bruno Ribeiro indicou. A menina escreve bem pra cacete. É corintiana. Entendo o que é torcer prum time. Mas é muito estranho, pra mim, entender essa coisa de rivalidade. Gosto quando o São Paulo ganha do Corinthians. Mas não faz a mínima diferença se o Corinthians ganha ou perde do Arapiraca ou do Valério Doce. Gosto mesmo é de ver jogo de futebol. E se o São Paulo não está jogando, torço pra dar empate: 8 x 8. Gosto de ver as jogadas. Acho o futebol um jogo de inteligência, muito mais do que de habilidade ou força. E não entendo muito essa coisa de torcer pro time rival ir mal. Se eu fosse mais competitivo, quereria vencer o rival quando ele está forte. Isso sim é que tem graça. Se eu sentisse rivalidade pelo Corinthians ou pelo Palmeiras, torceria pra eles ficarem na primeira divisão e com os times super fortes. Só é saboroso vencer quem é forte. Foi por isso que, acompanhando pela tevê um desses sorteios de formação de chaves para copa do mundo, achei absurdo alguns colegas comemorarem cada vez que um adversário fraco caía na chave do Brasil. Torcer pra pegar adversário fraco é covardia. Legal é vencer os fortes. Legal é vencer os melhores. Vencer galinha morta não tem graça nenhuma.

O Torcedor Irreal... 1

Eu nasci são-paulino. No primeiro dia. Com uma hora de idade, já era são-paulino. E não tinha nenhum motivo futebolístico pra isso. Meu avô era são-paulino, meu pai é são-paulino. Logo, eu sou são-paulino. Simples assim. Naquele tempo, não tinha esse negócio do moleque escolher o time. Pelo menos, não na minha família. Ser são-paulino era tradição. Como meu pai e meu avô. Como meu tio André. E também não tinha esse negócio de ganhar camisa e boné de time. Ninguém usava boné. Só velho careca. Meu outro avô usava chapéu. Ele não era são-paulino. Acho que ele não era nada.

Moleque, eu não ligava pra futebol. Pelo menos, não ligava pra torcer. Só pensava em jogar bola. Só parava de jogar bola pra assistir ao National Kid na televisão. E voltava a jogar bola. E parava pra ir pra escola, mas o mais legal da escola era jogar bola na hora do recreio. A lancheira voltava intacta pra casa. Será que eu aprenderia mais coisas se tivesse ficado mais tempo na escola? Acho que não. Afinal, eu ficava um tempo enorme jogando bola e não aprendi a jogar direito. Sempre fui grosso.

Torcer, eu só aprendi na copa de 70. E aí, acabada a copa, comecei a torcer pelo São Paulo. Afinal, eu era são-paulino. E comecei a ir ao estádio com meu pai. E comecei a ir muito ao estádio, sempre com meu pai. Só ao Morumbi. Ao Pacaembu eu fui uma única vez. O São Paulo ganhou de um a zero do Corinthians com um gol no primeiro minuto, enquanto a gente estava comprando ingresso. Só ouvi a festa da torcida. Entrei animado. Foi só um a zero. Nunca mais voltei ao Pacaembu.

Eu não torcia pro clube. O clube, eu nem conhecia. Sabia que tinha piscina, mas eu não podia entrar. Não era sócio. Torcia mesmo era pro time. Naquele tempo, os jogadores ficavam 5 ou 10 anos no mesmo clube. Aquilo era time. As mesmas pessoas, todos os anos. E era muito mais fácil formar um time de botão. Aliás, foi nessa época que me viciei em jogo de botão.

