Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Dom de criar (e destruir)

Ontem, eu tive a oportunidade de visitar a Lufthansa Technik AG em Hamburgo. É a empresa da Lufthansa que faz a manutenção dos aviões da companhia e, também, de outras empresas aéreas. É um mundo gigantesco, de muita tecnologia. Olhar as entranhas de grandes jatos da Boeing ou da Airbus é absolutamente excitante, até pra quem não dá bola nenhuma pra tecnologia. É impossível não pensar na loucura que é colocar essas toneladas de alumínio no ar, pra voar como se fosse um pássaro.

O rio Elba, que atravessa Hamburgo, parece um mar e através dele se despeja na cidade milhares de produtos naquele que é o maior porto da Alemanha. Em suas margens estendem-se dezenas de companhias de docagem, através das quais são descarregados centenas de conteiners todos os dias. É absolutamente espantoso ver o tamanho dessas docas e a tecnologia envolvida nesse sistema logístico. Visto de longe, parece brinquedo de montar. Parece Lego.

Vendo tudo isso, toda essa tecnologia e grandiosidade, me pus a pensar no quão engenhosa é a mente humana. Quanto trabalho cerebral foi necessário para fazer estas coisas acontecerem. O ser humano é uma espécie que ultrapassa qualquer limite do que consegue imaginar, e constrói o futuro numa velocidade espantosa.

Ao mesmo tempo, comecei a pensar em como é que uma espécie tão criativa e inovadora, que consegue atingir objetivos tão improváveis, que resolve problemas quase insolúveis, como é que o ser humano não consegue resolver o problema da pobreza no planeta, ou acabar com a fome. E aí, toda aquela admiração que eu poderia ter por essa espécie, transforma-se no mais absoluto desprezo. Pois, justamente essa espécie que é capaz de criar, de inovar, de construir coisas grandiosas, esse mesmo animal, é o único, na face da terra, capaz de sentir inveja, agir por vingança, matar com crueldade. O ser humano é capaz de sentir amor por alguém e, ao mesmo tempo, indiferença em relação ao sofrimento de outra pessoa. Consegue usufruir de uma conquista material, sem se incomodar com o fato de que haja alguém passando fome. Passeia num carro de luxo e não enxerga a criança pedindo esmola no cruzamento.

Por tudo isso, acabo pensando que não merecemos esse dom. O dom de tanto criar. Mas, pensando melhor, o preço que pagamos por ter tal criatividade, é ter esse ranço de egoísmo que nos norteia. Uma coisa acaba anulando a outra. E com as mesmas mãos que conseguimos construir, é que iremos destruir e ser destruídos pelos nossos semelhantes.

5 comentários:

jayme disse...

Arnaldo, é exatamente essa comparação que faço todo dia. Como é que pode a mesma espécie que chegou à Lua deixar rolar o Haiti? Como se pode conviver com a idéia de que a riqueza da humanidade já é mais do que suficiente para, distribuída, assegurar uma vida digna para todos? E que 15 dias dos custos da invasão do Iraque alimentarem todos os esfomeados do mundo? É, de fato, assustador.

Diego Moreira disse...

Egoísmo versus solidariedade. Lembra?

"O sonho obriga o homem a pensar" (Milton Santos).

Abraço!

ninguém disse...

Arnaldo. Quem sabe falta exatamente este espanto que lhe bateu? Na hora em que cada um se der conta da sua grandiosidade e capacidade de construir vai repensar quando tiver uma chance de fazer o contrário.

Maria Helena disse...

Arnaldo,
Enxergar esse paralela entre as duas realidades, tb é um dom.
Poucos observam, e menos ainda, tentam transpor e quebrar essas barreiras.
Belo post.

Unknown disse...

andamos sumidos, hein? Saudade, Arnaldo! Mande-me e-mail, perdi o seu...