Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 17 de junho de 2007

Letra e música

No início era o verbo.

Meu primeiro contato com a música brasileira foi através das letras. Meu pai tinha um caderninho de capa preta, tipo brochura, com inúmeras letras manuscritas, com sua ortografia caprichada, forjada em aulas de caligrafia. Eram letras de sambas, boleros e versões de tangos. Meu pai não cantava e, por isso, aprendi a gostar de algumas letras de música sem conhecer suas melodias. Duas, das que eu mais gostava, eram Molambo de Jaime Florence e Augusto Mesquita e Neste mesmo lugar de Armando Cavalcanti e Klécius Caldas. Amei essas músicas durante anos, sem conhecer as melodias.

Um dia chegou uma vitrola em casa. Velha, usada, com alguns defeitos. E os discos começaram, também, a chegar. Um deles, Serenata, de Silvio Caldas, me desvendaram algumas das melodias do caderninho. A música, pra mim, estava, invariavelmente, ligada às letras. Por isso, eu não via sentido em ouvir canções instrumentais, como um disco de Waldir Calmon (Feito para dançar) que meu pai insistia em tocar. Música sem letra não era nada. Nem clássica, nem jazz, nem chorinho. Nada! Música tinha que ter letra, mesmo que eu não a entendesse. Faziam minha cabeça as letras em inglês, indecifráveis, pra mim. Indecifráveis, mas reproduzidas, a meu jeito.

Despertei pra música instrumental por causa de Egberto Gismonti. Aos 15 anos me caiu nas mãos o disco Corações Futuristas e eu fiquei maluco. Nada se parecia com aquilo, até então. Cada nota, cada acorde, colocado no lugar exato. Aliás, a exatidão foi o que mais me seduziu na música de Egberto. Não queria saber de ouvir outra coisa. E a música instrumental se abriu pro meu paladar, dando chance pro jazz, pro choro, pra Mozart. A palavra não era mais tão absoluta, embora me emocionassem algumas letras de Geraldo Carneiro colocadas nas melodias de Gismonti.

Egberto namorou a música indígena, revelou-me Villa-Lobos e a música eletrônica.

Hoje, faz tempo que não ouço falar nele. Muito pouco conhecido no Brasil, é incensado na Europa e é mais fácil encontrar CDs dele quando viajo pra Alemanha do que nas nossas lojas, onde só se encontram coletâneas. Sumiu do mapa. Sinto saudades de ouvir coisas dele.

Em tempo: Essa caricatura é do grande Baptistão.

7 comentários:

Marcia disse...

conheci Villa-Lobos por meio dele. nunca esqueci o quanto me tocou. :)

Claudia Lyra disse...

Quando eu era garota, gostar de Egberto Gismonti era o supra-sumo da finésse intelectual. Até que eu tentava, fazia cara de inteligente ao ouvir alguma música dele... mas sou muito chulé mesmo.

Maria Helena disse...

Arnaldo,
A boa música sempre faz bem ao ouvido, quer na poesia das letras, quer nos arpejos e acordes da melodia.
Bjs

Graziana Fraga dos Santos disse...

Arnaldo
sempre preferi musica com letra, de preferencia musica brasileira, mas quando ouvi os primeiros chorinhos tive que voltar atrás, musica instrumental tem o seu valor, como disse a maria helena, a boa música sempre faz bem ao ouvido!

Unknown disse...

Grande Arnaldo,

eu sou totalmente ligado nas letras das músicas. Completamente. Tanto que meu sonho era viver como letrista de canção popular. Ser assim, um Paulo César Pinheiro, que paga suas contas dos direitos autorais que recebe todo mês, das letras que faz sob encomenda para os amigos e das palestras que dá Brasil afora sobre a arte de letrar uma melodia. Esse universo me é fascinante. E eu defendo que a música brasileira não é a melhor do mundo só por causa de seus geniais instrumentistas, mas pela beleza e qualidade de sua poesia!

Em tempo: um samba meu foi classificado entre os 12 finalistas do I Festival de Samba Paulista, que acontece dias 26 e 27 no teatro Tuca, em São Paulo. A Anabela irá defender ao lado do time do Cupinzeiro. Cruze os dedos, o júri será composto por Paulo Vanzolini e Eduardo Gudin, entre outras cobras.

PS: estou de férias e mais do que disposto e disponível para armar aquela paella fatal.

Diego Moreira disse...

Meu camarada, no pouco tempo que frequentei a portentosa Escola de Música Villa-Lobos, aqui no Rio, na caprichosa rua Ramalho Ortigão, ouvi falar muito bem da arte deste Caboclo que você exalta, aqui no teu Baú.

Confesso que nunca ouvi rigorosamente nada do cara (nem a música do post) pois sabes que minha "máquina básica" não tem nem placa de som...

Senti, com o post, o cheiro dos velhos corredores da Escola. Posso ver-me ao violão, jogado no chão, na escadaria, ou mesmo na varanda lá em cima, tocando, com displicência, qualquer coisa que me comovesse, naqueles idos de 1997, aos 15 de idade, muito mais menino do que hoje.

Bela lembrança. Vou procurar algo dele pra ouvir.
Abraços!

Eli Carlos Vieira disse...

Sem dúvida uma ótima oportunidade para conhecer melhor esse artista que eu conhecia só por ouvir falar!
Abraço
:-]