Eu gostava do Forlan, um lateral direito raçudo e violento. Meio grosso, como eu. Gostava do Roberto Dias. Era o meu preferido, não sei bem por que. Gostava do Terto e do Paraná, dois pontas meio cabeças-de-bagre. E gostava do Toninho Guerreiro, um centro-avante como já não se vê por aí. Mas me encantava mesmo com Gérson e Pedro Rocha. Ah! Pedro Rocha era uma coisa à parte. Uma coisa inexplicável. Eu queria ser como o Pedro Rocha, mas não conseguia ser nem mesmo como o Forlan.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Provocando a reflexão

O livro Você está louco!, de Ricardo Semler, é um livro fácil e gostoso de ler. Apesar de abusar um pouco do auto-elogio e de parecer pedante uma autobiografia de um cara de pouco mais de quarenta anos, o livro tem o mérito de mostrar às pessoas que é sempre possível, e mais ainda, saudável, questionar o status quo. Para ele, não vale a velha máxima: "em time que está ganhando não se mexe". Ele mexe. E mexe, nem tanto pra melhorar, mas, principalmente, por vontade de experimentar, de mostrar-se inovador, o que revela sua vaidade exagerada.

Não é tão revolucionário quanto Virando a própria mesa, seu primeiro livro, lançado há quase 20 anos, mas tem a virtude de não se concentrar apenas nos assuntos de administração de empresas. Em Você está louco!, Ricardo aborda temas como a educação, o lazer, a política partidária, a administração pública.

Enfim, um livro que provoca a reflexão. Como todos deveriam provocar.

Bossa Nova afrancesada

Ouvi o nome de Henri Salvador, pela primeira vez, na voz de Maria Bethânia, cantando Reconvexo, de Caetano Veloso:

(...) Quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador

Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô

E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não (...)

Muito tempo depois, passeando na livraria Cultura, vi o CD Chambre avec vue e o comprei sem pestanejar. Por causa da canção de Caetano, por causa da capa do CD, deliciosa.

Henri Salvador nasceu na Guiana Francesa e foi, ainda jovem, para Paris fazer parte do conjunto de Django Reinhardt. Andou pelo Brasil, namorou a bossa nova e criou um jeito de cantar e fazer música que tem muito a ver com o que eu gosto de ouvir.

Justamente eu, que tenho muita má vontade quando algum americano cisma de fazer bossa nova, fiquei encantado com a bossa afrancesada de Salvador. E acho que dei sorte comprando esse disco, já que depois dele, ouvi vários outros que não me seduziram tanto.

Agora, Henri Salvador gravou o CD Révérence. O disco ainda não saiu por aqui, mas já saiu na Europa. Tem arranjos de Jaques Morelembaum, participação de Caetano Veloso e foi gravado no Rio. Não sei se é bom, mas vou comprar, com certeza. Mesmo sabendo que não vai ser melhor que Chambre avec vue. Tem coisas que não acontecem.

domingo, 5 de novembro de 2006

Deck Sousas. Duas épocas.

Conheci o Deck Sousas numa época em que era possível ir lá num domingo à tarde pra ler, ouvindo só música instrumental às margens do Rio Atibaia. Na época em que um público silencioso se deliciava com o som do clarinete de Anderson e do violão de Marcelinho, de onde saiam belos chorinhos, algum tango do Piazzola ou uma Bachiana de Villa Lobos. Era delicioso ficar lá, lendo os jornais, tomando uma cerveja honesta e degustando carne seca com abóbora.

Hoje o Deck não é mais assim. Hoje, as tardes de domingo são mais festivas, com um público barulhento e sedento por agitação e folia. E hoje, a música é mais pop, com o som agitado (e um pouco estridente) de Doca Furtado. Hoje tem uma maior variedade de pratos, principalmente depois de uma bem sucedia parceria com o restaurante Idalvo’s. E o chope está ótimo.

O que não mudou foi a simpatia com que nos recebe o Elder, sempre atencioso.

O Deck está pior ou melhor? Talvez nem uma coisa, nem outra. Depende do gosto do freguês. Depende do que o público quer. Se você está a fim de uma tarde de domingo de festa, vá ao Deck.

Eu devo continuar indo. Pelo menos, naqueles dias em que eu quiser alguma agitação.

sábado, 4 de novembro de 2006

Tatiana Rocha em Holambra

Vale a pena ir até Holambra por causa do Vila de São Paulo. E vale a pena ir ao Vila de São Paulo por dois motivos. A comida é excelente e a acústica é perfeita. É um dos poucos espaços com música ao vivo, na região, em que os clientes falam baixo, não atrapalhando o músico (principalmente na ala de não-fumantes).

