Os comerciantes mais antigos, alguns da primeira geração, não aprovam a novidade, conscientes de seus interesses e da vocação verdadeira do mercado. A novidade mais revolucionária é o fato dele abrir aos domingos, dia em que ninguém deveria ir ao mercado. Aliás, nos finais de semana, você se sente um extra-terrestre caso vá lá “apenas” para comprar algum ingrediente para um jantar especial ou para abastecer uma dispensa criativa. Aos sábados e domingos, vai-se ao mercadão para passear. Virou um programa. Não há mais as bancas em que se podia comprar galinhas, patos ou coelhos, ainda vivos, para preparar uma refeição com produtos frescos. Hoje, os corredores ficam infestados de gente formando filas para comer os sanduíches de mortadela que, de tão famosos, acabaram virando artigos esdrúxulos, com recheios exageradamente gigantescos para justificar seu preço gigantemente exagerado. No início não era assim. As pessoas comiam sanduíche de mortadela, pois sentiam fome e tinham que comer alguma coisa que não fosse cara. Tudo, agora, está invertido.
É só no mercadão que se pode sentir todos os aromas e sabores, tocando nas coisas, cheirando as lingüiças, provando as azeitonas. É quando se pode deixar a mente viajar e a imaginação criar possibilidades de pratos prazerosos. É onde se pode pensar numa variação para o bacalhau, de diversas procedências, para todo tamanho de desejo e de bolso.
É só no mercadão que a velha senhora pode comprar ingredientes que a remetam aos sabores de sua juventude, naquela época em que os alimentos não haviam sido, todos eles, industrializados, trazendo junto com isso o sabor plastificado. É onde se pode examinar cor e textura do que não está acondicionado em refrigeradores cuja luz faz com que tudo tenha a mesma cor, pasteurizando a nossa vida.
É só no mercadão que se pode encontrar a maior quantidade de temperos que enriqueçam o mais banal dos pratos, emprestando-lhes sabores espanhóis, italianos, turcos ou genuinamente brasileiros. A infinidade de condimentos faz qualquer aluno iniciante entender melhor porque é que se gastou tanto dinheiro na época das grandes navegações, em busca de especiarias.
Ah! Os queijos. Os queijos são o principal motivo que me impelem a ir para o Brás, sempre que posso. É só lá que consigo um cacciocavalo honesto, com sua manteiga irresistível. É onde compro o meu preferido Prima Donna pelo preço mais acessível. É onde os holandeses esbanjam sua soberania. É onde consigo provar muitas fatias, até achar o sabor exato, a cura certa.
Que dia saboroso. Que jornada extasiante. Mercadão aos domingos, nunca mais!
7 comentários:
Arnaldo, cinco coisas sobre o post:
1. Quase fui ao mercadão hoje para comprar amêndoas douradas e prateadas (encomenda de uma prima de Fortaleza), mas quando lembrei que era sábado, abortei o plano! É realmente insuportável! Nunca fui no domingo, mas sei que muitos dos boxes não abrem! É turismo puro!
2. Lindas as fotos.
3. O Prima Dona também é o meu preferido!
4. Para compras maiores (de final de ano, ou festa em casa) opto pela zona cerealista - Rua Santa Rosa, mais especificamente - os preços são bem menores, e fica ao lado do mercadão. Vale a pena conferir!
5. Seu texto ficou ótimo! Certamente um dos mais interessantes e instigantes sobre o local e, embora você reclame do turismo, quem ler, vai querer correr pra conhecer. Curioso, não?!
Inté.
coisa bem boa este mercado.
aliás, o mercado de POA também é legal.
e o BH, que conheci recentemente, também.
eu gosto da confusão do entorno, do clima, das cores, aromas e texturas.
Fui ao Mercadão uma vez só, num grupo de 40 pessoas. Parecíamos turistas mas não... éramos estudantes de Geografia buscando no mercado alguns (achamos muitos) marcos da imigração para o Brasil.
Seu texto falou um pouco do que vimos. Vimos a África, o Oriente Médio, o Extremo Oriente, a Oceania, a Europa e, claro, o Brasil que não é São Paulo, com frutas do Norte do Brasil etc.
Quero levar minha senhora, que nunca esteve lá, para que ela conheça esse espaço maravilhoso e possa experimentar desses sabores e olores universais.
Belo texto, belas fotos e belo mote, meu velho!
Abraços!
Fala Arnaldo,
Mais uma vez um excelente texto. Remete à muitas de nossas lembranças de família. Comida de Vó, ida com meu Pai na feira da Riberia na década de 70 na Ilha do Governador/RJ, pra comprar algo pro almoço de família do domingo. Vez ou outra ele levava um ramo de flores pra mamãe. Que saudades! Eu estive no Mercado num sábado, uns 2 anos atrás, depois de fazer as compras na Santa Rosa também. Lá o preço é mesmo melhor. Fui no Mercado só pra ver mesmo, e confirmar que tinha feito uma boa compra antes. Lembro que na época, o kilo do "Jamon", que na Santa Rosa já tinha a partir de R$60,-, no Mercado não existia abaixo de R$80,-. Essa dica do dia de semana é boa. Vou separar uma segunda-feira pra isso novamente... Abraços
delicía de post....
eu, como a vanessa, ia na zona cerealista também!
bj
Pelo jeito, essa zona cerealista é um lugar que vale a pena ir. Quando eu voltar pra São Paulo vou dar uma checada. Eu fui à rua Santa Rosa há muitos anos atrás e me lembro que só havia armazens de cebolas, alho e batatas, e assim mesmo, pra comprar em grandes quantidades. Mas isso faz muito, muito tempo mesmo. Vou conferir.
oLÁ Arnaldo
sou jornalista e estou escrevendo uma materia sobre o mercado e arredores para a revista Living Alone. voce topa dar umas dicas, ja que conhece tao bem o lugar?
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