O aniversário dos 50
anos da deflagração do golpe civil-militar, ocorrido no Brasil em 1964,
suscitou a publicação de dezenas de livros sobre o assunto. Outros foram
relançados, aproveitando a ocasião. Alguns eu já tinha, outros eu comprei.
Entre todos, o que mais me chamou a atenção foi 1964 dos historiadores Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes. Os
motivos foram dois.

A segunda
característica que me instigou foi a condução da narrativa com um enfoque que
procurou demonstrar, o tempo todo, que houve alternativas políticas que
poderiam ter evitado o golpe, como já havia acontecido nas tentativas
anteriores, desde o fim do governo de Getúlio, passando pela eleição de
Juscelino e a posse de João Goulart. Se no primeiro caso o golpe foi debelado
pelo suicídio do presidente, provavelmente a maior jogada política da nossa
história republicana, as demais tentativas foram contornadas com muita
habilidade por parte dos políticos da época.
Impossível não perceber
as semelhanças entre aquela época e a atual, em que o Brasil se divide entre
uma, aparentemente eterna, disputa entre esquerda e direita. Naquela época,
como agora, havia importantes agentes de cada lado do espectro político e em
cada um dos lados, diferentes graus de radicalismo.
Como acontece hoje,
partindo do centro, tínhamos na esquerda uma ala moderada que podemos chamar de
progressista, outra mais radical, que eu denominaria de sectária e na extrema
esquerda, uma autointitulada ala revolucionária, mas com claras tendências
golpistas.
Da mesma forma, e como
ainda ocorre hoje, a ala moderada da direita pode ser classificada como
conservadora, adjacente a uma ala reacionária e no extremo deste espectro
político, nitidamente golpista.
As alas moderadas, à
direita e à esquerda eram, àquela época, absolutamente conciliáveis. Os
progressistas eram representados por uma robusta parcela do PTB enquanto os
conservadores tinham sua base no PSD. Liderados, respectivamente, por San Tiago
Dantas e Tancredo Neves, estas duas alas davam um suporte parlamentar relativamente
confortável a Jango e às suas reformas de base. O livro mostra, aliás, através
de documentos da época, que, diferentemente do que viria a se propagar, estas
reformas eram bem aceitas por ampla parcela da sociedade representada, incluindo
a imprensa, já àquela época, bastante conservadora.
Os militares, apesar de
extremamente anticomunistas, eram, ao mesmo tempo, majoritariamente legalistas.
Esta obediência à legalidade, aliás, foi o que ajudou a evitar, nas
oportunidades anteriores, a deflagração do golpe.
O presidente,
entretanto, sofria pressões dos que estavam distantes das posições moderadas e de
ambos os lados. Da esquerda, o chumbo vinha de Leonel Brizola que representava
a ala mais sectária do PTB e, também, do PCB de Luís Carlos Prestes, do
governador de Pernambuco Miguel Arraes, da CGT, das ligas camponesas de Francisco
Julião e também da UNE, comandada, pasmem vocês, por José Serra.
Da direita, o chumbo
era mais grosso e vinha da TFP e da cúpula da igreja católica, mas estava
concentrado na UDN de Carlos Lacerda, mais uma vez tentando capitanear a tomada
do poder através de um golpe, como já tentara fazer em todas as oportunidades
anteriores. Para isso contava com a colaboração dos governadores de São Paulo e
de Minas, Ademar de Barros e Magalhães Pinto.
O que o livro mostra é
que, caso Jango tivesse conseguido se manter atrelado aos moderados, ou seja,
aos progressistas e aos conservadores, conciliados e equilibrando-se de forma
relativamente estável, ele teria conseguido resistir às pressões, tanto da
esquerda quanto da direita e teria conseguido implantar, ao menos em parte,
suas reformas de base.
O que aconteceu,
entretanto, foi que ele não resistiu e acabou cedendo às pressões da esquerda,
desequilibrando a balança para aquele lado. Esta tomada de posição, aliada à decisão
equivocada de apoiar os sargentos rebelados, provocou a adesão de diversos
oficiais militares legalistas à onda golpista.
Havia, entretanto, a possibilidade
de resistir, partindo de algum apoio militar proveniente do Rio Grande do Sul. A
informação de que o movimento golpista já tinha garantido o apoio militar do
governo dos Estados Unidos, o que provocaria uma guerra fratricida no Brasil,
fez o presidente não adotar esta possibilidade.
Finalmente, o livro
ajuda a derrubar alguns mitos que se perpetuaram depois do golpe, durante o
regime militar:
O primeiro é o de que a
imprensa e a sociedade não teriam apoiado o golpe. Através de imensa
documentação da época, os autores demonstram que, desde dezembro de 1963,
diversos setores da sociedade civil e, sobretudo a imprensa, em quase sua
totalidade, apoiavam e até incentivavam o golpe.
O segundo mito é a
respeito de Jango que, através da comunicação controlada pelo regime, passou à
história como um político fraco e covarde. Nada mais falso. Jango era um
negociador hábil e foi devido a isso que conseguiu resistir tanto tempo às
investidas constantes dos inimigos. Acusam o presidente de covarde por não ter
resistido, mas sua decisão foi tomada por generosidade a um povo do qual ele
não queria ver o sangue derramado, no caso de um embate.
O livro nos ajuda a
perceber que é através da política que se pode encontrar os caminhos que evitem
as soluções radicais e, tivesse havido mais habilidade neste campo, o Brasil
não teria passado por uma ditadura cruel e nefasta, que atrasou em mais de 20
anos o nosso desenvolvimento social.
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