Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Novela

Eu não assisto a novelas na televisão. Já assisti, não assisto mais. Há pelo menos 15 anos. Já gostei, não gosto mais. Não tenho paciência, acho as tramas previsíveis e repetitivas, acho o trabalho dos atores estereotipado. Antes eu gostava. Mudaram as novelas ou mudei eu, tanto faz. Isso pouco importa. O que importa é que eu não vou utilizar meu escasso tempo livre com alguma coisa que não me dê prazer. E eu dou extremo valor ao prazer. E no meu prazer quem manda sou eu. É por isso que eu não vou me submeter a que escolham algo pra mim, que elejam o que me seduz, que decidam o que está na moda. A moda não me importa. Não me interessa ser moderno.

Lembrei-me das novelas enquanto lia o livro Meu destino é pecar, de Suzana Flag, ou melhor, de Nelson Rodrigues.

Na década de 1940, Nelson Rodrigues já era um jornalista conhecido e polêmico, quando começou a escrever peças de teatro. E, mesmo depois do grande sucesso de Vestido de Noiva, continuava driblando dificuldades financeiras. Foi aí que surgiu a oportunidade de escrever um folhetim para ser publicado em capítulos em O Jornal. A oportunidade de amenizar a necessidade financeira não era suficiente para que ele expusesse seu nome de dramaturgo de respeito. A solução para isso foi a criação de um pseudônimo: Suzana Flag. O folhetim foi um sucesso retumbante, levando a tiragem do jornal de 3.000 para 30.000 exemplares!

Seja como dramaturgo, seja como Suzana Flag, Nelson Rodrigues sempre foi um profundo conhecedor da alma humana, sobretudo do brasileiro, mais ainda do carioca. Sempre foi sua especialidade esmiuçar e expor as vísceras de nossa sociedade. Sempre foi de seu feitio, mostrar a mais bárbara sordidez de que somos todos capazes. Agradava-lhe escancarar nossas chagas.

O que mais me seduziu no livro foi o retrato da época. Estamos falando da década de 1940, época em que infame era uma ofensa insuportável, época em que jurar era suficiente para se ter crédito, em que a idéia de pecar amedrontava. O livro transpira sensualidade sem que tenha uma só referência ao sexo ou mesmo à nudez, onde o ombro à mostra excita e o beijo roubado é o ápice do contato corporal.
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É, sem dúvida, um precursor do que vieram a ser as novelas no rádio e, mais tarde, os folhetins que invadiram a nossa TV. Hoje, com toda a tecnologia, com todo o dinheiro derramado neste instrumento de distração da família típica brasileira, sinto falta da carga dramática e da emoção que se produziam décadas atrás. Talvez por uma falha de caráter coletiva, ninguém mais se escandaliza com um beijo roubado.

8 comentários:

DOIDINHA DA SILVA disse...

Fiquei curiosíssima...
Preciso me conter : sou compulsiva com livros....

jayme disse...

Creio mesmo que até o sentido delicioso do "beijo roubado" sumiu. O grande extinto dos nossos tempos é a sutileza. Abração,

Valéria Martins disse...

Querido Arnaldo, eu não li "Meu destino é pecar" - AINDA, porque amo o Nelson, que era muito amigo do meu pai -, mas já li outra novela da Suzana Flag, dessa mesma época: "Núpcias de fogo". Sensacional!

Li em uma época em que estava investindo em cursos de roteiro e lembro de como ele terminava cada capítulo em um ápice que nos impulsionava para frente, na expectativa de conhecer o resto da história. Li o livro em uma semana e não é fino, é bem grossinho.

Agora, vou buscar "Meu destino é pecar" que tem nova edição pela Agir.

Um beijo,

Eli Carlos Vieira disse...

Legal ver post novo seu aqui. Sem dúvida, fica uma ótima dica de leitura (umas três pessoas já me recomendaram "Meu destino...", por conta de Susan Flag).

O tempo, os costumes, as mudanças...

Acredito, Arnaldo, que haja exceções, em se tratando de novelas, atores, atuações e enredos, atualmente no Brasil. Penso, ainda, que é possível, sim, dar atenção a algumas tramas existentes na TV. Mas isso é questão de visão e vivência na questão de teledramaturgia (que quase não tenho). Mas me pego por vezes impressionado com certas atuações, certas falas e emoções que vejo.
Realmente algumas sutilizas não se têm hoje, como aquelas mulheres tidas como descaradas, porque mostravam o tornozelo todo. Ou ainda aquelas que ficariam faladas se ficassem de papo com homem desconhecido na rua.

Mas, por outro lado, temos uma coisa que tem virado moda nas telas: levar problemas e situações vividas por qualquer um, direto para as histórias encenadas nas novelas. Questões cotidianas como uso de drogas, distúrbios gerais (pedófilos, maníacos, assassinos), preconceitos diversos (relativos a cor, orientação sexual, etnia, sexo etc), além de inúmeras outras situações, que fazem com que o telespectador se veja retratado na dramaturgia e assim, tendo seus problemas sendo temáticas para discussões. Vejo que essa tática de humanizar as novelas e chamar atenção para fatos “modernos” encontrados bem ali na esquina, seja uma forma de renovar a arte da atuação, uma vez que o público (sem generalizar) já não se sente tão atraído por padrões de comportamento e costume que havia em décadas atrás (o que acaba retornando como épico-curioso).

É claro que há péssimos (e muitos) autores, tramas, atores, textos, cenografias, mas não é generalizado - há exceções. E é por aí, sobretudo, que primo.

Abração e boa semana, Arnaldo!

Andrea Nestrea disse...

eu li o livro e vi o filme, só que agora não em lembro o nome, sei que tem a dina sfat....
do fundo do baú essa, hein?!
vi em plícula, na eca, na usp, num curso todo dedicado ao grande nelson!
beijos

Eli Carlos Vieira disse...

Arnaldo, achei essa entrevista de Aguinaldo Silva sobre a questão de qualidade da tedramaturgia brasileira.
Está em: http://veja.abril.uol.com.br/noticia/variedade/novela-aguinaldo-silva-tv-globo-472783.shtml

Achei válido o papo dele!
Abração.

cris K disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
cris K disse...

oi arnaldo, esse livro é o máximo mesmo. foi meu companheiro num feriado de perna quebrada em Prumirim. sério que os intelectuais presentes na casa não acreditavam que eu iria 'perder' meu tempo lendo um romance (nunca soube se era eram contra o tamanho do livrou ou a capa. rs), mas foi divertidíssimo, li numa tacada só. e me vi inteira dentro da história, esse poder de folhetim do nelsão né?!
encontei aqui o "o home proibido" (com uma dessas capas inacreditáveis) é o meu próximo divertimento, e sem perna quebrada dessa vez. abraço.