Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Overdose de cinema

Já falei aqui sobre a dificuldade de assistir a bons filmes nas dezenas de salas de cinema espalhadas pelos inúmeros shopping centers de Campinas. Depois do fechamento do Cine Paradiso, no centro da cidade, só nos restou o Cine Topázio no longínquo e raquítico Shopping Prado para quem gosta de cinema de qualidade.
Neste final de semana não foi diferente. Após avaliar a oferta dos shopping centers mais próximos de casa e perceber (como se já não soubesse) que não havia nada “assistível” nestas salas, dada a enxurrada de blockbusters (agora inventaram esta excrescência de oferecer filmes dublados nos cinemas), resolvi me encher de coragem e encarar a travessia da cidade até o Shopping Prado.
O Cine Topázio, para nossa alegria, oferecia 5 opções bastante interessantes. Fomos no sábado e no domingo, dois filmes em cada dia.
O primeiro a que assistimos foi Os sabores do Palácio, filme francês, delicioso de assistir por causa da língua (falo tanto do idioma quanto do paladar). Trata do trabalho de uma chef de cozinha contratada para cuidar da alimentação do presidente da república, em Paris. Ansiosa em saber quais são os gostos de seu novo patrão, ela se surpreende com a solicitação de que se privilegie a elaboração da comida simples, aquela que era feita pelas nossas avós, na infância. O que surpreende mais, na verdade, é que não se trata de comida fácil ou sem graça. Comida simples pode ser comida elaborada, criativa, difícil e, por isso mesmo, apresentar sabor recompensador.
Embora o filme misture as preocupações gastronômicas com as agruras da convivência com os burocratas do palácio, o que mais me seduziu foi a mensagem de que, seja servindo à mais alta autoridade no país ou a uma turba de trabalhadores na cantina de um local ermo, o serviço deve ser feito com o mesmo esmero e o sabor da comida apresentada deve ser irrepreensível.
O filme aproveita para dar uma cutucada crítica naqueles que priorizam a estética dos pratos ao seu sabor, aos construtores desta culinária que serve muito mais aos olhos do que ao paladar e que desperdiçam o tempo construindo espumas coloridas ou flores de açúcar.
E por falar em flores, Flores Raras foi o filme a que assistimos em seguida. Ele trata da relação amorosa entre a arquiteta brasileira Lota Macedo Soares e a poetisa americana Elisabeth Bishop, no Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960. Com produção cuidadosa, as cenas mostram tanto a cidade do Rio de Janeiro quanto a Serra de Petrópolis como eram naquela época.
Ao lado da questão estética da cidade, que é o principal pano de fundo do filme, há também a referência ao momento histórico em que vivia o país, mostrando a relação próxima de Lota com o político Carlos Lacerda, desde quando ele aspirava ser governador até, depois de eleito, ser deposto e exilado pelo regime cujo golpe de estado, tanto ele quanto ela apoiaram.
Sobre o trabalho dos atores o destaque é para Glória Pires no papel da arquiteta, embora a Lota real tenha sido fisicamente muito menos atraente que a atriz. Outra coisa estranha foi a caracterização de Lacerda que parece, no filme, alguém muito mais leve do que ele era realmente. Independentemente do que se pense a seu respeito, uma coisa que não se pode negar sobre Carlos Lacerda é que ele era uma pessoa intensa.
Intenso é um adjetivo que não se deve utilizar para qualificar o filme uruguaio Tanta Água, o primeiro que vimos no domingo. Um filme, certament, bem difícil de assistir, o que não quer dizer que seja difícil de gostar. Eu, ao menos, gostei. O que chama a atenção é o caráter medíocre da vida real. E uso medíocre com o sentido original do termo, que significa mediano, ordinário, regular. O roteiro trata da vida de pessoas absolutamente comuns, assim como são comuns as coisas todas que acontecem com elas. Neste filme, não acontece nada de anormal, a não ser o fato de 3 familiares, um adulto, uma criança e uma adolescente, estarem viajando em férias no verão. O problema é que, ao chegarem ao seu destino, não para de chover, inviabilizando tudo o que poderia ser feito à guisa de lazer. O que é que tem isso de mais? Nada.
Se é só isso, se ele mostra apenas uma situação corriqueira e absolutamente desprovida de drama ou aventura, pra que assistir a um filme assim? Pois é nesta questão que se encaixa o interesse (ao menos, o meu), porque, apesar dele mostrar um mundo absolutamente regular e normal, ele incomoda. Ele incomoda ao nos mostrar que, talvez, a nossa vida pode estar sendo desperdiçada. Por mostrar que, talvez, trabalhar o dia todo para, no final do dia, comer uma comida básica, informar-se assistindo ao Jornal Nacional e ver algum filme dublado, depois de assistir a alguma novela banal, seja sufocante. O filme incomoda por mostrar que quase todo mundo é igual e que são quase sempre iguais e tacanhas as relações familiares.
São quase sempre iguais as relações familiares e é isso o que nos mostra o filme francês O verão do Skylab. Diferentemente do filme anterior, embora também mostre situações corriqueiras, que todo mundo conhece, o que não falta ao filme é graça. E muita graça, no sentido de ser engraçado e no sentido de ser gracioso. As situações mostradas com esta numerosa família poderiam ocorrer em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo, mas é o fato de ocorrer na década de 1970 que permite que seja ridiculamente engraçado e por situar-se na região francesa da Bretanha que o torna gracioso. A presença das típicas situações envolvendo as grandes famílias, como a comida e bebida fartas (quando não exageradas), a avó meio atrapalhada, o tio meio maluco, as discussões entre cunhados com opiniões contrárias e argumentos absurdos, e as travessuras das crianças. A atuação das crianças, aliás, é o ponto forte do filme, sobretudo a da jovem atriz Lou Alvarez.

Poderia ser mais um entre tantos filmes sobre famílias e suas peripécias, mas o roteiro é tão dinâmico que não dá tempo da gente sossegar. Aliás, tudo é tão ágil que não há momento algum em que tenhamos oportunidade de avaliar se estamos gostando ou não. O cinema poderia ser sempre assim.

3 comentários:

Larissa disse...

Vou voltar para ler suas recomendações com mais cuidado. Aqui em Madrid eu sofro muito porque não basta a grande maioria dos cinemas colocar só blockbuster, eles dublam TUDO! Até o que no Brasil chamamos de "filme de arte", como os europeus e asiáticos... é uma tristeza
Você já viu um uruguaio que chama Whisky? Li em algum lugar que é o melhor filme latino-americanos dos últimos anos. Quero ver também!

Abs

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Tivemos esta experiência na outra viagem que fizemos. O filme era espanhol, mas falado em inglês e, por cima disso, dublado. Ficou horrível.

Sobre este filme uruguaio a que você se referiu, não ouvi nada. Vou dar uma fuçada na internet pra ver se está passando em São Paulo.

Larissa disse...

Arnaldo, o uruguaio que eu falei já é mais velhinho, acho que 2003 ou 2004. Desses que você recomendou, achei o uruguaio o mais atraente! Vou ver se está passando por aqui.

Quanto ao convite, agradeço e com ctza nós iremos da próxima vez. Uma pena que dessa não teremos tempo :(