Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Avidez

Faz muito tempo que eu não lia um livro com tanta avidez. Elogiado por Elio Gaspari em sua trilogia da ditadura brasileira como o mais importante documento sobre a conspiração dos militares, Visões do Golpe - A memória militar de 1964 foi lançado em 1994 pela Relume-Dumará e relançado, 10 anos depois, pela Ediouro. Organizado por Maria Celina D’Araujo, Gláucio Ary Dillon Soares e Celso Castro, o livro traz depoimentos de 12 militares que participaram ativamente da conspiração que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Todos oficiais de média patente, nenhum deles teve ação decisiva na eclosão do movimento, levado a cabo por generais, mas ao curso do tempo, foram sendo promovidos ao generalato e conduziram o regime ao longo de 20 anos com a morte ou reforma daqueles que deflagraram o golpe. O golpe, aliás, presente no título, é tratado pelos entrevistados por revolução, como se ela tivesse se originado do seio e dos anseios da população. Defendem o golpe com muita altivez.

Deixando claro que têm, muito firmemente, suas próprias convicções, os organizadores decidem eximir-se de mostrá-las para oferecer aos leitores o pensamento dos militares entrevistados. Sendo assim, o livro acaba não cometendo o maior pecado que cometeu Elio Gaspari ao não conseguir disfarçar sua clara admiração por Geisel e Golbery em sua trilogia. Esta é a diferença entre livros de história quando são escritos por jornalistas e quando são escritos por cientistas políticos, sociólogos ou historiadores.

O que fica patente, no livro, além do fato de todos os entrevistados defenderem o golpe, é a clara existência, na época, de dois grupos distintos dentro das forças armadas. Os Castelistas e os Costistas, uns defendendo a legalidade e outros, a chamada Linha Dura. Todos eles reconhecem que Castelo Branco tinha por objetivo devolver o poder a um civil depois de seu mandato. Segundo eles, esta disposição foi atropelada pelo grupo da linha dura que teria, aliás, levado Costa e Silva a apoiar esta direção. A maioria admite que Costa e Silva queria o poder, desde a deflagração do golpe, o que não significa que quisesse a presidência. Isto, pra mim, é mais do que suficiente para caracterizar o regime como uma ditadura.

Independentemente das questões históricas, o relato dos entrevistados serve para deixar muito clara a maneira como pensam os militares, como eles se consideram em relação aos civis e como é importante, mais do que tudo, a questão da hierarquia dentro das corporações. Tanto que, todos eles não hesitam em apontar como causa da deflagração do golpe o apoio que Jango deu aos sargentos e marinheiros nos momentos em que se sublevaram ou questionaram a ordem estabelecida dentro das casernas. Muitos deles não titubearam em declarar que sem este apoio, provavelmente, os militares não teriam se unido a ponto de desferirem o golpe no estado. Afirmam, sobretudo, que Castelo Branco não o faria.

E esta afirmação me leva, sempre, a fazer pequenas digressões condicionais. Como seria o nosso futuro se Jango não tivesse sido deposto? E se Jânio não tivesse renunciado? Aliás, o que teria acontecido se Lott não tivesse garantido a posse de Juscelino? O que teria sido de nosso país se Getúlio não tivesse dado um tiro no peito? Nada disso, porém, serve pra alguma coisa. A história não admite o uso da conjunção condicional.

O livro trata apenas do período que vai da tomada do poder até a posse de Costa e Silva, como segundo presidente militar. Engloba, portanto, o tempo anterior ao recrudescimento do regime, com sua onda de repressão e tortura, marcas registradas dos governos de Costa e Silva e Médici. Mas, como na obra de Gaspari, este livro faz parte de uma trilogia. Sendo assim, já tenho em minhas mãos o segundo volume, cujo título é Os anos de chumbo. Este, sim, é um período que me interessa ver como os militares vão encarar.

2 comentários:

Lord Broken Pottery disse...

Arnaldo,
Esta época ainda me dói, provoca indignação demais. Não conseguiria ler com a isenção necessária.
Grande abraço

A n d r e a disse...

Nada a ver ou talvez algo a ver, mas sabe que o cd do Ivan Lins ao lado do texto sobre o golpe me lembraram do único disco do Ivan que tenho e adoro, que é aqule que tem a foto criminal dele na capa, qdo foi preso durante a ditadura..