Tenho que confessar. Estou viciado.
Não. Não é em cigarro. Não seria depois de velho que eu iria começar a usar alguma coisa que eu nunca tive a curiosidade de experimentar. Também não é em álcool. Apesar de gostar, percebo que estou bebendo cada vez menos. E não é por precaução e nem convicção. É por falta de vontade, mesmo. Deve ser a idade. Também não estou viciado em nenhuma droga, nem das leves, nem das pesadas. Nada, do que já experimentei nesta área, fez a minha cabeça. Estou viciado em House.
House é um seriado americano, daqueles de médicos e hospitais, que passam nas TVs a cabo. Como a minha TV a cabo não tem o canal que passa House, estou me abastecendo na locadora e com isso, me entorpecendo, beirando à overdose.
House não é daqueles seriados cheios de sangue e de tragédias médicas. Quem quiser algo assim deve assistir ER. Também não tem um excesso de tramas românticas entre médicos, residentes e enfermeiras. Isso tudo dá pra encontrar em Grey's Anatomy. House é, praticamente, um seriado de detetives, onde os criminosos são fungos, bactérias e vírus e os policiais são os médicos. Se fosse só isso, já seria interessante, por diferente. Mas o que me seduz neste seriado é o caráter de seu personagem principal.
Greg House é um médico brilhante, talvez o melhor do mundo, principalmente se formos nos basear em sua própria opinião. O que ele tem de brilhante, tem de arrogante e presunçoso. Erra bastante, mas, como acaba sempre acertando no final, isso acaba alimentando mais e mais seu ego. Ele tem, além disso, um total desprezo pela espécie humana, o que poderia ser contraditório em um médico (e é), mas é nesse ponto, mesmo, que reside seu charme e seu poder de sedução.
Apesar de todas estas características, eu simpatizo muito com ele. Com seu senso de humor recheado de sarcasmo e ironia, seu semblante sempre entediado e sua má vontade com as coisas tacanhas da vida. Ao longo de uma maratona assistindo House, noite e dia, nos finais de semana, essa admiração sofre abalos, mas ele acaba sempre me reconquistando e realimentando o meu vício. E aí eu fico pensativo e tento imaginar por que motivo esse personagem me seduz tanto.
A resposta é fácil. É que eu me enxergo neste personagem. Sim, pois, em menor escala, é claro, eu identifico nele a minha arrogância, minha presunção e até a minha falta de fé na raça humana. O que nele é patológico, em mim é característica consciente. Como ele, eu, muitas vezes, passo da conta e abuso da ironia. E ironia é a pior das figuras de linguagem. Afinal, se o interlocutor entende a ironia, ela ofende. Se ele não entende, ela não serviu pra nada.
Não sou como House. Não sou solitário e nem triste. Tenho uma família a quem amo e muito bons amigos. Mas esta identificação com seu caráter me assusta um pouco. E, vendo no seriado, o quanto ele sofre, me amedronto.