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sábado, 11 de outubro de 2014

Aniversário Nefasto

O aniversário dos 50 anos da deflagração do golpe civil-militar, ocorrido no Brasil em 1964, suscitou a publicação de dezenas de livros sobre o assunto. Outros foram relançados, aproveitando a ocasião. Alguns eu já tinha, outros eu comprei. Entre todos, o que mais me chamou a atenção foi 1964 dos historiadores Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes. Os motivos foram dois.

Em primeiro lugar, me surpreendeu o fato de que, diferentemente das demais publicações que trataram do período em que durou o regime militar, o livro de Jorge e Angela analisou o período imediatamente anterior ao golpe. Mais especificamente, do dia da renúncia de Jânio Quadros até o momento da eclosão da “redentora”.

A segunda característica que me instigou foi a condução da narrativa com um enfoque que procurou demonstrar, o tempo todo, que houve alternativas políticas que poderiam ter evitado o golpe, como já havia acontecido nas tentativas anteriores, desde o fim do governo de Getúlio, passando pela eleição de Juscelino e a posse de João Goulart. Se no primeiro caso o golpe foi debelado pelo suicídio do presidente, provavelmente a maior jogada política da nossa história republicana, as demais tentativas foram contornadas com muita habilidade por parte dos políticos da época.

Impossível não perceber as semelhanças entre aquela época e a atual, em que o Brasil se divide entre uma, aparentemente eterna, disputa entre esquerda e direita. Naquela época, como agora, havia importantes agentes de cada lado do espectro político e em cada um dos lados, diferentes graus de radicalismo.

Como acontece hoje, partindo do centro, tínhamos na esquerda uma ala moderada que podemos chamar de progressista, outra mais radical, que eu denominaria de sectária e na extrema esquerda, uma autointitulada ala revolucionária, mas com claras tendências golpistas.

Da mesma forma, e como ainda ocorre hoje, a ala moderada da direita pode ser classificada como conservadora, adjacente a uma ala reacionária e no extremo deste espectro político, nitidamente golpista.

As alas moderadas, à direita e à esquerda eram, àquela época, absolutamente conciliáveis. Os progressistas eram representados por uma robusta parcela do PTB enquanto os conservadores tinham sua base no PSD. Liderados, respectivamente, por San Tiago Dantas e Tancredo Neves, estas duas alas davam um suporte parlamentar relativamente confortável a Jango e às suas reformas de base. O livro mostra, aliás, através de documentos da época, que, diferentemente do que viria a se propagar, estas reformas eram bem aceitas por ampla parcela da sociedade representada, incluindo a imprensa, já àquela época, bastante conservadora.

Os militares, apesar de extremamente anticomunistas, eram, ao mesmo tempo, majoritariamente legalistas. Esta obediência à legalidade, aliás, foi o que ajudou a evitar, nas oportunidades anteriores, a deflagração do golpe.

O presidente, entretanto, sofria pressões dos que estavam distantes das posições moderadas e de ambos os lados. Da esquerda, o chumbo vinha de Leonel Brizola que representava a ala mais sectária do PTB e, também, do PCB de Luís Carlos Prestes, do governador de Pernambuco Miguel Arraes, da CGT, das ligas camponesas de Francisco Julião e também da UNE, comandada, pasmem vocês, por José Serra.

Da direita, o chumbo era mais grosso e vinha da TFP e da cúpula da igreja católica, mas estava concentrado na UDN de Carlos Lacerda, mais uma vez tentando capitanear a tomada do poder através de um golpe, como já tentara fazer em todas as oportunidades anteriores. Para isso contava com a colaboração dos governadores de São Paulo e de Minas, Ademar de Barros e Magalhães Pinto.

O que o livro mostra é que, caso Jango tivesse conseguido se manter atrelado aos moderados, ou seja, aos progressistas e aos conservadores, conciliados e equilibrando-se de forma relativamente estável, ele teria conseguido resistir às pressões, tanto da esquerda quanto da direita e teria conseguido implantar, ao menos em parte, suas reformas de base.

O que aconteceu, entretanto, foi que ele não resistiu e acabou cedendo às pressões da esquerda, desequilibrando a balança para aquele lado. Esta tomada de posição, aliada à decisão equivocada de apoiar os sargentos rebelados, provocou a adesão de diversos oficiais militares legalistas à onda golpista.

Havia, entretanto, a possibilidade de resistir, partindo de algum apoio militar proveniente do Rio Grande do Sul. A informação de que o movimento golpista já tinha garantido o apoio militar do governo dos Estados Unidos, o que provocaria uma guerra fratricida no Brasil, fez o presidente não adotar esta possibilidade.

Finalmente, o livro ajuda a derrubar alguns mitos que se perpetuaram depois do golpe, durante o regime militar:

O primeiro é o de que a imprensa e a sociedade não teriam apoiado o golpe. Através de imensa documentação da época, os autores demonstram que, desde dezembro de 1963, diversos setores da sociedade civil e, sobretudo a imprensa, em quase sua totalidade, apoiavam e até incentivavam o golpe.

O segundo mito é a respeito de Jango que, através da comunicação controlada pelo regime, passou à história como um político fraco e covarde. Nada mais falso. Jango era um negociador hábil e foi devido a isso que conseguiu resistir tanto tempo às investidas constantes dos inimigos. Acusam o presidente de covarde por não ter resistido, mas sua decisão foi tomada por generosidade a um povo do qual ele não queria ver o sangue derramado, no caso de um embate.

O livro nos ajuda a perceber que é através da política que se pode encontrar os caminhos que evitem as soluções radicais e, tivesse havido mais habilidade neste campo, o Brasil não teria passado por uma ditadura cruel e nefasta, que atrasou em mais de 20 anos o nosso desenvolvimento social.

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