Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 26 de maio de 2013

K.

Ano que vem, vão fazer 50 anos do golpe de 1964. Faz pouco tempo, se considerarmos que muitas consequências daquele acontecimento refletem na nossa vida até hoje. Mais relevante que isso, entretanto, é o fato de que a ação do aparato militar que sustentou o regime, por 20 anos, influiu na vida de muita gente que, ainda hoje, sofre seus efeitos.
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Apesar de tudo isso, há quem alegue desconhecimento do que ocorreu naqueles tempos. Essa alegação, aliás, já era utilizada naquela época, principalmente pelas pessoas que preferiam fechar os olhos e a consciência para o que estava acontecendo. E é justamente neste tipo de manifestação de desconhecimento (outrora chamada alienação, hoje o termo saiu de moda) que reside o perigo da reincidência nos erros. Uma sociedade que não conhece seu passado e não enxerga o presente, não consegue construir o futuro. Outras sociedades souberam encarar com coragem e determinação seus passados pecaminosos e expurgar suas culpas através da devida apuração dos fatos e punição dos culpados. Mais do que isso, sabem, até hoje, manter viva a verdade a respeito do que se passou para evitar a recidiva. Isso acontece na Alemanha em relação ao regime nazista e na Argentina em relação à ditadura militar, ocorrida, mais ou menos, na mesma época que a nossa.
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Enfim, para evitar o perigo, nada melhor que a verdade. E é da busca pela verdade, o tempo todo, que trata o livro K., de Bernardo Kucinski. É um livro de ficção, garante seu autor, mas nada nesta história é ficção. O relato se baseia no desaparecimento de sua irmã, Ana Rosa Kucinski, professora-doutora do departamento de química da USP e de seu marido Wilson Silva, em 1974, época em que o Brasil vivia sob a ditadura de Ernesto Geisel. O livro não trata do regime e sim da angústia de quem procura um familiar desaparecido. E, nesta procura, os personagens com que se envolve K. não são nada fictícios. Sem citar nenhum nome, é fácil, para quem conhece um mínimo da nossa história recente, identificar Sérgio Paranhos Fleury, D. Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel, dentre as figuras que permeiam a trama.
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Angústia, tristeza, revolta, impotência, enfim, todas estas sensações conduzem a narrativa, extremamente emocional, para um final mais do que previsível, tanto para quem já sabe tudo o que ocorreu nos porões do regime, quanto para quem, como K., vivia aquele momento, mas buscava, com uma reconhecida falsa esperança, agumas respostas que nunca foram dadas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar de todo o povo dizer que o Brasil esteve sob o regime "DITADURA" eu não concordo, pois na ditadura não há sucessão, e nós tínhamos. É conceitual. Eu diria que tivemos MILITARISMO.
Um abraço, Haroldo

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Tivemos ditadura sim, Haroldo. E eu nem costumo dizer que tenha sido uma ditadura militar pois os militares foram, apenas, o braço armado de um regime patrocinado por um segmento da sociedade que se beneficiava daquela situação.

Quanto à sucessão, faltou a ela o caráter democrático, o que estávamos longe de experimentar. O que houve, isso sim, era a disputa pelo poder entre grupos dentro de um grupo, o que levou ao "golpe dentro do golpe" em 1968 e a retomada do poder pelo grupo original em 1974.

Enfim, o que caracteriza um regime ditatorial (e o diferencia de um regime democrático) não é a ausência ou não de sucessão, mas sim a ausência de liberdade de expressão, a presença da censura e, o que foi mais grave, a atuação do estado cometendo crimes como sequestro, tortura, morte e desaparecimento de adversários políticos.

Um grande abraço.