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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Contrariando a própria convicção

Tenho, cada vez mais forte, a convicção de que não sou mais capaz de assimilar novidades no que diz respeito à música. Eu me pego à procura das mesmas coisas de sempre quando percorro com o olhar as prateleiras das lojas de discos. Aliás, acho que sou o único a chamar os CDs de discos, mas, enquanto seu formato redondo e achatado me permitir esta atitude, resistirei bravamente.
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Mas, voltando às prateleiras, o que meus olhos treinados buscam é sempre a mesma coisa, seja jazz, MPB, Bossa Nova ou o samba autêntico, enfim, o tipo de música que verdadeiramente me emociona. Conscientemente, minha atenção passa ao largo das duplas sertanejas, dos grupos de pagode, do pop, do rap e do rock, seja da música americana, seja da brasileira. Minha visão seletiva me proteje dos discos da Paula Fernandes, do Péricles, do Nx Zero ou da Vanesa da Mata.
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Estou certo, entretanto, que esta autoproteção me impede de descobrir coisas novas que poderiam me agradar e, principalmente, enriquecer meu conhecimento musical e aumentar meu prazer. Afinal, cada vez menos eu consigo encontrar alguma gravação nova quando procuro pelas músicas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Gershwin ou Cole Porter. Além do mais, mesmo os artistas que eu admiro e que ainda estão na ativa, diminuiram, e muito, a produção, o que é compreensível, visto se tratar de sexagenários, no mínimo. Desta forma, é cada vez mais raro o lançamento de um novo disco de João Bosco ou Paulinho da Viola, de Renato Teixeira ou Almir Sater, com, realmente, alguma novidade. Talvez as exceções sejam Caetano Veloso e Chico Buarque que têm apresentado incursões por novos caminhos, embora isso, em ambos os casos, me causem estranheza. No caso de Caetano Veloso, principalmente nos CDs e Zii e Zie, eu identifico uma guinada a certo primitivismo melódico e harmônico que, a princípio, não me agrada. O último disco, Abraçaço, ainda preciso digerir melhor antes de saber o que achei. De qualquer forma, minha relação com a música de Caetano Veloso sempre foi assim. Sempre levei certo tempo para digerir seus discos e, de alguns deles, acabei aprendendo a extrair um grande prazer.
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Chico Buarque segue numa direção oposta à de Caetano e me causa a mesma estranheza. Em seus útimos discos Carioca (2006) e Chico (2011) ele se aventurou em dissonâncias intrincadas que incomodam meus ouvidos mais convencionais. Este incômodo, entretanto, me seduz, já que mostra uma busca por experimentar, realmente, algo novo.
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Falei tudo isso, ou seja, gastei 4 parágrafos e abusei da paciência de quem está lendo este texto para comentar o álbum Indivisível de Zé Miguel Wisnik. Contrariando minha própria convicção, a de que eu não seja capaz de assimilar novidades, este é um autor que me seduziu desde o primeiro momento que ouvi suas músicas. É na interpretação de grandes cantoras como Maria Bethânia, Gal Costa, Zizi Possi, Mônica Salmaso ou Vânia Bastos que seu talento se revela. Embora pareça contraditório, sua música é minimalista e complexa, dois atributos que me agradam muito. Neste novo áalbum, ele nos apresenta 2 CDs, o primeiro em que se acompanha do próprio piano com o suporte das teclas de Marcelo Jeneci. No segundo, é o violão de Arthur Nestrovski que dá o tom. Nos dois casos, a simplicidade dos arranjos e sua voz desprovida de recursos é que permitem perceber a riqueza e a complexidade de suas composições.
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Wisnik é versátil. Faz tanto melodia quanto letra e é capaz de musicar poemas de Fernando Pessoa, Gregório de Mattos e Drumond ou se atrever a colocar letra numa música de Schubert, além de apresentar uma versão para uma bela canção de Henri Salvador. Compõe sozinho e em parceria com Luiz Tatit, Guinga ou Chico Buarque, entre outros. Além de tudo, o álbum tem um projeto gráfico muito criativo.
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 Enfim, um disco e um artista capazes de me fazer acreditar que ainda tenho salvação.
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Se meu mundo cair (Zé Miguel Wisnik)
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Embebedado (Zé Miguel Wisnik e Chico Buarque)

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