Ontem, fui lá com a Clélia e a Cecília e a viagem valeu a pena por um terceiro motivo. Conhecemos a Tatiana Rocha. O meu amigo Bruno Ribeiro já tinha escrito, em algum lugar, que ela é a maior cantora do Brasil. Sabendo como ele é exagerado e como é generoso com os amigos, mesmo assim, resolvi conferir.

Cantora e compositora de primeira, Tatiana é além de tudo uma delícia de pessoa. Ótimo papo, conversa franca e direta e um repertório de arrepiar. Ela sabe fugir do lugar comum e evita os hits e as “mais pedidas”. Desfilou dezenas de canções do meu tempo que me emocionaram. E ainda nos brindou com algumas composições próprias.

De quebra, ganhamos um CD, saído do forno, que vim ouvindo no carro, durante a viagem de volta. Gostei bastante.

Vale a pena comprar esse CD. Basta mandar um e-mail para:
tatiana@mpbnet.com.br

Sempre vale a pena ouvir a Tatiana.

Comida boa em Indaiatuba

Exceção feita à família e aos amigos, pouquíssimas coisas suscitam saudade de São Bernardo do Campo, desde que nos mudamos para Valinhos. São Bernardo tem a característica de possuir todas as coisas ruins de São Paulo – trânsito, violência, poluição – sem ter quase nenhuma das coisas boas, como cinema, teatro, shows. O pouco que provoca saudade daquela cidade são alguns restaurantes especiais, como os de frango com polenta, do bairro Demarchi, e o Costela & Cia.

E não é que, depois de uns anos morando aqui, descobrimos que há um restaurante quase igual, em Indaiatuba? Trata-se do restaurante Kostela do Japonês. Parece que os donos são parentes do Tadashi, de São Bernardo, e a maneira de preparar a costela é a mesma da casa que nós tanto gostávamos.

No feriado, fomos, Clélia, Cecília e eu, mais uma vez pra Indaiatuba, onde nos deliciamos e nos empanturramos. O diferencial da casa é que a costela, ao invés de ser assada na brasa, é assada na lenha. Isso dá a ela um sabor diferente, especial. Outros itens especiais são o arroz e o feijão cozidos naquelas panelas elétricas japonesas, criminosamente saborosos, de tão simples. A combinação é perfeita e seria suficiente. Mas há ainda algumas opções de salada, polenta e batata fritas.

O serviço é simples e é o cliente mesmo que se serve na geladeira de bebidas e de sorvetes. Por isso, a casa não cobra os 10% adicionais. E ninguém controla nada. Na hora de pagar, lá fora, no caixa, o cliente informa o que consumiu e se faz a conta.

Indaiatuba é bem pertinho. Em menos de meia hora se chega lá, vindo de Campinas. Apesar do pedágio, vale a pena ir.

Kostela do Japonês
Rua 15 de Novembro, 1473 - Centro - Indaiatuba
(19) 3894-6646

Enfim, blogueiro.

De tanto entrar em blogs de pessoas que admiro e de pessoas amigas, essa atitude passou a ser um vício. Vício tão freqüente e tão prazeroso, que identifiquei a vontade de virar, eu mesmo, um blogueiro também. E, depois de pensar muito sobre o que escrever nesse blog, cheguei à conclusão óbvia de que seriam as coisas que eu já penso, falo e escrevo e que compartilho com os amigos. O novo, agora, será tornar essas idéias, reflexões, opiniões e, sobretudo, dúvidas, públicas, encarando o desafio de receber críticas de pessoas que eu não conheço e das quais não sei as intenções.

A principal dúvida que me assaltou, antes de tomar essa decisão, foi saber quem iria ler esses textos. Ainda não sei, mas aí, certamente, contarei com o poder divulgador da Clélia, que sempre me acompanha e é minha primeira leitora e crítica, desde sempre.

Será um exercício bom.