Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Rio de Janeiro

Pela primeira vez na história, o governo do estado do Rio de Janeiro está tomando a direção correta no tratamento da questão da segurança na cidade maravilhosa. Se estivesse ouvindo o clamor da Zona Sul, entraria nas comunidades atirando, destruindo tudo, eliminando o inimigo no peito e na raça e arrastando junto uma multidão de gente inocente. Sim, pois, pra grande parte de quem mora no Leblon, não faz muita diferença se algumas crianças da favela tiverem que morrer pra que se mantenha os traficantes restritos ao que eles consideram o seu lugar. Pra parte da classe média e pros emergentes cariocas, o que acontece no morro não tem a menor importância, desde que não vaze para o asfalto. Afinal, o que ocorre nestas comunidades só incomoda a turma que mora na Barra da Tijuca, se isto provocar o atraso das empregadas domésticas na chegada ao trabalho ou dificultar o fornecimento, em domicílio, de maconha e cocaína.

O que está ocorrendo neste momento, na cidade do Rio de Janeiro, e que nunca foi feito antes, nem mesmo no governo de Brizola, é que a população destas comunidades está sendo respeitada, o que deveria parecer natural, mas não é, dado o ineditismo do fato.

O ponto crucial para o sucesso, ao menos até o momento, desta empreitada, está sendo o uso da inteligência, ao invés da truculência. Ao empurrar os soldados do tráfico para fora de seus domínios e os obrigar a deixar pra trás, armas, drogas e dinheiro, o estado está atingindo seu ponto mais sensível, já que, neste ramo de negócio, capital de giro e liquidez são essenciais.

Se encararmos o tráfico como um negócio comercial, coisa que ele é, na sua mais absoluta essência, perceberemos que segue exatamente as mesmas lei básicas de qualquer segmento de mercado, regido pela lei da oferta e da procura e pelas dificuldades da concorrência. Por ser um produto de alta demanda e pela proibição oficial de seu comércio, o fator preço não é o que dita as decisões do planejamento estratégico neste negócio, assim como a propaganda não é o fator fundamental da gestão de marketing.

Neste ramo de atividade, o sucesso competitivo se obtém através da aquisição de armas e a lucratividade advém do capital de giro. Agir, portanto, como a polícia está agindo, ao subtrair dos traficantes as armas e as drogas, mina os dois mais importantes pilares deste negócio.
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De negativo, nesta história toda, eu identifico a ação da mídia. Pela TV aberta, direcionada à população mais pobre, emissoras como Band e Record, tratam o assunto como tratam as enchentes e as catástrofes que acontecem nas cidades, com seu costumeiro alto grau de dramaticidade e hipocrisia. Pela TV paga, o canal de notícias da Globo dirige seu noticiário à classe média, tentando mostrar que a polícia está fazendo o papel que esta parcela da população espera da corporação, ou seja, impedir que o que acontece dentro daquele mundo não resvale para o mundo das pessoas de bem.

Felizmente, a polícia está fazendo muito mais que isto. Ao menos por enquanto, está dando um sopro de esperança de que, finalmente, o estado brasileiro pode trazer, no futuro, um pouco de dignidade a esta gente.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Cantando as músicas dos outros

Há compositores que cantam tão bem que acabo preferindo ouvi-los cantando músicas de outros autores às suas próprias composições. É o caso de Ed Motta, por exemplo, que, em minha opinião, registrou a melhor gravação de Imagina, de Tom Jobim e Chico Buarque. Sinto a mesma coisa em relação a Zélia Duncan.

O inverso disso são aqueles compositores cujas músicas ganham brilho na voz de outros cantores, como é o caso de Guilherme Arantes. Basta ouvir as estupendas gravações de Aprendendo a jogar, na voz de Elis Regina, Coisas do Brasil com Leila Pinheiro ou Amanhã cantada por Caetano Veloso. Interpretadas pelo autor são baladinhas despretensiosas.

Djavan não se encaixa num caso e nem no outro. Embora algumas de suas letras sejam absolutamente incompreensíveis para o meu limitado entendimento, o som destas palavras, emolduradas por suas melodias, quase sempre, fazem bem aos meus ouvidos. E apesar de suas canções já terem sido gravadas por grandes cantores, normalmente, suas próprias interpretações são as mais interessantes. E foi por isso que fiquei curioso para ouvir o seu último disco, Ária, em que ele só canta músicas de outros autores.

O disco é bom, sem ser espetacular. A principal virtude é a diversidade de autores. Djavan mistura Cartola, Tom, Vinícius, Caetano Veloso, Beto Guedes e Silas de Oliveira, entre outros, sem que isso transforme o disco em uma gororoba sem sabor definido. A segunda virtude é a simplicidade e o minimalismo dos arranjos, o que permite, ao ouvinte, degustar com mais facilidade a voz do cantor. Ironicamente, estas duas virtudes é que propiciam os dois principais defeitos do disco. A diversidade acaba permitindo alguns equívocos, como a inclusão de La Noche e Fly me to the moon, músicas cantadas num espanhol e num inglês pouco convincentes. O segundo equivoco é a inclusão de Treze de Dezembro, um xaxado instrumental de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, gravado num vocalise em ritmo um tanto jazzíztico. Poderia ter gravado com a letra que Gilberto Gil compôs e nos livrar da inclusão de Palco, do mesmo autor, com a qual ele fecha o disco. Outro defeito é justamente a voz do cantor que parece, neste disco, inexata, talvez cansada. Não chega a desafinar, mas não se oferece límpida.

Felizmente, as virtudes vencem os defeitos com folga e, com isso, ouvir o disco acaba sendo uma experiência prazerosa.



Disfarça e chora (Cartola e Dalmo Castello)