Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Maturidade


No programa Fim de Expediente, que acontece às sextas-feiras, na rádio CBN, quase sempre com um convidado, o apresentador costumava fazer uma rodada de perguntas em que o entrevistado tinha que optar entre duas alternativas: Beatles ou Stones? Grande Otelo ou Oscarito? Bill Gates ou Steve Jobs? Spielberg ou Scorsese? E por aí vai.

Uma das perguntas, invariavelmente, era: Chico ou Caetano?

Sempre achei errada esta pergunta. Em minha opinião, ela deveria ser: Chico ou Gil?

De qualquer forma, tenho convicção de que estes três artistas são a real representação da geração mais criativa que a nossa música já teve. Muita gente boa veio depois, mas nenhuma chegou perto deles. E antes, também, tivemos artistas de altíssimo calibre, dos quais eles souberam beber da fonte.

Rondando os 75 anos, todos eles, há algum tempo não me empolgam seus discos com músicas inéditas. Não está embutida aqui uma crítica e sim uma percepção. Beirando os 60, eu compreendo, absolutamente, que, aos 75 anos, uma pessoa não esteja mais em seu ápice de criatividade.

De Caetano, o último disco que me empolgou foi Livro, e aí já se vão 20 anos. Depois disso, nos 4 álbuns que apresentaram composições inéditas, Noites do Norte, , Zii e Zie e, por fim, Abraçaço, ele foi caminhando por uma trilha que privilegiava a estética da música eletrônica e o ritmo sintetizado, coisa que não me agrada. Questão de gosto, reconheço.

Já faz 20 anos, também, o lançamento de As Cidades, o último disco de inéditas de Chico Buarque a me empolgar. Em seus 3 discos seguintes, Carioca, Chico e Caravanas, o compositor foi se aproximando, cada vez mais, de harmonias complexas, intrincadas, exageradas nas dissonâncias. Apesar de desagradar meus mal treinados (ou cansados) ouvidos, não posso deixar de reconhecer que em cada um destes discos, há, ao menos uma obra-prima: Dura na Queda, Sinhá e As Caravanas, respectivamente.

De Gil, diferentemente dos outros dois ícones da MPB, não se pode dizer que tenha enveredado por caminhos heterodoxos na prática de compor canções. Por outro lado, este artista não lançava um álbum com músicas inéditas (Fé na festa) desde 2010. Pois eis que, mês passado, acabou de sair OK OK OK, pela Biscoito Fino.

Possivelmente, seja o disco mais emotivo que Gil já tenha lançado. Cheio de referências ao seu momento pessoal, suas composições discorrem sobre atuação política, velhice, doenças e família. Recheado com canções dedicadas aos netos e à bisneta, estas configuram a parte menos interessante do CD. Há, entretanto, algumas obras-primas no disco, mostrando que, mesmo num momento mais intimista e emotivo, o compositor baiano não perdeu a verve poética. Muito pelo contrário.

Vale muito a pena prestar atenção em Jacintho, em que ele usa a figura de linguagem da aliteração com rara maestria. Em Yamandu, ele homenageia este genial violonista (Com seu violão ligeiro, parece que é pressa, mas é só suingue à beça e bossa e vibração no corpo inteiro. Só quem segue o Yamandu, é o frisson do pandeiro). Afogamento é de um lirismo comovente, que ele divide com a voz de Roberta Sá. Mais do que todas estas, entretanto, OK OK OK é a que nos convida para a mais pura reflexão, nestes tempos em que o ódio, definitivamente, está vencendo a tolerância no comportamento de nossa sociedade.

Uma dica: concomitantemente ao lançamento do disco novo, o Canal Brasil passa a exibir, semanalmente, o programa Amigos, Sons e Palavras, em que Gil, ao violão, dialoga com personagens expressivos da cena brasileira, como Caetano, Drauzio Varella, Juca Kfouri, entre outros.






2 comentários:

Clélia disse...

Adoro Jacintho! Neste link, ele fala sobre a música:

Clélia disse...

youtube: JACINTHO | Gilberto Gil | OK OK OK (2018)